As críticas ao Governo invadem a campanha do PS em força, à medida que os dias passam rumo à reta final destas europeias. Ainda assim, o PS tenta agora ser cuidadoso e focar o discurso: consciente de que as críticas constantes à “campanha permanente” do Governo de Luís Montenegro podem ser confundidas com uma vontade de fazer o Executivo cair, colando ao PS uma ideia de instabilidade, o partido tenta agora explicar que quer acima de tudo, sim, vencer as europeias — mas para corrigir a “arrogância” da AD e alterar o rumo da governação nesta legislatura.
As referências à governação de Luís Montenegro têm sido constantes, tão constantes como a presença de Pedro Nuno Santos na campanha, sempre disponível para malhar no Executivo — sobretudo enquanto se vão conhecendo medidas e intenções do Governo, incluindo o novo plano para a imigração, que fazem os socialistas levantar o sobrolho e falar num “timing” que não será inocente. Não são poucos os nomes do PS que vão passando pela campanha europeia, mas apontando a mira diretamente à governação nacional.
No entanto, esta terça-feira ficou claro que o PS quer que haja uma leitura nacional sobre estas eleições e as posições em que PS e AD se encontram — o que não significa que queira pedir a cabeça de Montenegro no minuto em que este, hipoteticamente, perca as eleições; o significado de uma vitória do PS nas europeias significaria sobretudo um desgaste da AD e um reforço da energia socialista.
Num comício em Guimarães, Pedro Nuno Santos desenhou uma espécie de guião sobre a forma como quer que a sua liderança, e a sua ação no Parlamento, seja lida. Se é certo que o PS tem conseguido fazer aprovar, com os votos da esquerda e do Chega, uma série de medidas contra a vontade do Executivo, Pedro Nuno fez questão de recuar e ir buscar os momentos em que alinhou com o PSD — para superar o impasse relativo à eleição do Presidente da Assembleia da República, por exemplo — para mostrar que o PS “não é uma força de bloqueio”. Mas tem uma “visão do país” e promete “continuar a lutar por ela”.
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Depois, passou ao guião de leitura que o PS quer distribuir sobre os futuros resultados destas legislativas: uma vez que o PS “só quer poder participar e ser ouvido”, e que acusa o Executivo estar mais focado em combater a oposição do que em governar, o líder socialista faz agora votos de que estas eleições ponham fim à forma como o Governo “ignora o Parlamento”. E se as eleições são para a Europa, Pedro Nuno diz que também se votará “por uma forma de estar na política e na sociedade”.
Carlos César, que com frequência faz o papel de voz da consciência do PS, foi ao mesmo comício deixar a mensagem de uma forma ainda mais clara, chegando mesmo a pedir “paciência nesta eleição” ao PS: “Agora é o tempo das europeias. Quando for tempo disso, serão as eleições para o novo Governo, que esperamos ser do PS. Temos de ser pacientes”. Gelo nos pulsos, esperar pelo tempo certo e não embarcar em entusiasmos exagerados antes do tempo — apesar de até ter sido o líder do PS a lançar, na pré-campanha, a ideia de que o objetivo seria “ganhar na Europa para logo a seguir ganhar Portugal”, e de no PS não faltarem dirigentes que acreditam que o Governo está numa situação periclitante e em risco de queda a qualquer momento.
Ainda assim, neste momento o foco tem de estar nas europeias, com as leituras que daí vierem a ficarem para depois. César, que tinha aparecido na arruada da tarde, em Braga, já a pedir uma vitória socialista que traga uma dose de humildade à AD, fez questão de deixar o recado completo em Guimarães: “É bom lembrar que o voto na AD não é um voto nem na estabilidade nem na instabilidade — é uma má escolha para a Europa mas pode ser também um indesejável suplemento de arrogância para o Governo português”.
Os dirigentes socialistas escreveram, assim, uma espécie de bula sobre os efeitos secundários que o resultado das europeias pode desencadear — para o bem e para o mal. César acabaria por seguir o mesmo raciocínio de Pedro Nuno — descreveu um Governo que gosta mais de fazer propaganda do que de governar, mais focado em “desvalorizar a oposição” do que em “valorizar a governação”, que não deve ter “roda livre” no Parlamento. E assegurou sempre que o PS sabe que o seu papel não é governar a partir da Assembleia da República, caso dúvidas houvesse.
No partido está presente, sobretudo, uma prioridade muito clara: é preciso desfazer a ideia de que o PS quer ativamente provocar instabilidade. Por isso, e mesmo que Pedro Nuno Santos até vá insinuando os pacotes de medidas que a AD vai apresentando o vão afastando de cada vez mais do Governo (e do próximo Orçamento do Estado?), a regra é não cair no erro de oferecer esse trunfo à AD — por alguma razão, horas depois do comício em Guimarães, Sebastião Bugalho acusava o PS de ter “a instabilidade como fim”.
O futuro primeiro-ministro, segundo César. E o guião das críticas à AD
As referências ao significado destas eleições vão, assim, variando na formulação, mas pouco no conteúdo: são importantes, podem vitaminar o PS, mas, como resumia César a partir do palco vimaranense, esta “é uma eleição importantíssima para a Europa, mas não por causa das próximas eleições legislativas, que havemos de vencer — porque não misturamos alhos com bugalhos”. Ao mesmo tempo, o presidente do partido insistia que o país beneficiaria em ter Pedro Nuno como primeiro-ministro — “e vai sê-lo”, assumia. O PS só não sabe arriscar quando.
O resto dos últimos dias do PS têm consistido, no que toca à intervenção de outros protagonistas — uma vez que a cabeça de lista, Marta Temido, continua focada sobretudo nos temas europeus e no ataque à AD ao nível da candidatura europeia — numa chuva variada de críticas ao Executivo de Luís Montenegro, mas com alguns pontos em comum.
Uma das críticas mais populares será aos moldes da redução de IRS, e do IRS Jovem, que foi sendo criticada por figuras como Francisco Assis, Augusto Santos Silva, Alexandra Leitão ou Pedro Nuno Santos. Mas no iníco desta segunda semana acrescentou-se um segundo passo a este raciocínio: além de o PS acreditar que o desenho da medida é injusto e beneficia os mais ricos, acrescenta-lhe acusações de despesismo, lembrando que o IRS Jovem significará uma perda de receita de mil milhões de euros.
Se Pedro Nuno Santos se queixou da falta de escrutínio às contas das medidas da AD e concluiu que o Governo já está a desenhar o próximo Orçamento do Estado, Santos Silva subiu o tom e chegou a falar num “risco de desequilíbrio orçamental”. E esta terça-feira também Temido disparou: “Quando nos preocupámos em fazer o país avançar e manter as contas certas não foi para que se corresse o risco de desbaratar o legado”. A defesa do património das contas certas voltou a marcar a campanha. E mesmo fora dela, o PS carrega no discurso: esta terça-feira de manhã, o dirigente António Mendonça Mendes avisava, “com grande preocupação”, na rádio Observador que o país “não tem mil milhões de euros” para gastar com o IRS Jovem.
Outras críticas recorrentes são à constante apresentação de novas medidas: Leitão chamou-lhe uma “torrente” de anúncios, Pedro Nuno resume-as repetidamente a “Powerpoints” com pouco conteúdo e novidade, que servem para o Governo mostrar que se está a mexer. Aplicou essa crítica ao plano para a imigração, ainda que apontando a sua preocupação com a eliminação da figura de manifestação de interesse, que acredita que contribuirá para aumentar a imigração ilegal. E aplicou-a também ao novo plano de emergência para a Saúde: quase no plano tudo é gestão corrente do SNS, argumentou, mas a orientação para os privados levará ao “definhamento” do serviço público.
Em resumo, para o PS este é um Governo que está em “campanha” frenética, a anunciar medidas atrás de medidas mas a resolver poucos problemas concretos, sobretudo os que afetam a “maioria esmagadora” das pessoas. E os socialistas pintam-se, é claro, do lado oposto deste quadro político: de partido que quer dialogar para resolver problemas concretos e que vai contra um muro no Parlamento. Uma coisa é certa: nenhum dos dois lados quer ficar com nenhum ónus da instabilidade, se esta vier a colocar-se numa legislatura que muitos não acreditam que vá até ao fim.