Uma social-democrata, uma democrata-cristã e um liberal sentam-se à mesa e cai-lhes no colo a questão que se impõe a uma direita que está na oposição e que tem pela frente quatro anos de maioria absoluta do PS: a direita precisa de sair do divã?

A expressão não é de agora, pertence a Cecília Meireles, uma das oradoras convidadas para o primeiro evento de jovens da Iniciativa Liberal, e foi dita no MEL (Movimento Europa e Liberdade). Depois de vários anos como deputada na Assembleia da República, a democrata-cristã sublinha que a “prioridade está invertida” e que é preciso perceber se os partidos de direita querem “construir uma alternativa ao socialismo” ou se querem “discutir as diferenças” para o socialismo.

“O espaço não-socialista está excessivamente focado nas diferenças”, alerta, sublinhando que “a direita é um espaço que tem quase pudor de se classificar” e que é preciso não prescindir de “oferecer soluções para todos os problemas”, para que os cidadãos olhem para os partidos à direita como uma alternativa.

Ao contrário de temas como o ambiente, que Cecília Meireles admite que o espaço não-socialista “oferece de bandeja à esquerda”, a ex-deputada do CDS dá o exemplo de propostas para a juventude que, enaltece, fica “totalmente de fora dos discursos no espaço mais à esquerda e socialista”.

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Num olhar para dentro, tanto Cecília Meireles, do CDS, como Margarida Balseiro Lopes, do PSD, alinham na ideia de que os partidos não são mundos fechados. “Não concordamos com todas as decisões que um partido toma”, nota a vice-presidente social-democrata, enquanto sublinha que por muito que se faça parte do um partido é importante perceber “até onde se está disponível a transigir” por existirem posicionamentos em cada partido com que “não nos identificamos”.

Rui Rocha aproveitou o momento para garantir que a Iniciativa Liberal não é woke, críticas que o partido tem recebido, até internamente — Nuno Simões Melo revelou que será protagonista de uma lista ao Conselho Nacional e acusou o partido de ser woke. “Não me revejo nem no wokismo nem no anti-wokismo, assegura o deputado liberal, que se revê no “equilíbrio” entre a liberdade económica e as “liberdades social e política”.

Semelhanças à parte entre os partidos com assento no painel, Margarida Balseiro Lopes ainda regressa ao tema da igualdade, trazendo para a mesa uma “diferença [do PSD] em relação à IL” (e deixando um “ou não”): “A ideia de que, mesmo garantindo igualdade de oportunidades, no percurso há quem não vá ter a capacidade de muitas das vezes garantir o mínimo para a sua subsistência, o Estado deve proteger e amparar estas pessoas.” Isto embora faça a ressalva de que não deve existir uma “visão paternalista” que “conduza a um processo em que a nossa individualidade não está totalmente assegurada”.

Por outro lado, Rui Rocha voltou a trazer à conversa um tema já abordado por João Cotrim Figueiredo durante o discurso de abertura do evento: o populismo. Quando o tema era a corrupção, o deputado liberal distanciou o partido que representa de quem, diz, não tem soluções para o país.

“O que um populista dirá sobre a corrupção é que é uma vergonha, que o partido político iria pedir desculpa e dizer que é uma vergonha duas vezes. E depois vai falar sobre o aumento de penas”, reitera, referindo que “alguém interessado em resolver os problemas do país tem de ter uma proposta”, o que, afirma, é “obviamente é menos vocal e menos fácil” do que “gritar”.

Ainda sobre o Chega — e em resposta a uma pergunta que surgiu da plateia — Margarida Balseiro Lopes faz questão de sublinhar que “o PSD tem um programa e um conjunto de valores que não são novos e que não [vai] capitular em nenhum desses princípios”.

Porém, sobre o pedido do PSD para que o vice-presidente do Chega para a Assembleia da República fosse eleito (o que acabou por não acontecer), a vice-presidente do PSD deixa claro que a opção “nada tem a ver com o Chega”. E justifica: “Tem a ver com o regime e normal funcionamento das instituições. A AR tem quatro vice-presidentes das quatro maiores forças políticas, não tem a ver se é o A, B ou C, tem a ver com regras… No limite o PS elege os quatro.” Assim, explica que “os quatro lugares devem estar ocupados” e que não se trata da “defesa de um partido”, mas sim de “defesa da democracia”.

Ideologias à parte, os temas da atualidade e o tiro ao Governo marcaram o painel, desde logo com a questão do pacote de medidas de apoio à inflação apresentado por António Costa, que foi um alvo a abater. Margarida Balseiro Lopes começa por realçar que aquilo que foi “anunciado como uma medida extraordinária de apoio não é apoio nenhum”.

A vice-presidente do PSD considera que a oposição tem “obrigação de explicar” o que aconteceu, por acreditar “o PS tentou passar um atestado de estupidez como se não fossemos perceber qual era o truque”. Rui Rocha corrobora: é um “truque” e viu-se António Costa a “dar com uma mão” quando já “tinha a tesoura na outra”.

A ideia de que o sistema de Segurança Social é unânime, mas Cecília Meireles nota que “não é possível assegurarmos um sistema em que as pessoas recebem pensão quase tantos anos como aqueles que contribuíram”. “Não se pode defraudar as expectativas de quem está a receber, mas há um problema de sustentabilidade, não só com as pensões a pagamento, porque temos cada vez mais pensionistas e cada vez menos população ativa. Mas o dinheiro não estica.”

“É muito preocupante que um líder como António Costa, além da questão das pensões, também procure enganar as pessoas no que diz respeito a crescimento real e nominal. Quando temos alguém disponível para fazer este tipo de malabarismos relativamente a aumentos é preocupante”, acrescentou o deputado liberal.

Com o tema António Costa arrumado, os olhos apontaram para o Presidente da República, mas não sem uma farpa ainda sobre pensões, com Rui Rocha a fazer notar que “não é desejável que [Marcelo Rebelo de Sousa] tenha uma intervenção permanente, mas há algumas linhas vermelhas que deviam ser colocadas”. O deputado deixou de parte as “trapalhadas da governação”, mas realçou que o chefe de Estado deve intervir quando “um Governo a tentar enganar pensionistas”. Uma ideia que já tinha defendido na última sexta-feira no programa Vichyssoise da Rádio Observador.