Cerca de quatro horas de reunião que entrou pela noite dentro no Largo do Rato, com os socialistas a refletirem sobre o resultado destas legislativas e a alinharem com a estratégia definida para o futuro. Pedro Nuno Santos saiu com a sua primeira decisão validada pela Comissão Política Nacional do partido — não estender a mão à AD. Houve avisos latentes, num estilo de marcação de terreno individual (Carneiro, Medina e Assis, com propósitos diferentes) para usar um dia. Mas mais tarde — já que Pedro Nuno avisou que está para ficar.
Francisco Assis era um dos socialistas cuja intervenção era aguardada com expectativa, sendo uma voz moderada no partido e mais aberta a pontes com a direita. Mas as suas palavras foram essencialmente em linha com a posição de Pedro Nuno Santos, até considerou “inadmissível a pressão sobre o PS” quando “quem tem de criar condições para governar é quem está no Governo”. No entanto, segundo o próprio contou ao Observador, também disse que “é diferente dizer ‘é praticamente impossível’ ou ‘é impossível’” viabilizar um Orçamento do Estado da direita. “O ‘praticamente impossível’ salvaguarda o PS“, entende o socialista numa tentativa de deixar esse escape para o futuro do partido.
Mas Assis considera correto o PS deixar claro que “é oposição ao Governo e isso significa que terá a propensão natural para votar contra o OE” e que “só em circunstâncias absolutamente excecionais” poderá alinhar na viabilização. “Seria absurdo que o PS estivesse disponível para corresponder a um apelo que não lhe foi feito”, disse mesmo aos socialistas lembrando que o “primeiro grande sinal” de alinhamento entre a AD e o Chega acontece quanto à composição da Mesa da Assembleia da República.
Desta mesma ala socialista, também Sérgio Sousa Pinto concordou com estratégia, defendendo na reunião que o partido não pode ser a muleta do PSD e que cabe à direita encontrar soluções governativas que funcionem.
Quem não falou na reunião mas à porta — o que deixou pedronunistas incomodados — foi José Luís Carneiro. O socialista que disputou a liderança com Pedro Nuno Santos disse logo à entrada que era “sensata e cooperante” a posição de Pedro Nuno Santos em relação ao PSD e à viabilização de um retificativo limitado. Mas também avisou que “não é oportuno” dizer já o que se fará sobre futuros Orçamentos.
O líder do PS disse que é “muito difícil, para não dizer impossível” o partido viabilizar orçamentos, mas quando confrontado com essa posição já declarada do partido, José Luís Carneiro considerou, por seu lado, que “ainda é cedo” para determinar o que fazer nessa altura. Bem mais recuado do que o líder tem defendido publicamente — e que validou nesta reunião — e que passa por ditar que à partida o PSD não pode contar com o PS para governar.
“A questão do Orçamento ainda vem longe, mas o mais fundamental nesta fase é saber o que somos capazes de transmitir à sociedade portuguesa e para responder às expectativas, ansiedades e preocupações da pessoas”, respondeu o socialista antes de entrar para a reunião. Lá dentro, na reunião da Comissão Política Nacional, esteve na primeira fila, mas não quis repetir o que dissera na rua, antes de entrar — e foi por isso que houve quem na sala tivesse entendido como uma indireta para Carneiro a tirada de Assis na reunião, quando disse que como agora faz parte da Comissão Política Nacional, não vai dar a sua opinião lá fora, mas primeiro dentro de portas.
Medina a guardar contas certas. Pedro Nuno vincula-o ao cenário
Fernando Medina também falou na rua e ainda que tenha jurado alinhamento com a posição de Pedro Nuno Santos, o ainda ministro das Finanças tem uma camisola a defender. No ministério deixa um excedente e Medina tem feito por aparecer como o guardião desse templo, foi por isso que quando saiu da reunião disse aos jornalistas que não é preciso retificativo para valorizar carreiras, o orçamento conta com folga suficiente. Desde que sejam apenas algumas carreiras a valorizar e a disponibilidade para uma negociação não acabe num leilão de novos compromissos com outras classes profissionais ou reivindicações a outros níveis.
Questionado sobre a existência de uma folga já este ano para responder à valorização das carreiras de professores e polícias, Medina disse que são “verbas perfeitamente acomodáveis dentro do Orçamento deste ano sem necessidade de retificativo” — recorde-se que a inexistência de retificativos nos seus anos de governação é outro dos pontos de honra para o PS, com Medina a sinalizar aqui que o que o PS propõe de acrescento não fura essa frente (até aqui) imaculada.
Mas deixa um aviso: “Mais do que implicar ou não um retificativo, o novo Governo deve apresentar uma solução sustentável do ponto de vista das contas públicas”. E repetiu: “O que é absolutamente essencial é assegurar que as soluções colocadas em cima da mesa pelo futuro Governo sejam absolutamente compatíveis com a trajetória das contas públicas e não as ponham em causa”. O aviso fica para fora (para a AD), mas também para dentro (para o partido de que faz parte).
E na intervenção final Pedro Nuno Santos, segundo apurou o Observador, havia de dar resposta a isto — com Medina já fora da sala — ao dizer que o que apresentou em Belém é compatível com o cenário macroeconómico do seu programa eleitoral, que os custos estavam identificados e que só avançou agora com aquilo em que existia coincidência com o programa da AD. Uma jura de fidelidade à linha das contas certas que o PS espetou como bandeira nestes seus oito anos de governação. E ao mesmo tempo uma vinculação de Medina com o que está em cima da mesa, já que foi o mesmo Medina que desenhou o cenário marcoeconómico que Pedro Nuno referiu.
O Bispo Santos Silva
Uma das primeiras intervenções da noite socialista foi do mais recente derrotado do partido, Augusto Santos Silva que não conseguiu ser eleito deputado pelo círculo Fora da Europa. O Chega ficou à frente do PS, elegendo um deputado e deixado o ainda presidente da Assembleia da República à porta do Parlamento. O socialista fez saber na reunião que o desaire não significa que meta os papeis para a reforma política.
Usou até uma referência eclesiástica para ilustrar a sua posição, dizendo que segue a regra dos bispos, que só apresentam a renúncia quando atingem os 75 anos de idade. Santos Silva tem 67, por isso tenciona ir marcando posição pública com artigos de opinião e intervenções. É há anos uma figura do partido distante da linha do agora líder Pedro Nuno Santos, com quem chegou a desalinhar publicamente sobre algumas das estratégias do partido, até quando ambos estavam no mesmo Governo — aconteceu, por exemplo, na preparação do congresso do partido na Batalha, em 2018.
Já Pedro Nuno Santos, na intervenção de fecho aconselhou os socialistas a não entrarem em cálculos sobre a durabilidade do Governo atual, tendo em conta o dinamismo na atualidade política. O seu objetivo é manter o partido coeso nesses entretantos, permitindo-lhe avançar sem dúvidas caso a situação política se precipite. E prometeu que está para ficar, mesmo com outras eleições, como as Europeias já em junho, pelo caminho.