António Costa costuma jurar que não vai intrometer-se na sua sucessão na liderança do PS. Aos mais próximos vai dizendo que o que quer é deixar a geração seguinte preparada e, no último congresso, até chamou alguns desses nomes para a direção e intitulou a sua moção de “Geração 20/30”. Mas este congresso do partido já não vai por aí, o que leva a tal nova colheita socialista a travar os planos — instalou-se a perceção (refletida na moção estratégica do próprio) de que o líder socialista quer continuar para lá de 2023 e isso congelou calendários. Pelo caminho, Costa ainda vai colando mais um nome à lista de possibilidades futuras, o do seu braço direito em quase seis anos de governação, Mariana Vieira da Silva.
Os sinais estão aí, de resto. A resposta da ministra da Presidência na entrevista ao Observador foi notada entre os dirigentes do PS. “É diferente do que alguma vez disse”, comenta um dirigente. Mariana Vieira da Silva é recorrentemente desafiada por António Costa para avançar para a frente dos holofotes, em vez de se manter apenas na retaguarda, nos bastidores da sua governação onde o primeiro-ministro já assume sem grandes reservas que a vê como “verdadeira número dois do Governo“.
A preponderância de Mariana Vieira da Silva nos bastidores do Governo é, aliás, um dos motivos pelos quais António Costa não a coloca à frente de uma área mais setorial: o primeiro-ministro entende que “não pode prescindir dela na coordenação política”, explica fonte próxima.
“Se o lugar de primeiro-ministro fosse fruto de nomeação e não de eleições, seria quem Costa indicava”, confidencia um dirigente socialista ao Observador. Seria esse o sonho do secretário-geral do PS, vão corroborando há muito outros dirigentes do partido. Mas esse poder Costa não tem.
Por isso, a António Costa resta ir posicionando quem considera ter potencial para se afirmar no futuro, fazendo contas a quantos deixa preparados, já que, por geração, no PS foram sempre aparecendo entre três e quatro candidatos a líderes: Vítor Constâncio/Jorge Sampaio/António Guterres/Eduardo Ferro Rodrigues; José Sócrates/António José Seguro/António Costa. A seguir abre-se outro ciclo no PS. Quando? Isso são cenas para outro capítulo (ver abaixo).
Entretanto, a quarta via para o futuro socialista, Mariana Vieira da Silva, já apareceu em público sem se desviar desse caminho. Na entrevista que deu ao Observador, à pergunta sobre se admite poder vir a ser líder do PS no futuro, a dirigente socialista começou por dizer que era demasiado cedo e, sem nunca responder que não, ainda admitiu que “a vida acontece muitas vezes por caminhos inesperados”.
Aliás, desta vez até lembrou a primeira entrevista que deu, durante a campanha de 2015 ao jornal i, e a forma categórica como respondeu à ambição de chegar ao Governo para mostrar que aprendeu a lição e que já não repete respostas definitivas. António Costa não torce o nariz à hipótese e considera-a melhor preparada para o cargo. Mas isto não basta.
E não basta porque para se chegar ao topo do Governo é preciso chegar ao topo do partido e para se chegar ao topo do partido é preciso mais do que domínio técnico dos dossiers. Por isso, a inclusão, ainda que teórica, de Mariana Vieira da Silva na lista de possíveis sucessores de Costa no PS é encarada com estranheza por parte de alguns dirigentes do partido com quem o Observador falou. Não lhe reconhecem atividade partidária consistente, perfil, nem tropas que possam apoiá-la numa futura corrida. “São tiros de pólvora seca”, comenta um dirigente com o Observador quando confrontado com a resposta da ministra.
A curta existência partidária é um dos principais problema deste nome que, técnica e politicamente até pode ser central para Costa na governação. Mas a preponderância nos bastidores não é cartão de visita suficiente para se apontar à primeira linha política. “Falta-lhe carisma”, atira um dirigente socialista. Algo que Pedro Nuno Santos tem de sobra, anota a seguir a mesma fonte.
A geração seguinte terá de esperar sentada
O ministro das Infraestruturas é o outro nome na calha e já lá está há muito tempo. No congresso da Batalha, em 2018, Pedro Nuno foi apostado em fazer barulho, posicionando-se claramente para uma futura liderança no pós-costismo. Começou a aquecer com artigos de opinião na imprensa, a sublinhar a importância de o PS se manter encostado à esquerda — era, em plena “geringonça”, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentores.
Na reunião magna do partido, discursou com ímpeto e assumiu o protagonismo do palco. Acabou a sair com um aviso de António Costa e um puxão de orelhas em público: “Ainda não meti os papéis para a reforma”, recordou o líder socialista. O ciclo de Costa ainda ia a meio (ou nem isso).
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Pedro Nuno Santos tomou boa nota do recado, as relações com Costa esfriaram mas acabou promovido no Governo no início do ano seguinte, passando para ministro das Infraestruturas e da Habitação. Desde então tem carregado várias batatas quentes da governação, a mais quente de todas, o caso da reestruturação da TAP.
“Ser Governo também é uma coisa muito pedagógica”, ironiza um socialista quando se refere a esta fase de Pedro Nuno. “Não basta dizer que vamos nacionalizar a TAP e que a TAP é do nosso povo. Depois há a parte chata de ter de reestruturar a companhia”, acrescenta para argumentar que este Ministério está a permitir que o Pedro Nuno exponha “qualidades”.
Não foi só o aviso de Costa ou o peso da governação que fizeram com que Pedro Nuno escolhesse ficar afastado dos holofotes do próximo congresso socialista, a 10 e 11 de julho. Não é tempo para isso. Em 2018, Pedro Nuno Santos procurou afirmação; agora, já todos conhecem a sua vontade de liderar o partido. O calendário é que não parece ajudar: António Costa não mostra qualquer sinal de querer sair do caminho e prepara-se para renovar a liderança do partido, onde tem como único concorrente Daniel Adrião.
Quando o congresso chegar, a 10 e 11 de julho, Pedro Nuno Santos ficará em silêncio, como já noticiou o jornal Público, sem apresentar qualquer moção setorial sequer. Só falará no púlpito socialista caso António Costa lhe peça para o fazer e apenas na qualidade de ministro — e a sua área é de peso, com o próprio primeiro-ministro a apontar a necessidade de “exigência” em quem comanda a pasta numa altura em que serão muitas as obras no país, à força da “bazuca”, “vitamina” ou “trampolim” dos 14 mil milhões de euros que vêm da Europa.
O receio de Pedro Nuno Santos, no entanto, é que tudo o que diga seja lido à luz da perspetiva que ele mesmo criou no congresso de há três anos: que o que ele quer mesmo é ser líder do PS. O ministro não quer ser o caso do próximo Congresso, mas falando ou não falando, a sua ausência ou o conteúdo serão sempre notícia.
Seja como for, aparentemente terá de esperar. Os sinais que António Costa vai dando são de que o seu tempo ainda não chegou ao fim e tudo indica tenha vontade de continuar. “Essa é a grande questão deste congresso“, comenta com o Observador um membro da direção. António Costa quer ou não continuar para lá de 2023, ano em que termina o mandato do atual Governo?
Antes da pandemia, o socialista dizia a quem o quisesse ouvir que esse ano era o limite. Mas a pandemia fê-lo pôr os seus planos em perspetiva e na moção que leva ao congresso — coordenada, precisamente, por Mariana Vieira da Silva — posiciona-se como líder que quer gerir a crise até ao fim e até colocar em curso dossiers sensíveis, como o da regionalização. E isso está a mexer com o PS.
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O puxão de orelhas direto a outra “filha” do costismo
É por causa desta aparente imobilidade (ou indefinição) de Costa que muitos foram os socialistas que consideraram ainda mais “inusitada” a reação da líder parlamentar Ana Catarina Mendes à guerra que Pedro Nuno Santos travou com o responsável da Ryanair. A líder parlamentar do PS é também ela uma possibilidade para o pós-costismo e a sua vontade de marcar esse terreno ganhou especial visibilidade no último ano. A crítica que atirou ao ministro das Infraestruturas — recomendou “sensatez”, “recato” e “bom senso” a Pedro Nuno Santos — é vista como um passo nessa corrida.
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Mas o Observador sabe que jogada de Ana Catarina foi muito mal recebida no partido e mereceu mesmo reparo direto e pronto do primeiro-ministro António Costa e do presidente do partido Carlos César. O primeiro-ministro ficou preocupado que aquela tirada fosse interpretada por Pedro Nuno como um recado vindo dele e desvinculou-se das palavras da sua líder parlamentar.
O episódio expõe a rivalidade latente. Pedro Nuno Santos reagiu a dois tempos: primeiro, disse que seria “incapaz” de criticar “camaradas” em público; depois, veio publicamente garantir que os dois até são amigos. Quem conhece ambos, sabe que não é verdade: não há qualquer proximidade entre os dois, muito menos proximidade política.
Indiferente a isso, Ana Catarina Mendes veio para se posicionar nesta luta futura e no PS não são poucos os que lhe reconhecem “maior capacidade agregadora” do que Pedro Nuno Santos, visto como “mais polarizador“. Se um dia se vierem a enfrentar, o atual ministro, que há muito que vem distribuindo as suas tropas pelo aparelho socialista, pode até ter uma surpresa — ou, pelo menos, uma tarefa mais difícil do que aquela que antecipa.
Ao Observador, um dirigente do partido faz as contas e garante que Ana Catarina Mendes pode conseguir uma votação “mais equilibrada” face a Pedro Nuno “do que ele julga”, já que “ela agrega todos os que não gostam dele”. Outro socialista acrescenta outro dado relevante: as recentes intervenções públicas e a forma como tem demonstrado tanta vontade de chegar a líder tem-se traduzido num projeto muito pessoal de poder. “Tem estado a isolar-se”, atenta a mesma fonte.
Já Ana Catarina Mendes tem um problema, notado do PS: “Faz-lhe falta presença governativa”. Mas isso está nas mãos de António Costa que já deu esta oportunidade a todos os outros da tal geração 20/30 (onde se incluem Alexandra Leitão ou Ana Mendes Godinho que, no último congresso, entraram para a sua direção). Resta saber para que pasta e com que taxa de sucesso.
Medina, Belém e o pousio extenso do PS
Aos três nomes de liderança, soma-se ainda o de Fernando Medina. Mas uma candidatura sua não colidirá com uma de Mariana Vieira da Silva, com quem tem proximidade pessoal e política dentro do partido e nem mesmo com Ana Catarina Mendes, que tem a máquina do partido mais oleada a seu favor e está no mesmo campo político. Pedro Nuno Santos é o nome da ala esquerda do partido e seria sempre uma espécie de polo oposto ao de Medina.
Curiosamente (ou não), Pedro Nuno Santos, a par de Carlos César, fez questão de sair em defesa do atual presidente da Câmara de Lisboa depois de revelado o caso de envio de dados pessoais de três ativistas anti-Putin para as autoridades russas — e com termos muito simpáticos. Uma reação absolutamente constastante com a de Ana Catarina Mendes, que criticara o ministro publicamente.
Voltando a Medina, o presidente da Câmara de Lisboa tem afastado esta conversa e ainda na semana anterior, no seu comentário na TVI, Medina veio dizer que “essas interpretações são desprovidas de qualquer atualidade“. “O PS tem um líder que é secretário-geral, que vai submeter-se a votos e com probabilidade será reeleito. E espero que ele continue por muito tempo”, disse em relação a António Costa.
Medina estará, nesta fase, convencido que é essa a vontade do atual líder socialista, pelo que o seu tempo — a chegar — virá bem mais tarde, podendo até abrir-se outra porta pelo caminho: depois de Marcelo Rebelo de Sousa deixar Belém, em 2026, o PS quererá voltar ao Palácio que já não ocupa desde Jorge Sampaio.
O nome de Medina é uma possibilidade no bolso do estratega António Costa, embora o autarca se mostre sempre muito distante desta ambição política, junto de quem o desafia nesse sentido. Quando o tempo chegar, a conversa pode ser outra.
Já Costa, rejeita de forma taxativa, junto dos seus mais próximos, que a Presidência da República seja um lugar que ambiciona depois de deixar o Governo. O que não faz para cargos europeus, por exemplo. O PS prepara (e, acima de tudo, deseja) mais uma temporada de pousio.