Na última vez que o Parlamento escolheu juízes para o Tribunal Constitucional, 2021, PS e PSD firmaram um acordo tácito que fazia parte desse pacote: o próximo presidente seria próximo dos socialistas. O presidente do Tribunal Constitucional é escolhido entre os pares, estando afastado do palco político, mas a tradição dita que o responsável máximo deste órgão de soberania rode entre direita e esquerda. E os socialistas mantém intacta a expectativa de, oito anos depois, terem um presidente próximo da sua ala.

João Caupers, atual presidente, está de saída do TC e os três juízes escolhidos para entrar agora (por cooptação) tomam posse dentro de duas semanas. Nessa altura, os juízes conselheiros escolherão o presidente, já que o mandato de Caupers termina agora, sendo um dos substituídos. Embora este seja um processo de cooptação que exclui a intervenção política, a rotação esquerda/direita tem funcionado sempre, respeitando um acordo de cavalheiros entre PS e PSD — que os socialistas chegaram a queixar-se de ter sido esquecido pelo PSD em 2021.

PS incomodado com escolha de Caupers e acusa PSD de furar “acordo de cavalheiros”

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Na altura, depois da saída de Costa Andrade (um nome que tinha sido indicado pelo PSD), os socialistas queriam que o presidente tivesse sido José João Abrantes, o juiz que o PS indicou em julho de 2020 e que continua no coletivo de juízes, com o seu mandato a terminar em 2029. No entanto, o PSD não deu indicações e o resultado da cooptação foi outro: João Caupers. Desta vez, os socialistas esperam que o acordo tácito seja cumprido e que o pressuposto da rotatividade se cumpra, de acordo com o apurou o Observador junto de fontes socialistas.

O equilíbrio da composição do Tribunal Constitucional é acautelado através das regras de nomeação, em que dos 13 juízes conselheiros que compõem o plenário, três são cooptados (os que agora entram) e dez indicados pela Assembleia da República. O tal equilíbrio resulta essencialmente desta segunda parte, em que os dois maiores partidos se entendem sobre os nomes a indicar, já que os escolhidos exigem uma aprovação de dois terços dos deputados (PS e PSD têm de entender-se obrigatoriamente).

Quanto à presidência deste órgão de soberania, vai rodando, num acerto de palavra em que ambos os partidos concordam que um juiz próximo de cada um cumpre metade do tempo do mandato completo dos juízes, ou seja, quatro anos e meio (ao todo faz os nove anos de mandato completo).

Em 2021, o Observador noticiou a existência de um acordo, confirmado pelas duas partes, A escolha de Caupers tinha feito um intervalo na tradição de rotação direita/esquerda, e os socialistas não queriam perder a sua vez, pelo que aproveitaram a escolha da última leva de juízes pelo Parlamento para firmar um entendimento com o PSD. Para os socialistas, esse acordo mantém-se inalterado.

PS e PSD têm acordo para manter presidente do TC à esquerda

Além daquele que os socialistas já desejaram, em 2021, que fosse o presidente, há mais nomes na atual composição do TC que foram escolhidos por indicação do PS: Assunção Raimundo, Joana Costa, António Ascensão Ramos, Maria Benedita Urbano e Maria Canotilho.

O novo elenco (após o impasse) que vai decidir a eutanásia

O Tribunal Constitucional colocou esta semana fim a quase um ano de impasse, depois de um conflito interno que começou em maio de 2022. Nessa altura, António Almeida Costa não recolheu votos suficientes para a cooptação depois de o Diário de Notícias ter recordado anteriores posições deste juiz como a recusa em legalizar o aborto ou o facto de se ter referido a experiências nazis como “investigações médicas”.

Seguiram-se mais de onze meses de impasse. A 2 de março, o próprio Presidente da República apontava para as “vicissitudes” e critica os “compassos de espera” a que se assistia na designação de juízes. Vinte dias depois, numa entrevista à RTP, era a vez do presidente do TC  queixar-se desse chumbo ter “adulterado” aquele que era até então o “ambiente das relações entre os juízes”. Para João Caupers durante 40 anos “nunca houve um problema destes”. Para a eleição de juízes é necessária uma maioria qualificada (7 de 10 votos), o que obriga a um grande consenso.

Na última quarta-feira de manhã, o impasse foi desfeito com a escolha de três juízes (cooptados pelos pares): Rui Guerra da Fonseca, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, João Carlos Loureiro, professor catedrátido da Universidade de Coimbra, e Carlos Luís Medeiros de Carvalho, atual juiz do Supremo Tribunal Administrativo. Os três nomes substituem três juízes que já tinham ultrapassado o limite máximo de nove anos de mandato (Pedro Machete, Lino Ribeiro e o presidente cessante, João Caupers), mas que aguardavam a resolução do impasse.

Os novos juízes vão ser nomeados pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 25 de Abril, às 15h00. Será já a nova composição que irá decidir temas quentes, como a lei que despenaliza a eutanásia e que foi anteriormente travada no Tribunal Constitucional. A nova composição será, segundo noiticia o Expresso, mais favorável a que, desta vez, o diploma passe pelo crivo dos juízes-conselheiros do Palácio Ratton.

[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]