“Há menos de 10 anos o Estado pagou para 30 mil professores deixarem a carreira”
António Costa apontou uma realidade concreta — é verdade que durante o período de intervenção da troika em Portugal (2011-2015) o sistema perdeu de facto cerca de 30 mil docentes — para partir para uma acusação: o Governo liderado por Pedro Passos Coelho “pagou” para se libertar desse número de efetivos, o que é manifestamente enganador.
É verdade que quando Nuno Crato assumiu as funções de ministro da Educação sempre defendeu a necessidade de reduzir o número de professores — uma inevitabilidade que resultava (em parte, mas não só) de uma enorme pressão da troika e do próprio contexto que o país atravessava.
“O que se está a passar é o resultado de várias coisas que são mais fortes do que nós. A primeira delas é a redução da população escolar, em cerca de 200 mil alunos nos últimos anos (cerca de 14%). É uma diminuição brutal. O que temos sempre dito é que os professores do quadro são necessários e que, além disso, há algumas necessidades mais. No futuro imediato vamos continuar a assistir a necessidades muito limitadas de contratação”, justificava então o ministro da Educação.
Ora, houve de facto um esforço do governo em funções de levar a cabo um programa de aposentações antecipadas, a inclusão dos professores sem horário em regimes de mobilidade, programas requalificação, restrições nas novas admissões e muitos outros docentes a deixarem a profissão.
Ou seja, é verdade que Crato entendia haver um excesso de professores para as necessidades então projetadas. No entanto, é enganador acusar o governo de Pedro Passos Coelho de “pagar” a 30 mil professores para deixarem as escolas; essa diminuição substantiva do universo de docentes resultou de uma conjugação de fatores que foi para lá do programa de aposentações antecipadas — houve gente que, dado o panorama, desistiu, por exemplo, de continuar na profissão.
ENGANADOR
“Em 2015 o único [partido] que tinha no programa eleitoral a necessidade de existir uma nova geração de políticas de habitação foi o que eu apresentei”
Em relação à Habitação, António Costa garantiu que não existem “soluções mágicas” e que desde que começou a governar se dedicou a tentar resolver o problema, admitindo que a “realidade tem avançado mais depressa do que o conjunto medidas”.
Admitiu a “frustração” em relação ao setor, mas garantiu que, em 2015, o PS foi o “único [partido] que tinha no programa eleitoral a necessidade de existir uma nova geração de políticas de habitação“, desafiando a que se fosse consultar os restantes programas das forças partidárias que foram a votos nas eleições legislativas desse ano.
No capítulo V do programa eleitoral dos socialistas em 2015, que pode consultar aqui, estava inscrito o objetivo de criar uma “nova geração de políticas de habitação”, expressão recuperada oito anos depois pelo primeiro-ministro. No programa, o PS assumiu os compromissos de “dar prioridade à reabilitação urbana”, “incentivar a oferta alargada de habitação acessível para arrendamento”, “prevenir as penhoras habitacionais” e “relançar a política de habitação social”.
Ora, a garantia de Costa não resiste quando confrontada com a consulta dos vários programas eleitorais com que os partidos se apresentaram a votos. No documento desenhado pela coligação PSD/CDS – “Portugal à frente” – existe um capítulo dedicado à habitação e reabilitação urbana, em que se propunha “dinamizar o mercado do arrendamento”, “implementar o modelo de proteção social assente em subsídio de renda”, “fomentar o mercado social de arrendamento e o acesso à habitação social” e “alargar significativamente o peso da reabilitação urbana no volume de negócios da construção civil”. Medidas estruturais e de grande amplitude, idênticas às apresentadas pelos socialistas.
Já o manifesto eleitoral do Bloco de Esquerda para as eleições legislativas de 2015 focava-se na lei das rendas e propunha especificamente a revogação da Lei do Arrendamento Urbano em vigor e da “suspensão imediata do regime de renda apoiada e a sua revisão de acordo com critérios de justiça social”. Medidas mais específicas, mas ainda assim presentes no programa. Os bloquistas propunham ainda a reforma do IMI, com uma “taxa específica e reduzida para habitação própria”.
Também o programa eleitoral do PCP, por exemplo, tinha um capítulo dedicado à habitação. Os comunistas defendiam uma política que invertesse “o desinvestimento progressivo”, que se traduzia na degradação do parque edificado, bem como “a alienação da gestão do parque habitacional do Estado”. Também rejeitava um regime de arrendamento que facilitasse o “aumento dos preços e a expulsão de inquilinos” e criticava a “ausência de instrumentos nacionais de gestão territorial que clarifiquem as condições e recursos disponíveis a mobilizar nos planos municipais de ordenamento do território”.
Tudo somado, António Costa até pode alegar que as propostas do PS seriam mais profundas e mais adequadas ao problema — o que estará sempre no plano da subjetividade. O que o primeiro-ministro não pode dizer é que os outros partidos não tinham propostas e programas pensados para a Habitação. Logo, a afirmação de Costa é errada.
ERRADO
António Costa: “Não é habitual haver fugas do Conselho de Estado”
Já no final da entrevista ao primeiro-ministro, foram abordadas as relações entre São Bento e Belém, que têm dado que falar nos últimos meses. Em concreto, o tão escrutinado silêncio de António Costa no último Conselho de Estado, que o chefe do Governo justificou com a realização do debate do Estado da Nação na Assembleia da República no dia anterior ao encontro dos conselheiros, onde teria dito tudo o que tinha para dizer à oposição.
Sobre o facto de a sua não intervenção ter a vindo a público, o primeiro-ministro garantiu que “não é habitual e foi muito inusitado ter havido fugas seletivas da reunião do Conselho de Estado”, lembrando que a lei tem mecanismo específicos para proteger o que se discute nestes encontros.
Não é verdade. Em março de 2023, o Observador noticiou que, aquando da ida da comissária Elisa Ferreira a uma reunião do Conselho de Estado, esta tinha revelado que Portugal estava em quinto lugar na execução do PRR a dois dias de Marcelo ir ao terreno, com Costa, avaliar como estava a correr essa aplicação. Segundo relataram conselheiros, Elisa Ferreira apresentou o Governo do PS como um campeão da execução fundos. Na altura, António Costa não se indignou com esta fuga de informação.
Antes disso, em outubro de 2022, sabia-se, através de membros do Conselho de Estado presentes na reunião, que o primeiro-ministro tinha admitido que o “grande objetivo” do Governo era ter “uma dívida pública abaixo de Espanha e da França” até 2024. Soube-se ainda que o conselheiro presidente do PS, Carlos César, defendeu António Costa, lembrando que o país estava a crescer acima da média europeia. Mais uma fuga de informação das reuniões com Marcelo Rebelo de Sousa que prova a regularidade das mesmas.
A 19 de março de 2021, o Observador avançava que o Governo iria contar com o PSD para fazer alterações à Lei da Defesa Nacional. Soube-se que no Conselho de Estado Rui Rio saiu em defesa de João Cravinho e houve — segundo contaram fontes presentes — um “consenso alargado” entre os conselheiros quanto ao apoio a estas alterações.
No final do mesmo ano, soube-se ainda que, noutra reunião do Conselho de Estado, António Costa tinha destacado como primeira prioridade da presidência portuguesa da União Europeia seriam a “recuperação económica” e “aprovar 40 regulamentos” essenciais para que a ‘bazuca’ europeia e outros fundos desbloqueados no último Conselho Europeu chegassem aos Estados-membros. António Costa não protestou em relação à fuga de informação.
Em 2020, saiu da reunião do Conselho de Estado de 29 de setembro a informação de que António Costa anunciou aos conselheiros que Portugal iria ser, durante a presidência da União Europeia, anfitrião de uma grande cimeira social, que deveria realizar-se em maio de 2021 no Porto. Mais uma vez, o primeiro-ministro não mostrou indignação em relação a esta iniciativa que chegava ao público em antecipação ao anúncio do Governo.
Ou seja, é manifestamente errado dizer — como António Costa sugeriu — que as fugas de informação das reuniões do Conselho de Estado são uma exceção à regra ou algo muito pouco habitual. Não tem sido assim ao longo dos anos.
ERRADO
“PSD não viabilizou decisão [Montijo] que tinha decidido no Governo de Passos Coelho”
Sobre o novo aeroporto, António Costa gabou-se de ser o “primeiro primeiro-ministro” a “aceitar humildemente” o que tinha sido decidido pelo Governo que ocupava o poder antes de si, referindo-se a Pedro Passos Coelho e à opção Montijo. Elogiou Luís Montenegro, atual líder do PSD, por não reabrir o debate e aceitar fixar em conjunto a metodologia para a decisão da localização para a infraestrutura.
Mas não perdeu a oportunidade para apontar o dedo ao antigo líder dos sociais-democratas: Rui Rio. “O que aconteceu foi que, quando houve dois municípios que decidiram que não concordavam com aquela solução e era necessário alterar a lei, o Dr. Rui Rio disse ‘eu não estou em condições de alterar a lei porque dentro do PSD há uma grande dúvida sobre qual deve ser a localização'”. Acusou ainda: “O PSD em vez de viabilizar a solução que queríamos implementar [Montijo] e que era a que o próprio partido decidiu, disse que tinha dúvidas.”
A alegação de Costa tem uma razão de ser. Tudo começou quando a Autoridade Nacional para a Aviação Civil (ANAC) indeferiu o pedido de avaliação do projeto para o Montijo, alegando a falta de parecer positivo de todas as câmaras afetadas pela construção do novo aeroporto — as autarquias da Moita e do Seixal votavam contra.
O Governo propunha então a alteração da lei que fazia depender a decisão da localização da aprovação das autarquias. Ora, Rui Rio recusou então viabilizar qualquer alteração legislativa sobre o aeroporto do Montijo para se “adaptar a uma circunstância” em concreto. Neste caso a de impedir que os vetos das autarquias travassem a obra. Rio apelava a que o Governo dialogasse com os municípios em causa.
Mais tarde o antigo líder do PSD mudou de ideias e já assumia que, se a lei se aplicasse a todos os projetos em “cima da mesa”, poderia ser alterada.”Se o Governo abrir a localização do aeroporto de Lisboa, precedida de uma avaliação ambiental estratégica, em que fique em aberto (a localização), no Montijo ou noutro sítio qualquer, nós estamos disponíveis para colaborar com o PS para eliminar a lei do PS e para que as câmaras municipais sejam ouvidas, mas não possam ter o direito de veto”, explicava em setembro de 2021. Acabaria por deixar a liderança do partido depois das legislativas desse ano.
Logo, António Costa tem razão ao afirmar duas coisas: seguiu a opção escolhida pelo governo de Pedro Passos Coelho; e, sim, Rui Rio mudou de posição ao longo do processo, deixando o executivo socialista isolado nessa matéria.