Portugal está abaixo da média europeia na administração de vacinas contra a Covid-19. No total, 52,8% da população portuguesa já tomou uma dose e 29,9% já recebeu duas tomas do imunizante, ao passo que no conjunto dos 27 países que fazem parte da União Europeia (UE) 54% já tomou uma dose da vacina, e 30,1% já está completamente imunizado contra a doença, de acordo com os dados publicados esta sexta-feira pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, sigla em inglês).
Estes números surgem após a task-force do plano de vacinação contra a Covid-19 reconhecer que a média de 100 mil vacinados por dia, que o vice-almirante Gouveia e Melo tinha a expectativa de ver cumprida em maio, não foi alcançada semana passada — fonte da task-force explicou ao Observador que tal se deveu “essencialmente ao menor ritmo de vacinação durante o feriado”.
Covid-19. Task force espera 70% da população com pelo menos uma dose de vacina a 8 de agosto
No entanto, é expectável que a média das 100 mil vacinas diárias seja novamente atingida já esta semana, de acordo com dados fornecidos. Na terça e na quarta-feira, essa meta foi superada — mas segunda-feira apenas 92 mil pessoas foram vacinadas.
Em termos europeus, Portugal é, assim, o 12º país da União Europeia (de 27) mais atrasado na administração da primeira dose da vacina e o 13º mais lento a vacinar com duas doses do imunizante. Malta e Hungria destacam-se face aos outros estados-membros e vão à frente na campanha de vacinação — mais de 60% da população destes países já tomou a primeira dose. Por outro lado, estados-membros como a Bulgária e a Roménia estão na cauda da Europa, estando bastante longe da média europeia.
Existem, assim, ritmos diferentes nas campanhas de vacinação entre os estados-membros e também diferenças na gestão. Se na Finlândia, por exemplo, 63,5% da população já foi vacinada com uma dose da vacina e 16,3% com duas tomas, na Alemanha a percentagem das pessoas completamente imunizadas é 31,5%, enquanto 57,9% dos alemães já tomou, pelo menos, uma dose do imunizante.
As taxas de vacinação dos 27 estados membros (+Reino Unido)
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Alemanha
Média 1ª dose: 57,9%
Média vacinação completa: 31,5%
Áustria
Média 1ª dose: 58,2%
Média vacinação completa: 30,3%
Bulgária
Média 1ª dose: 15,5%
Média vacinação completa: 12,9%
Chipre
Média 1ª dose: 60,5%
Média vacinação completa: 41,6%
Croácia
Média 1ª dose: 41,8%
Média vacinação completa: 22,6%
Dinamarca
Média 1ª dose: 56,9%
Média vacinação completa: 31,7%
Eslováquia
Média 1ª dose: 42,3%
Média vacinação completa: 27,7%
Eslovénia
Média 1ª dose: 44,39%
Média vacinação completa: 31,7%
Espanha
Média 1ª dose: 54,9%
Média vacinação completa: 32,2%
Estónia
Média 1ª dose: 49,3%
Média vacinação completa: 32,1%
Finlândia
Média 1ª dose: 63,5%
Média vacinação completa: 16,3%
França
Média 1ª dose: 54,4%
Média vacinação completa: 25,0%
Grécia
Média 1ª dose: 48,8%
Média vacinação completa: 33,6%
Hungria
Média 1ª dose: 66,2%
Média vacinação completa: 53,0%
Irlanda:
Média 1ª dose: 60,0%
Média vacinação completa: 29,0%
Itália
Média 1ª dose: 57,8%
Média vacinação completa: 27,7%
Letónia
Média 1ª dose: 31,2%
Média vacinação completa: 21,1%
Lituânia
Média 1ª dose: 50,2%
Média vacinação completa: 35,2%
Luxemburgo
Média 1ª dose: 50,2%
Média vacinação completa: 39,5%
Malta
Média 1ª dose: 54,9%
Média vacinação completa: 59,3%
Países Baixos
Média 1ª dose: 61,2%
Média vacinação completa: 33,8%
Polónia
Média 1ª dose: 51,6%
Média vacinação completa: 34,8%
República Checa
Média 1ª dose: 53,3%
Média vacinação completa: 26,6%
Roménia
Média 1ª dose: 29,1%
Média vacinação completa: 26,7%
Suécia
Média 1ª dose: 51,4%
Média vacinação completa: 26,7%
–
Reino Unido
Média 1ª dose: 79,8%
Média vacinação completa: 57,8%
ECDC; Ministro da saúde britânico
Os dados também variam consoante as faixas etárias. Se há países como Espanha ou Portugal que apresentam uma taxa de vacinação praticamente completa naqueles que têm mais de 80 anos (e há poucos jovens vacinados), há outros, como a Polónia e a Eslováquia, que alargaram a inoculação a outras idades e a diferença etária não é tão expressiva.
O que motiva o atraso português e as diferença entre os estados-membros?
O ritmo desigual das campanhas da vacinação nos 27 estados membros pode ser justificado por vários motivos. Em Portugal, fonte da task force admite que certas encomendas de vacinas não chegam com as quantidades estipuladas. Mas há outro fator que pode ajudar a explicar o atraso português (e de outros países), de acordo com Henrique Burnay, consultor de assuntos europeus: a preferência pela vacina da AstraZeneca, empresa farmacêutica que até foi colocada em tribunal por Bruxelas pelos sucessivos atrasos das entregas de milhões de doses do imunizante.
Portugal, inicialmente, optou por encomendar mais vacinas da AstraZeneca por ser uma vacina mais “barata, mais fácil de transportar e armazenar”. Contudo, com os atrasos das entregas, o país ficou “pendurado com a sua campanha de vacinação”, descreve Henrique Burnay, que também considera que Portugal “arrancou mal” com a campanha de inoculação: “Falhámos ao princípio, pensávamos que ia ser algo idêntico ao Programa Nacional de Vacinação”.
Neste processo de compra de vacinas, a Comissão Europeia serve como uma “central de compras” entre as empresas e os estados-membros. A instituição é responsável por fazer os contratos com as farmacêuticas; depois, cabe aos países escolher que imunizante é que “querem comprar em função do custo, do armazenamento e do transporte”. “Quando a Comissão Europeia distribuía as vacinas, tinha apenas em consideração a população de cada um. O resto são os estados-membros a decidir”, explica o consultor.
Portugal não foi o único afetado por esta situação — a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Eslováquia e a Croácia, países com as taxas de vacinação abaixo da média na UE, também foram. Em abril, a presidência portuguesa da UE chegou mesmo a acordo para uma distribuição solidária de 10 milhões de doses da vacina da Pfizer, de modo a poderem ser colmatadas falhas nas campanhas de inoculação daqueles estados-membros.
Em sentido inverso destes países esteve, por exemplo, a Alemanha, que, de acordo com Henrique Burnay, preferiu adquirir vacina da Pfizer. Mas, apesar de Berlim estar acima da média europeia, está longe dos lugares cimeiros, sendo que as diferenças entre os 27 estados-membros também se explicam à luz de outros fatores. Segundo Tiago Correia, professor e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, há mais quatro motivos que ajudam a compreender as diferenças entre os 27 estados-membros da UE.
- Há países que unilateralmente adquiriram vacinas fora do espaço europeu, como é o caso da Hungria, que adquiriu os imunizantes chinês e russo.
- “Atrasos na administração das vacinas” em cada estado-membro, ou seja, pode haver problemas “na logística, na distribuição e na marcação da vacina”, o que pode causar entraves na campanha de vacinação.
- “Recusa da população” em tomar a vacina e uma mensagem pouco clara das instituições de saúde dos estados-membros.
- As restrições de administração que cada estado-membro colocou às diferentes vacinas. Em Portugal, por exemplo, a Direção-Geral da Saúde recomenda que o imunizante da AstraZeneca (uma das apostas do país) seja apenas administrado em maiores de 60 anos, enquanto a toma da vacina da Johnson & Johnson é desaconselhada a todas as mulheres com menos de 50 anos.
Malta e Hungria são os campeões europeus da vacinação
Malta é o país que está mais à frente na vacinação na União Europeia (UE) e deverá atingir os 70% entre o final desta semana e o início da próxima. Com 69,6% da população vacinada com a primeira dose e com 59,3% dos cidadãos completamente imunizados, o arquipélago com aproximadamente 500 mil habitantes está muito à frente dos outros estados-membros — e, na próxima segunda-feira, o país já vai começar a imunizar adolescentes entre os 12 e os 15 anos.
E os números refletem já os efeitos da vacinação. De acordo com a imprensa local, Malta registou três casos de Covid-19 esta sexta-feira, totaliza 32 casos ativos e não reportou qualquer morte.
Para o sucesso maltês, contribui o facto de ser um “país pequeno”, assinala Henrique Burnay. “Em Malta, se eu vacinar 3 pessoas, estou a vacinar uma maior percentagem da população do que em outros países mais populosos”, explica. Além disso, também ajuda que o serviço nacional de saúde seja descentralizado e bastante eficaz — de acordo com Chris Fearne, ministro da Saúde de Malta, em declarações à Reuters, “as vacinas estão a ser administradas num intervalo de um a cinco segundos” em vários pontos do país, que apenas usa as vacinas aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês).
Por seu lado, a Hungria, que conta com 66,2% da população vacinada com a primeira dose e 53,0% dos cidadãos completamente imunizados, escolheu uma abordagem diferente para fazer face à escassez inicial de vacinas — decidiu utilizar imunizantes ainda não aprovados pela EMA, como a vacina russa ou a chinesa.
Numa iniciativa destinada a comprovar a segurança destas vacinas, a maioria dos membros (oito) do governo húngaro chegou mesmo a ser vacinado com o imunizante desenvolvido pela chinesa Sinopharm, enquanto quatro foram vacinados com a russa Sputnik. Apenas três tomaram a vacina da Pfizer. A informação foi divulgada pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, na sua conta do Facebook.
https://www.facebook.com/orbanviktor/posts/10159270967141093
Em entrevista à televisão estatal da Letónia, o ministro da Saúde húngaro, Péter Szijjártó, afirmou que o procedimento de Bruxelas no que diz respeito à compra de vacinas “é muito mais lento do que deveria ser”. “Isto é um assunto de vidas humanas. Se mais de 100 pessoas morrem todos os dias, a economia húngara perde 30 milhões de euros todos os dias, então algo deve ser feito”, defendeu, acrescentando que os especialistas de saúde pública húngaros “visitaram a Rússia e a China, receberam os documentos necessários, levaram a cabo algumas inspeções e, baseado nestes processos, o governo decidiu que os imunizantes eram seguros”.
Os casos de Covid-19 no país também têm diminuído. Esta sexta-feira, a Hungria registou 106 infeções, que estão a descer desde meados de abril. Os óbitos também acompanham esta tendência de descida — houve apenas duas mortes nas últimas 24 horas.
A cauda da Europa da vacinação: Bulgária e Roménia
A Bulgária e a Roménia são dos mais atrasados na campanha de vacinação. Apenas 12,9% da população búlgara está completamente imunizada e a fraca adesão no país às vacinas levou mesmo a comissária europeia para a Saúde, Stella Kyriakides, a fazer uma visita oficial esta quarta-feira à capital do país, Sófia.
“50% dos adultos europeus receberam a primeira dose da vacina. Esse número na Bulgária é perto de 15%”, destacou a comissária europeia à saída de uma reunião com o ministro da Saúde búlgaro, de acordo com a imprensa local. Aproveitou ainda para apelar à vacinação: “A maneira para sair desta pandemia é vacinar, vacinar, vacinar. Esta é a mensagem que que quero passar”.
Good meeting this morning with ???????? Health Minister Mr. Stoycho Katsarov.
???????? will continue to support Bulgaria in accelerating vaccinations so that as many citizens as possible can swiftly access them. pic.twitter.com/mnEnMl95uj
— Stella Kyriakides (@SKyriakidesEU) June 17, 2021
Boa reunião com o ministro da Saúde Stoycho Katsarova. A UE vai continuar a apoiar a Bulgária em acelerar a vacinação para que muitos cidadãos consigam aceder a ela”, escreveu Stella Kyriakides no Twitter.
Na origem destes números, está a escolha preferencial pela vacina da AstraZeneca e também, segundo o ministro de Saúde búlgaro, Stoycho Katsarova, a resistência de muitas pessoas em serem vacinadas. “Houve algo que devia ter sido feito no início do ano e que poderia evitar a desconfiança nas vacinas e a circulação de mitos e de informação falsa”, afirmou após a reunião com Stella Kyriakides.
São os mais velhos quem mais rejeita a vacina na Bulgária — segundo o ECDC, apenas 15,3% das pessoas com mais de 80 anos foram vacinados contra a Covid-19. “Os búlgaros são muito conservadores, principalmente os mais velhos. Para a maioria, é difícil entender o valor da vacina”, assinalou à Euronews Tihomir Bezlov, analista do Centro de Estudos Democratas de Sófia, que também justifica os números de vacinação com a “falta de uma mensagem política sólida para contornar este efeito”.
Para incentivar a vacinação, o governo búlgaro paga inclusivamente cinco euros a cada médico por cada duas vacinas que consiga administrar. No entanto, ainda há profissionais de saúde céticos sobre os efeitos da vacinação, como Vlahova, que admite ao órgão europeu que “não consegue garantir que ninguém piore ou desenvolva uma nova doença depois da vacinação”. “Enquanto profissional de saúde, tenho de proteger os meus pacientes”, frisou.
Também a Roménia apresenta uma taxa de vacinação mais baixa do que os seus parceiros europeus, apesar de, inicialmente, ter havido uma grande receção à campanha de inoculação. “Parecia que havia muita gente a querer ser vacinada. No entanto, a um determinado ponto — mais ou menos a meio de abril –, tudo mudou”, indicou Sorin Ionita, analista política, à Euronews.
Um processo de marcação da vacina que obriga a ter acesso à Internet levou a que muitos idosos não se conseguissem inscrever para levar o imunizante. “O problema é que a Roménia tem a maior percentagem de pessoas a viverem em áreas rurais na UE, principalmente os mais velhos”, refere Catalin Augustin Stoica, professora e socióloga da Universidade de Estudos Políticos e Administração Pública ao órgão europeu.
“Áreas rurais e pequenas cidades têm um problema de infraestruturas. Não há acesso à água canalizada, a serviços médicos, à internet”, diz a especialista, que caracteriza como “estranho” que tenha havido uma solução tão tecnológica para uma “população tão velha”.
A juntar a estas dificuldades está, tal como na Bulgária, o facto de muitos rejeitarem a vacina, principalmente após os efeitos secundários detetados com o imunizante da AstraZeneca: “O sinal de segurança da AstraZeneca teve um grande impacto na campanha de vacinação e reduziu consideravelmente a confiança da população”, considera Catalin Augustin Stoica.
A socióloga refere que existem “teorias de conspiração sobre a Covid-19 e a vacinação” que se espalham nas redes sociais e que também acabaram por chegar aos meios de comunicação. “Existe uma certa permeabilidade da população às fake news e à desinformação. É assustador pensar que mais de metade dos romenos acredita que o vírus foi criado num laboratório”, conclui.