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Esta terça-feira o Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou 10 funcionários da embaixada liderada por Mikhail Kamynin persona non grata
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Esta terça-feira o Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou 10 funcionários da embaixada liderada por Mikhail Kamynin persona non grata

Esta terça-feira o Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou 10 funcionários da embaixada liderada por Mikhail Kamynin persona non grata

Porta-voz de Lavrov, foi agraciado em Cuba e aprendeu a falar português em seis meses. Quem é o embaixador russo em Lisboa?

Mikhail Kamynin chegou a Lisboa no verão de 2018, depois de 10 anos em Cuba. Como embaixador da Rússia em Portugal já passou por vários escândalos. Mas diz que o momento mais difícil é o presente.

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No passado dia 17 de fevereiro, Mikhail Kamynin, o embaixador da Federação Russa em Lisboa, garantiu à agência Lusa que as manobras militares que o exército russo então estava a levar a cabo iam “terminar nos próximos dias” e acusou o Ocidente de ter tido uma “reação histérica” à movimentação de soldados de Moscovo ao longo da fronteira com a Ucrânia. “Todas as movimentações das forças russas estão a acontecer no território nacional e no quadro dos exercícios militares planeados, inclusive com os nossos aliados bielorrussos”, explicou o diplomata, para depois parafrasear Putin, Shoigu e Lavrov e assegurar que, assim que acabassem os exercícios, “todas as forças que neles [participavam voltariam] às suas localizações permanentes”. Exatamente uma semana depois, a 24 de fevereiro, a Rússia invadiu a Ucrânia.

Na manhã do 42.º dia da guerra, cerca de doze horas depois de ser conhecida a decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros de expulsar dez funcionários da embaixada russa do território português, José Milhazes não tem qualquer pejo em acusar Mikhail Kamynin de ter “mentido aquando das vésperas da invasão”. “No fundo, enganou a opinião pública portuguesa e nesse sentido, para mim, passou de embaixador da Federação da Rússia para embaixador de Putin”, diz o jornalista, que durante quase quatro décadas viveu e trabalhou naquele país.

“Disse-me que a posição dele era de ‘total fidelidade à política do presidente’. É um diplomata de carreira que já ocupou lugares de prestígio, durante vários anos foi porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nessa altura parecia ser um diplomata sério, o discurso era diferente, mais aberto, mas agora não”
José Milhazes

Pelo menos, acede, o diplomata não tentou enganá-lo quando, já com a guerra em marcha, respondeu ao e-mail que lhe enviou a perguntar como se posicionava em relação ao assunto. “Disse-me que a posição dele era de ‘total fidelidade à política do presidente’. É um diplomata de carreira que já ocupou lugares de prestígio, durante vários anos foi porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nessa altura parecia ser um diplomata sério, o discurso era diferente, mais aberto, mas agora não”, conclui José Milhazes, que diz também que, desde que se intensificou a perseguição aos colegas de profissão na Rússia, passou a rejeitar todos os convites que lhe foram endereçados pela embaixada em Lisboa, como forma de protesto.

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Embaixador em Portugal desde agosto de 2018, Mikhail Leonidovich Kamynin, agora com 65 anos, curiosamente também estudou Jornalismo, no Instituto de Relações Internacionais de Moscovo, “a fábrica dos diplomatas russos”, diz Milhazes, e é membro do Sindicato dos Jornalistas da Rússia. Ao contrário do pai, Leonid Ivanovich Kamynin, quadro do jornal Izvestia durante 44 anos e seu correspondente estrangeiro em países como Cuba, Argentina, Peru e Bolívia, nunca trabalhou como repórter.

Em vez disso, Mikhail Kamynin, casado, pai de dois e avô de cinco, todos atualmente a viver na Rússia, ingressou na carreira diplomática assim que se licenciou, em 1978, aos 22 anos. Nesse mesmo ano, voou para o México, onde permaneceu durante quatro anos, a trabalhar na embaixada da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ainda sob a égide da URSS, esteve também colocado na representação diplomática de Madrid — mais uma vez a dar uso ao espanhol, que aprendeu a falar com o pai, e em que é fluente, diz quem o conhece. Em 1991, quando o regime soviético caiu, assumiu o departamento de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da Rússia. A partir de então, foi alternando entre cargos diplomáticos — em Cuba, por exemplo, onde esteve entre 1999 e 2002, como ministro conselheiro da embaixada, ou em Espanha onde foi embaixador — e os cargos de assessoria por que ficou verdadeiramente conhecido em Moscovo.

Entre 2005 e 2008, Kamynin foi a cara do Ministério das Relações Exteriores, já então liderado por Sergey Lavrov. Como diretor do Departamento de Informação e Imprensa, foi presença praticamente diária nos jornais e noticiários do país

Entre 2005 e 2008, Kamynin foi a cara do Ministério das Relações Exteriores, já então liderado por Sergey Lavrov, que também fora embaixador da Rússia, mas junto das Nações Unidas. Como diretor do Departamento de Informação e Imprensa, foi presença praticamente diária nos jornais e noticiários do país — quando saiu do cargo, através da agência estatal Interfax, fez questão de deixar um agradecimento aos jornalistas e diretores “pelo apoio e compreensão inestimáveis” que lhe teriam prestado ao longo dos “anos de cooperação conjunta”. A notícia de que tinha sido nomeado “Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário” da Federação Russa em Cuba, e que tinha alcançado assim o topo da carreira, foi conhecida na mesma altura.

O embaixador José Luiz Gomes, que tinha saído de Moscovo seis anos antes e que por isso não chegou a conhecê-lo, diz que a posição, “naturalmente apetecível”, dada a relevância do território cubano para a Federação Russa, é “importante” e que a escolha de Mikhail Kamynin e a sua relação de proximidade com Sergey Lavrov deverá ser mais do que mera coincidência. “É normal. Como porta-voz do Lavrov, é normal que houvesse muita proteção”, analisa o diplomata português. “Lembro-me do que aconteceu com Vitaly Churkin, cuja carreira tinha caído um bocado em desgraça e depois, quando o Lavrov foi para o Governo, foi para as Nações Unidas, como embaixador russo, e voltou a dar um salto”, compara, com o diplomata que, nomeado Representante Permanente da Rússia na ONU em 2006, acabou por morrer em 2017, um dia antes de fazer 65 ano, e foi substituído por Vitaly Nebenzya, ainda no cargo.

Um embaixador ponderado, “afável, bem disposto e sorridente”

Depois de uma primeira passagem pelo território entre 1999 e 2002, na altura em que Fidel Castro ainda estava no poder, Mikhail Kamynin regressou a Havana em abril de 2008, dois meses depois da renúncia do presidente — dessa feita como embaixador da Federação Russa. Em Cuba, esteve sempre como num “país amigo”, o único, chegaria a dizer mais tarde em entrevista, que “condena veementemente a expansão da NATO para o Oriente e as sanções anti-russas do Ocidente”. Até junho de 2018, durante uma década, manteve-se no cargo.

“Os Estados Unidos nunca deixaram de ameaçar Cuba [...] O embargo comercial, económico e financeiro continua e a questão da base de Guantánamo não foi resolvida. Com o endurecimento da política de Donald Trump em relação à ilha, foram acionadas as tradicionais alavancas de pressão sobre um Estado soberano, e surgiram novos programas subversivos destinados a minar o sistema existente e desestabilizar a sociedade cubana.”
Mikhail Kamynin, em 2008, enquanto embaixador em Cuba

Estava em Havana quando, em julho de 2015, Raúl Castro e Barack Obama restabeleceram as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, depois de mais de cinco décadas de embargo. E manteve-se lá durante parte da era Trump, que veio acabar com aquilo a que, em entrevista à Interfax, chegou a chamar o “degelo” diplomático Havana-Washington.

“Os Estados Unidos nunca deixaram de ameaçar Cuba”, disse nessa ocasião, em fevereiro de 2018, numa reprodução do discurso oficial de Moscovo. “O embargo comercial, económico e financeiro continua e a questão da base de Guantánamo não foi resolvida. Com o endurecimento da política de Donald Trump em relação à ilha, foram acionadas as tradicionais alavancas de pressão sobre um Estado soberano, e surgiram novos programas subversivos destinados a minar o sistema existente e desestabilizar a sociedade cubana. No entanto, a experiência mostra que este país caribenho é capaz de neutralizar efetivamente essas ameaças e de proteger os seus interesses.”

Luís da Silva Barreiros, que chegou à capital cubana no mesmo ano que o homólogo russo, recorda uma postura mais neutra, pelo menos nas conversas que mantiveram ao longo dos cinco anos em que foi embaixador de Portugal em Havana. Sobre a aproximação entre os Estados Unidos e Cuba, que ambos testemunharam, diz que, nos jantares que organizavam, ora um, ora outro, sempre com representantes de outras delegações diplomáticas, Mikhail Kamynin foi sempre ponderado. “É óbvio que a posição russa estava presente e era um tipo de competição bastante económica (em que eles apareciam com mais força em relação ao petróleo, por exemplo) e também a nível militar. Era tema de conversa mas ele nunca nos disse que estava contra, dizia que estavam a observar. No fundo, como todos nós.”

Quando saiu de Cuba, não sem antes ser agraciado com a Medalha da Amizade, em reconhecimento pela sua contribuição para as “excelentes” relações mantidas e desenvolvidas entre os dois países ao longo da década anterior, Mikhail Kamynin foi imediatamente colocado em Lisboa

Do homólogo e vizinho — a residência do embaixador russo em Havana fica mesmo em frente à do embaixador português —, Luís da Silva Barreiros recorda um “tipo afável, bem disposto e sorridente”, com quem tanto conversava sobre “questões de Cuba” como sobre “assuntos domésticos relativos à chancelaria”, mas com quem nunca chegou a desenvolver uma relação mais íntima.

“Dávamo-nos bem enquanto profissionais e enquanto vizinhos. Encontrávamo-nos nesses jantares”, conta, para depois recordar outro célebre morador, se bem que apenas ocasional, do mesmo bairro da capital cubana — Hugo Chávez. “Na altura em que estava doente, ia tratar-se a Cuba e ficava perto da nossa zona. Percebia-se perfeitamente quando é que estava para chegar ou já lá estava por causa do movimento naquela casa. Um dia, numa daquelas receções que havia no ministério, um colega perguntou se havia notícias do Chávez. E o Mikhail Kamynin respondeu na brincadeira: ‘Tem é de me perguntar a mim, ao Luís ou ao embaixador espanhol, que também mora na mesma rua’.”

Medalha em Cuba, escândalo em Portugal

Quando saiu de Cuba, não sem antes ser agraciado com a Medalha da Amizade, em reconhecimento pela sua contribuição para as “excelentes” relações mantidas e desenvolvidas entre os dois países ao longo da década anterior, Mikhail Kamynin foi imediatamente colocado em Lisboa, em substituição de Oleg Nikolaevich Belous, falecido em maio de 2018.

Quando Luís da Silva Barreiros o encontrou, pouco tempo depois, num lançamento organizado pelo Instituto Diplomático na Biblioteca da Rainha, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, já estava a aprender português. “Estava encostado a uma das estantes e de repente vejo entrar um tipo que avança para mim de forma muito sorridente, ainda tive uns instantes de espanto, a imagem não enquadrava com o local”, recorda o embaixador, que nem por isso se tornou entretanto próximo do máximo representante da diplomacia russa em Lisboa. “Foi um reencontro com graça, a partir daí passou a convidar-me para as coisas da embaixada.”

Kamynin disse já fã dos “clássicos da literatura portuguesa como Camões, Eça de Queirós, Saramago ou Pessoa” mas não explicou se já é capaz de os ler no original

Poucos meses mais tarde, em fevereiro de 2019, quando homenageou o também embaixador Manuel Marcelo Curto, um dos primeiros diplomatas portugueses a ser enviado para Moscovo em 1974, Mikhail Kamynin já se expressou em português, registou na altura a imprensa nacional e Luís da Silva Barreiros. Em entrevista concedida via e-mail ao Expresso, já depois do início da guerra na Ucrânia, Kamynin revelou-se fã dos “clássicos da literatura portuguesa como Camões, Eça de Queirós, Saramago ou Pessoa” mas não explicou se já é capaz de os ler no original.

Sobre a visão que tem de Portugal, que visitou pela primeira vez em 1993, o embaixador respondeu com adjetivos simpáticos — é “muito cordial e acolhedor”, disse —, mas não deixou de referir as ameaças de que diz que tem sido alvo no último mês. “Na minha experiência profissional de 44 anos, [este] é o momento mais difícil”, reconheceu. Mas houve outros.

Em junho do ano passado, o nome do embaixador russo em Portugal tornou-se conhecido dos portugueses — pelos piores motivos e na sequência do escândalo da partilha de dados pessoais de manifestantes anti-Rússia por parte da Câmara Municipal de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, o recentemente empossado ministro das Finanças, justamente com a embaixada russa no país.

Quando anunciou a expulsão de diplomatas britânicos

Na altura, em declarações aos jornalistas, o diplomata garantiu, com alguma irritação, que os dados não tinham sido enviados para Moscovo. “Se fôssemos conservar esses dados, iríamos ter uma biblioteca de dados. Por isso repito: não conservámos, não mandámos a Moscovo, porque isso não interessa, são umas coisas minúsculas que passam”, desvalorizou.

Em julho de 2007, quando, na qualidade de porta-voz de Sergey Lavrov, o agora embaixador russo em Portugal anunciou a expulsão de quatro membros da embaixada britânica em Moscovo, o prazo que lhes deu para saírem foi menor do que o que Lisboa agora concedeu: 10 dias apenas.

Agora, menos de um ano depois, Mikhail Kamynin volta a estar no olho do furacão, mas por chefiar a embaixada onde atuam dez funcionários esta terça-feira considerados persona non grata pelo Estado português. Aos dez elementos, que não foram ainda identificados e não pertencerão ao corpo diplomático da embaixada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros liderado por João Gomes Cravinho deu 14 dias para abandonar o país.

Em julho de 2007, quando, na qualidade de porta-voz de Sergey Lavrov, o agora embaixador russo em Portugal fez o mesmo aviso mas a quatro membros da embaixada britânica em Moscovo, o prazo que lhes deu para saírem foi menor: 10 dias apenas. “Como podem ver, Moscovo está a tomar medidas direcionadas, equilibradas e minimamente necessárias”, justificou na altura Mikhail Kamynin. “Fomos obrigados a tomar tais medidas, considerando a escolha que Londres fez de forma deliberada para piorar as relações com o nosso país.”

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