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Porque é que está tanto calor? E onde é que o termómetro vai chegar quase aos 50ºC?

Não se iluda. Os termómetros vão chegar quase aos 50ºC, as temperaturas são "gravíssimas", o anticiclone dos Açores regressou a casa. Mas isto não é uma onda de calor. Também não é só o verão.

Estes dias trazem a Portugal temperaturas que podem aproximar-se dos 50ºC em algumas cidades do Alentejo e madrugadas com o mercúrio a roçar os 30ºC às onze da noite. Isso. Leu bem. Noites tropicais. E dias do deserto. É isso que diz o comunicado publicado esta terça-feira pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera. É verdade que o litoral oeste de Portugal Continental não se vai livrar de alguma nebulosidade nas primeiras horas da manhã, mas “há tendência para uma subida acentuada da temperatura, que se acentua a partir de quarta-feira, dia 1 de agosto”. Mas esta subida de temperatura não é, pelo menos segundo o dicionário da climatologia, uma onda de calor, aquela de que toda a gente está a falar e de seguramente vai continuar a ouvir até pelo menos domingo. Nem sequer significa obrigatoriamente que o verão veio mesmo para ficar.

Os meteorologistas preveem que “valores da temperatura máxima estejam acima dos valores normais para a época“. Sim, isso é mais que certo. A maior parte do país vai registar temperaturas por volta dos 35ºC durante o dia mas o interior do Alentejo, Vale do Tejo e Beira Baixa pode chegar a valores entre os 40ºC e os 45ºC a partir desta quinta-feira.  E até o Algarve, que vai ser a região portuguesa com temperaturas mais baixas nos próximos dias, andará sempre acima dos 30ºC.  A outra novidade é que à noite o calor permanece: “Os valores da temperatura mínima têm igualmente tendência para uma subida gradual, atingindo no final da semana valores próximos ou superiores a 20 °C na generalidade do território”, diz o Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Explore este mapa para saber que temperaturas esperar nos próximos dias na sua cidade. Descubra também quais vão ser os municípios mais quentes e os mais frescos nos próximos dias.

Dito isto, está fácil de ver que é verdade que vem aí muito calor. Daquele mesmo tórrido. Mas mesmo assim não estamos perante uma onda de calor, explica ao Observador a climatóloga Fátima Espírito Santo do Instituto Português do Mar e da Atmosfera: “Do ponto de vista da climatologia dizemos que estamos perante uma onda de calor se a temperatura média for 5ºC acima da temperatura média para a época e se isso acontecer durante seis dias consecutivos“. Esse não é o que as previsões meteorológicas ditam, pelo menos por enquanto: sabe-se que o calor chega esta quarta-feira e que se deve arrastar até dia 4 de agosto, o que perfaz um intervalo de três dias. Eram precisos outros três para rotularmos o tempo que aí vem de onda de calor. Não significa que eles não venham, mas por enquanto não há indicação disso nas previsões meteorológicas dos especialistas portugueses.

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Estamos perante uma onda de calor se a temperatura média for 5ºC acima da temperatura média e se isso acontecer durante seis dias consecutivos. Esse não é o que as previsões meteorológicas ditam, pelo menos por enquanto: sabe-se que o calor chega esta quarta-feira e que se deve arrastar até dia 4 de agosto.

Noutros países seria mesmo uma onda de calor

Cá são só temperaturas perigosas

É assim em Portugal, mas estas previsões meteorológicas seriam mesmo conhecidas por ondas de calor noutros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos diz que estamos perante uma onda de calor quando há um período de pelo menos três dias consecutivos com temperaturas acima dos 32,2ºC; e na Holanda, assim como na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo, as agências meteorológicas assumem que se está perante uma onda de calor se as temperaturas ascenderam aos 30ºC. Por cá, no entanto, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera segue a definição de um índice construído pela Organização Meteorológica Mundial: só há uma onda de calor quando a temperatura máxima diária é superior em 5 °C ao valor médio diário durante um período de pelo menos seis dias. Até ver, esse não é o caso.

Mas não é por isso que deve facilitar na hora de colocar em prática os habituais conselhos de quando se está perante muito calor: “A definição da climatologia não é ajustada do ponto de vista da saúde. Este calor é gravíssimo”, alerta Fátima Espírito Santo. É que “este calor também não é normal mesmo estando no verão” e “as temperaturas estão bem acima do que seria expectável”, sublinha o meteorologista Ricardo Tavares do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Por isso mais vale seguir as indicações dos médicos: beba muita água, evite o café e as bebidas alcoólicas, coma muita fruta e verduras, utilize roupas claras, use sempre protetor solar e nunca fique em lugares quentes.

Tudo isto se torna ainda mais importante porque o Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê que as temperaturas possam chegar a “máximos absolutos em vários locais”, com as máximas a rondarem os 45 graus e as mínimas “aproximando-se dos 30”. Os máximos absolutos acontecem quando uma determinada cidade chega a temperaturas intransponíveis para aquele local, o que normalmente corresponde a um recorde. No caso da vaga de calor que aí vem, as cidades que podem alcançar máximos absolutos são Beja, Évora, Castelo Branco, Santarém, Portalegre, Setúbal e Sines. E com esse calor aumenta também o risco de incêndio em todo o país.

Sete cuidados a seguir para enfrentar a vaga de calor desta semana

Os avisos vermelhos por causa do calor vão estender-se até ao início do dia de sábado em nove distritos do país: são eles Bragança, Évora, Guarda, Vila Real, Santarém, Beja, Castelo Branco, Portalegre e Guarda. Além disso, os concelhos algarvios de Alcoutim, Tavira e Castro Marim e o município de Marvão, em Portalegre, estão em risco máximo de incêndio. E todos os distritos de Portugal continental e algumas ilhas dos arquipélagos dos Açores e da Madeira estão com um risco muito elevado de exposição à radiação ultravioleta.

Ora, uma onda de calor, ou altas temperaturas como estas que esta quarta-feira começam e se prolongam pelo menos até domingo,  acontecem quando uma região de alta pressão atmosférica estaciona por cima de um determinado sítio e por lá fica durante um período de tempo mais longo. E isso pode acontecer por dois motivos: ou porque uma massa de ar quente viaja de um sítio para o outro ou porque o ar por cima desse local aquece de alguma forma. De uma maneira ou outra, isso faz com que a pressão atmosférica suba acima dos 1.013 milibares normais (valores registados normalmente por cima do mar) para números acima desses. Quando assim é, o ar desce e aquece, expandindo em volume e tornando o ar mais seco e estável. Se desse comportamento da atmosfera resultarem temperaturas muito altas que se arrastem durante muitos dias, então estamos perante a tal onda de calor.

Porque é que as temperaturas têm andado todas trocadas?

A culpa é do anticiclone do costume

Isto é o que está a acontecer pelo resto da Europa: os suecos foram obrigados a enfrentar incêndios que deflagraram em territórios próximos do Círculo Polar Ártico, a Alemanha está a passar pelo verão mais quente dos últimos quinze anos, a água foi cortada em alguns municípios belgas e o mês de julho foi o mais quente na Holanda desde 1901, quando começaram os registos meteorológicos. De acordo com o meteorologista Ricardo Tavares, “havia outro anticiclone no norte da Europa” que estava a arrastar ar quente vindo da região do Mediterrâneo para o norte do continente europeu e que dava a países como o Reino Unido ou a Suécia temperaturas que estamos mais habituados a sentir em Portugal durante o verão.

De acordo com o meteorologista Ricardo Tavares, "havia outro anticiclone no norte da Europa" que estava a arrastar ar quente vindo do Mediterrâneo para o norte do continente europeu e que dava a países como o Reino Unido ou a Suécia temperaturas que estamos mais habituados a sentir em Portugal durante o verão.

Enquanto o mercúrio dos termómetros no norte da Europa subia às temperaturas a que estamos habituados no verão português, por cá as temperaturas e as previsões meteorológicas têm-se mantido as típicas do tímido tempo estival dos nossos vizinhos lá de cima. O tempo parece mesmo estar trocado. A culpa é uma vez mais do anticiclone dos Açores: “O papel do anticiclone dos Açores é bloquear os ares frios, que normalmente nesta altura do ano não conseguem chegar à Península Ibérica porque esse centro de alta pressão atmosférica estende-se até por cima de Portugal e Espanha. Só que até agora o anticiclone dos Açores estava bastante mais a oeste do que é normal para esta altura do ano, por isso o ar frio chegava cá”, explica o meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Este verão está todo trocado. Há recordes de temperaturas no norte da Europa e no Reino Unido e frio em Portugal e Espanha

O calor que se faz sentir durante esta semana é só um regresso à normalidade do ponto de vista meteorológico: “O que está a acontecer é que o anticiclone dos Açores está a regressar à posição mais normal para esta época do ano“, que é muito perto do arquipélago dos Açores, a leste das ilhas portuguesas. Só que esse regresso à normalidade também traz, no entanto, um comportamento anómalo às condições do tempo: a crista anticiclónica, uma região alongada de altas pressões atmosféricas onde o movimento do ar é quase nulo, vai chegar até ao Golfo de Biscaia, uma zona do oceano Atlântico situado entre a costa norte da Espanha e a costa sudoeste da França. Isso está a fazer com que o bom tempo, e o extremo calor, cheguem a toda a Península Ibérica e até um pouco mais além. Isso e o facto de haver uma massa de ar quente a dirigir-se para norte do hemisfério norte vindo do deserto do Saara — uma massa de ar que com ela também traz “poeiras em suspensão provenientes do norte de África” que vão amarelar o céu no sul do país.

Nuvem de poeiras do norte de África pode causar problemas respiratórios

Estes mapas mostram a probabilidade de se ultrapassar os 35ºC (primeira fila) ou os 40ºC na Península Ibérica e Baleares nos próximos dias. A cor vermelha indica a maior probabilidade.

E é mesmo desta que o verão veio para chegar?

Parece que não. O calor só dura até segunda

Mas se todos estes fenómenos “impediam o calor de chegar por cá”, como diz Fátima Espírito Santo, a verdade é que esta vaga de calor não significa que o verão tipicamente português tenha vindo para ficar: Ricardo Tavares diz que “este calor não é o verão a chegar” porque apesar de as temperaturas permanecerem altas (mesmo muito altas) até pelo menos domingo, espera-se que elas comecem a amenizar já no início da próxima semana.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê temperaturas médias mensais “acima do normal, para todo o território na semana de 30 de julho a 5 de agosto e apenas para as regiões do interior na semana de seis de agosto a doze de agosto”. Antes disso, verificou-se que o mês de julho foi o mais frio dos últimos 30 anos e que até houve dias em que as temperaturas máximas foram de menos quatro graus Celsius do que o normal. Agora que o anticiclone dos Açores voltou a casa, pode ser que o verão volte para Portugal. Mas isso são só previsões.

O anticiclone dos Açores vai regressar à posição mais normal para esta época do ano. Só que esse regresso à normalidade também traz um comportamento anómalo às condições do tempo: a crista anticiclónica vai chegar até ao Golfo de Biscaia. E uma massa de ar quente vai dirigir-se para norte do hemisfério norte vindo do deserto do Saara -- uma massa de ar que com ela também traz "poeiras em suspensão provenientes do norte de África" que vão amarelar o céu no sul do país.

Questionados sobre o que está a levar o verão para fora da Península Ibérica e para o norte da Europa, os cientistas do consórcio World Weather Attribution (WWA) dizem não ter dúvidas: a onda de calor que derreteu telhados no Reino Unido e que alimentou incêndios florestais dantescos na Suécia ao longo do mês que termina esta terça-feira foi duas vezes mais provável por causa das alterações climáticas do que por qualquer outro motivo. E daqui para a frente esses fenómenos só vão piorar, prevê o estudo preliminar: o aquecimento global não só está a aumentar o número de ondas de calor, como também está a inflamar a intensidade dessas ondas. Mais do que isso, o estudo indica que ondas de calor ainda piores do que a deste verão devem passar a ocorrer a cada dois anos a partir da década de 40.

Certo é que o clima está mesmo a mudar: no documento “Climate Change 2001: The Scientific Basis” pode ler-se que “a análise de um grande conjunto de observações mostra mudanças recentes no sistema climático”, recorda o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Só no século XX a temperatura média global à superfície aumentou cerca de 0,6°C. Em média, entre 1950 e 1993, a temperatura mínima diária do ar aumentou cerca de 0,2°C por década — o dobro do aumento da temperatura máxima diária — e a temperatura da água do mar aumentou cerca de metade do que a temperatura média sobre o continente.  E como houve uma diminuição de cerca de 10% da área coberta de neve e gelo desde o fim da década de 1960, o nível médio da água do mar subiu entre 0,1 metros e 0,2 metros durante o século XX.

Em Portugal, o clima também está a mudar. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera declara que “a temperatura média do ar tem estado a aumentar desde meados do século XIX“. A prová-lo está o facto de a amplitude térmica diária, diferença entre a temperatura máxima e a temperatura mínima, estar a diminuir desde 1946: “Esta diminuição deve-se ao facto de as temperaturas mínimas estarem a aumentar mais do que as máximas“, explica a instituição. E isso já trouxe consequências graves para o país: a quantidade de precipitação está a diminuir, as situações de seca aumentaram de quantidade e intensidade nos últimos vinte anos e a temperatura da água do mar junto à costa ocidental tem estado a aumentar desde 1956. Por isso, apesar de as ondas e as vagas de calor serem comuns em Portugal, elas podem tornar-se cada vez mais perigosas.

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