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Desde que o surto da Covid-19 chegou a Portugal que, todas as semanas, a Direção-Geral da Saúde (DGS) divulga normas e circulares para orientar a ação dos vários setores e profissionais — das farmácias aos lares, hospitais, estabelecimentos comerciais, prisões, entre outros. Mas tudo o que a DGS recomenda pode e está a ser feito?
“Há um gap que nos preocupa. As orientações da DGS são muito bem estruturadas, mas depois não batem certo com a realidade“, diz ao Observador João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso (ALI), referindo-se à falta de material, que, teoricamente, deve ser usado, e dos testes prometidos pelo Governo aos utentes e funcionários dos lares, mas que tardam em chegar. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, concorda: “Existe um distanciamento entre a norma e a capacidade das instituições”, defende, acrescentando que as orientações da entidade liderada por Graça Freitas “muitas vezes vão à frente da capacidade das instituições, e são difíceis de cumprir”.
Os argumentos do parecer que recomendou à DGS o uso de máscaras para todos
Nas circulares podem ler-se recomendações como o uso de máscaras para os profissionais que contactam com o público — mas, e quando não as há? Comprá-las pode ser uma dor de cabeça — no mercado interno há poucas e, lá fora, além da concorrência dos grandes países que oferecem mais dinheiro por uma encomenda, os fornecedores “só aceitam encomendas exorbitantes”, que as farmácias não conseguem suportar, diz Nuno Flora, da Associação Nacional de Farmácias. Por isso, “há estabelecimentos que já tiveram de recorrer a outras farmácias, que tinham stock, para conseguirem ter material para os seus profissionais”.
Já na Covilhã, um estabelecimento prisional chegou a dizer aos trabalhadores que uma máscara reutilizável tinha de dar para 50 utilizações — devendo ser lavada com lixívia a cada cinco dias. Mas, perante o descontentamento dos trabalhadores, acabou por recuar. E a alguns profissionais do Grupo Luz Saúde foi pedido que deixassem, temporariamente, de acumular funções no privado para que se dedicassem exclusivamente ao SNS — o que colocaria “em perigo” o funcionamento dos hospitais privados, segundo uma mensagem da CEO do grupo, Isabel Vaz.
Depois há os testes (ou a falta deles). Uma orientação da DGS estipula que os novos utentes dos lares devem ser testados e isolados durante 14 dias — e, enquanto não chegam os testes, o que fazem os lares com menor capacidade logística?
Lares: ministra “precipitou-se a prometer material e testes porque não tem como”
O que dizem as orientações da DGS: “O novo residente/utente deve ficar em isolamento até à realização” do teste e os profissionais dos lares devem usar equipamentos de proteção
Problema: Nem todos os lares têm capacidade logística para isolar utentes, os testes estão a “demorar dias a chegar” e falta material de proteção
Ainda em março, a DGS publicou novas recomendações de procedimentos a aplicar nos lares de idosos. Além da já anunciada proibição nas visitas, os utentes que tenham sintomas devem ficar separados dos restantes. E os novos residentes devem ser sujeitos a um teste para avaliar se estão ou não infetados. Mas João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso (ALI), tem dúvidas sobre a aplicabilidade desta norma. “Se o utente vier de casa, pode ter dificuldades em que o delegado de saúde espolete a realização do teste”, afirma. Isto porque, mesmo quando há casos suspeitos, os testes podem “demorar dias a chegar“.
A norma da DGS prevê que nas situações em que o teste laboratorial não possa ser realizado antes da admissão na instituição, “o novo residente/utente deve ficar em isolamento até à realização do mesmo, sendo o seu encaminhamento realizado em função da evolução clínica e do resultado do teste laboratorial”. Além disso, deve cumprir um período de isolamento de 14 dias. Mesmo os que saiam da instituição (por menos de 24 horas) para, por exemplo, realizarem exames de saúde nos hospitais, têm de cumprir esse período de isolamento. Se estiverem fora durante mais de 24 horas, deve ser o hospital a assegurar o teste.
Porém, diz Ferreira de Almeida, nem todos os lares têm capacidade logística para isolar utentes em diferentes quartos. Se há lares que se conseguem adaptar — “num, aconselhei a equipa a colocar uma cama num outro quarto, grande, onde já estavam dois utentes, para que ficasse um isolado num quarto” — noutros, esta solução pode não resultar, designadamente por falta de espaço.
Aliás, numa das conferências de imprensa diárias, o secretário de Estado da Saúde, António Sales, foi questionado sobre se o Governo pondera criar espaços próprios para receber utentes dos lares que estejam infetados. António Sales sublinhou que o Governo está “a perceber se os lares, que são estruturas que muitas vezes têm dificuldade em receber doentes Covid, podem desdobrar-se noutras estruturas para poder separar doentes Covid de não Covid”.
A ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, já garantiu que os utentes e profissionais de lares seriam testados — e os testes já chegaram a seis mil trabalhadores, número que deverá chegar aos 50 mil no próximo mês, segundo o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor. Mas Ferreira de Almeida nota um atraso na implementação da promessa — pelo menos nos 215 lares que constituem a ALI — e diz que os testes até têm chegado, mas “muito pontualmente”. Uma decisão que entende se a justificação for a alocação de testes aos lares com situação mais crítica.
Dezassete universidades e politécnicos fazem testes em lares de todo o país
O responsável considera, por isso, que Ana Mendes Godinho “se precipitou a prometer material e testes”: “Precipitou-se porque não tem como. Foi preciso o presidente da Câmara de Aveiro ir para a comunicação social falar grosso para, no dia seguinte, aparecerem os testes em Aveiro”, critica. Nesse lar da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 15 utentes morreram com Covid-19 e, segundo o presidente da Câmara, Ribau Esteves, só duas semanas após o pedido é que os kits de testes chegaram para funcionários e restantes utentes.
Esta segunda-feira, a ALI recebeu um email do Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa para preencher dados sobre os seus associados, de forma a que as autoridades possam começar a programar a distribuição de testes. Ferreira de Almeida espera, por isso, que nas próximas semanas, se vejam mais testes no terreno.
Segundo o presidente da ALI, há ainda falta de máscaras (recomendadas segundo uma norma publicada para os profissionais de lares), de gel desinfetante e de luvas — que, ainda assim, se “vão arranjando, mas com dificuldade”. “Os preços dispararam completamente e cada lar tem de se abastecer”, adianta. Por outro lado, algumas câmaras municipais ajudam como podem com material. “Não é suficiente, mas já é uma ajuda”.
Há cerca de um mês, a ALI foi contactada pelo Ministério da Segurança Social para que fizesse um levantamento junto dos lares associados de forma a informar sobre as necessidades de material de cada instituição. O levantamento foi feito, mas só semanas depois começou a chegar algum material — e também ele de forma “muito pontual”.
Eu percebo as dificuldades no mercado internacional para conseguir fornecedores. O que não percebo é que se faça despertar uma expetativa na cabeça das pessoas e depois, passados estes dias, estamos sem saber se vamos ter material ou não. Recebemos dezenas de emails por dia de lares a dizer que mesmo que queiram cumprir com as indicações da DGS, sem material é muito difícil.”
“As orientações da DGS são muito bem estruturadas, mas depois não batem certo com a realidade. Por muito rigor que haja na implementação e no respeito dessas normas, se depois falham os meios não fica fácil”, aponta Ferreira de Almeida.
Prisões: na Covilhã cada guarda iria usar uma máscara durante 50 dias. Depois, cadeia recuou
O que diz a orientação da DGS: Guardas prisionais devem usar máscaras no “contacto próximo com os reclusos (menos de 2 metros)”
Problema: O “contacto próximo” é praticamente constante e guardas queixam-se da falta de máscaras
Para os guardas prisionais, a DGS recomenda o uso de máscaras no “contacto próximo com os reclusos (menos de 2 metros)”. Como é difícil manter sempre esta distância, sobretudo nas horas de recreio dos reclusos, os guardas estão a usar máscara descartável praticamente sempre. Mas só têm uma por turno, quer estes sejam de oito horas, quer sejam de onze, o que, para Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), é insuficiente. “Quando vamos almoçar temos de tirar a máscara, depois voltar a pôr e quem ainda tenha de jantar, tira uma segunda vez. Não é seguro“, diz ao Observador.
Foram doadas algumas máscaras aos estabelecimentos prisionais, mas muitas não são certificadas, o que causa alguma insegurança junto dos profissionais. Já na Covilhã, a Câmara Municipal doou ao estabelecimento prisional máscaras “reutilizáveis”, que podia, cada uma, ser usada durante “50 dias”, e lavada com lixívia e água quente a cada 5 dias de utilização, segundo se lê num aviso, a que o Observador teve acesso, assinado pela diretora do estabelecimento, Fátima Jerónimo, a 3 de abril.
Segundo uma fonte da guarda prisional da Covilhã, perante a pressão dos trabalhadores, a direção acabou por recuar. Ao Observador, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) — e o próprio aviso veiculado — fala em “máscaras reutilizáveis”. Que máscaras são estas que, segundo o estabelecimento prisional, dariam para 50 utilizações? A DGRSP não respondeu. Mas informou que a direção do estabelecimento prisional, “agradecendo a oferta, optou, por ora, por manter estas máscaras como reserva, utilizando o equipamento de proteção individual que tem estado a distribuir pelos serviços”.
Já o presidente da Câmara da Covilhã, questionado pelo Observador, diz que a autarquia doou 50 máscaras do” tipo NK95 (modelo chinês), similar ao tipo FFP2, já aprovadas a nível mundial”, acrescentando não ter informação sobre o aviso divulgado pela prisão da Covilhã. “De acordo com a informação do fornecedor, as máscaras são reutilizáveis e devem ser utilizadas de acordo com as indicações do fabricante”, sublinha. Segundo uma das maiores fabricantes de máscaras a nível mundial, a 3M, as NK95 são consideradas equivalentes às FFP2 usadas na Europa e, de acordo com a Business Insider, “têm uma proteção que pode danificar-se ao longo do tempo, à medida que os materiais se degradam”. O Observador tentou contactar a diretora do estabelecimento prisional da Covilhã, mas não obteve resposta.
A DGRSP garante que foi feito um reforço de material nas prisões. “Entre o dia 29 de março e o dia 2 de abril, foram distribuídas pelas Unidades Orgânicas 21.400 máscaras e 28.000 pares de luvas. Durante o dia 6 de abril procedeu-se nova distribuição de mais 7.500 máscaras, 34.400 pares de luvas e 86 desinfetantes de mãos de 500 miligramas e a redistribuição de 745 protetores faciais (viseiras) pelas Unidas Orgânicas , estando esta distribuição, desde dia 8 de abril, a ser reforçada.”
Ainda que haja a garantia de material por parte da DGRSP, o sindicalista Jorge Alves aponta a falta de proteção nas prisões. E tem conhecimento de cadeias que receberam viseiras de privados, mas que só podem ser usadas “no contacto direto com o recluso”. “Mas o contacto direto é frequente. Quando temos de intervir, para imobilizar um recluso, tenho de ir buscar a máscara ao armário enquanto alguém está, por exemplo, a agredir outro recluso”, critica. O sindicalista critica ainda a falta de gel desinfetante — “alguns guardas já tiveram de trazer de casa”. Para os reclusos, só há água e sabão, mas na maior parte dos casos não houve ações de sensibilização, “apenas cartazes afixados”.
“Tanto mais que não têm muitos sítios para lavar as mãos. Ou na cela ou no balneário. Quando estão no recreio, não podem entrar e sair muitas vezes, temos poucos guardas para os vigiar”. Embora a DGS recomende que sejam disponibilizados “pontos de água e sabão nas zonas prisionais”, nos recreio não existem. “Os reclusos acabam por passar a tarde sem lavar as mãos, estão a jogar às cartas, pingue pongue, a fazer flexões, ginástica”.
As orientações de distanciamento social também não são aplicáveis, garante. “Os reclusos andam sempre todos juntos. Numa cadeia com 700 pessoas, em que um recreio é partilhado por 100, 200 pessoas de cada vez… Mesmo nos refeitórios, estão perto uns dos outros”.
Já na PSP, e perante a falta de máscaras descartáveis no serviço policial, a Direção Nacional distribuiu aos seus operacionais viseiras em policarbonato, semelhantes às viseiras cirúrgicas, de forma a proteger os polícias de serviço do novo coronavírus. Magina da Silva, diretor nacional da PSP, já tinha anunciado que comprara 19.500 viseiras a um empresário de Sintra e, num despacho enviado aos polícias, informou que poderão ser usadas sempre que os polícias quiserem, mesmo fora de serviço. Já o uso de máscaras descartáveis e de luvas continuam a ser sujeitas a regras, porque não são suficientes.
No lugar do desinfetante, a PSP usa uma solução à base de água e lixívia que foi também recomendada pela DGS, sob orientação da Organização Mundial de Saúde. Ao Observador, uma fonte da PSP explicou que, ao serem tomadas estas medidas para fazer face à escassez de material, agora “os polícias estão protegidos”.
Direção Nacional da PSP vai distribuir viseiras aos polícias
A Guarda Nacional Republicana (GNR) também garante que “tem procedido à distribuição, por todo o dispositivo, de diverso equipamento de proteção individual para os seus militares, em resultado do fornecimento pelo Ministério da Administração Interna, de aquisições no mercado e de diversas doações”. Até ao momento foram distribuídas mais de 185 mil máscaras (5 mil das quais doadas), 20 mil viseiras (mais de 40% das quais doadas por diversas entidades e cidadãos anónimos), 272 mil pares de luvas, 250 termómetros, 3.500 frascos doseadores e 7.100 litros de álcool.
Máscaras: Santa Casa de Lisboa fez encomenda de 1 milhão de euros, mas máscaras chegam a conta gotas
O que diz a orientação: profissionais que contactam com utentes devem usar máscara
Problema: Segundo a Santa Casa, o material de proteção para os funcionários chega a conta-gotas
Na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o problema também é a falta de máscaras. Um dia depois de a pandemia de Covid-19 ter entrado na fase de mitigação em Portugal, ou seja, aquela em que já existe transmissão dentro da comunidade e em ambientes fechados, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa fez logo uma encomenda de 1 milhão de euros em máscaras cirúrgicas a serem entregues dois dias depois. E não foi a única encomenda — foram várias. No entanto, semanas depois as entregas vão chegando aos poucos, e a Santa Casa está longe de ter tudo o que encomendou.
Nós temos feito inúmeros contactos e alguns contratos, só que não estão a ser cumpridos, do ponto de vista da entrega. Temos vindo a receber quantidades reduzidas face às necessidades. Explicam-nos que estão com problemas”, explicou ao Observador o provedor Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Segundo o responsável, por dia são gastas 10 mil máscaras no espaços de saúde e equipamentos da Santa Casa. Só no apoio domiciliário, o funcionário tem que mudar de máscara a cada casa que o funcionário visita. Acresce que agora os utentes também têm que usar.
A falta de máscaras levou, segundo a SIC, a Santa Casa da Misericórdia de Cascais a pedir aos cerca de 200 trabalhadores do centro de apoio social do Pisão para lavarem as máscaras faciais descartáveis para poderem ser usadas durante três dias. No final do turno, o funcionário “terá de borrifar a sua máscara com lixívia e água” ou se “preferir em casa numa bacia com água e lixívia mergulha a máscara em cerca de 30 a 40 segundos, retira sem enxaguar e coloca a secar”, segundo uma nota distribuída aos funcionários, citada pela SIC.
Doentes oncológicos: a dificuldade de fazer testes antes de cada tratamento
O que diz a orientação da DGS: os doentes oncológicos devem ser testados à Covid-19, mesmo que assintómaticos, em várias situações
Problema: Não há material suficiente para fazer todos os testes
A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), pela voz do seu presidente Alexandre Lourenço, concorda que “existe um distanciamento entre a norma e a capacidade das instituições”. Referindo-se às orientações da DGS, o responsável refere que “muitas vezes vão à frente da capacidade das instituições, e é difícil de cumprir”. Além do problema dos testes nos lares de idosos e da regra de mandar as IPSS dotarem-se de equipamentos de proteção individual quando elas não os têm, refere a orientação de testar os doentes oncológicos. De facto, uma norma publicada no início de abril define que os doentes oncológicos devem ser testados à Covid-19, mesmo que assintómaticos nas seguintes situações:
- Antes de iniciar terapêutica sistémica com quimioterapia;
- Durante a terapêutica sistémica com quimioterapia, antes de cada administração,
mas nunca com uma periodicidade inferior a uma semana; - Antes de iniciar radioterapia;
- Durante o tratamento com radioterapia, uma vez por semana;
- Antes da admissão para tratamento cirúrgico eletivo;.
“Há uma limitação muito grande, os próprios hospitais estão com dificuldades, o que se torna difícil”, diz Alexandre Lourenço ao Observador. Sejam máscaras, ventiladores, equipamentos laboratoriais, reagentes ou mesmo zaragatoas para fazer os testes.
“Não existem materiais de proteção atualmente em Portugal para serem utilizados por todos, mesmo a nível dos hospitais continuam a ser uma restrição. É difícil garantir máscaras a todos os doentes que entram nos hospitais”, como ficou estabelecido a 29 de março, data da orientação da DGS que recomendava serem fornecidas máscaras cirúrgicas a todos os doentes, com ou sem sintomas respiratórios ou febre, no momento da entrada em qualquer unidade de saúde.
A APAH considera que o próprio governo devia ratear o material que tem e centralizar a sua distribuição e aquisição do que falta, como fez recentemente a Espanha. Isto porque, segundo explica, numa onda de solidariedade em que várias organizações e mesmo autarquias estão a doar material, é necessário colocá-lo onde verdadeiramente faz falta. “Há autarquias que na sua bondade estão a comprar ventiladores para hospitais que nunca terão uma unidade de cuidados intensivos e que nem dispõem de profissionais para os operacionalizar”, diz. “Devia existir uma preocupação de uma gestão comum para o problema que é comum”.
“Vimos apelar para fazer o rateio nacional a todos os materiais e que as recomendações da DGS sejam de acordo com os meios”, diz.
Farmácias: várias tiveram de recorrer a outros estabelecimentos para dar máscaras aos funcionários
O que diz a orientação da DGS: O uso de máscara é recomendado “nas caixas ou em balcões de clientes, quando não seja possível a instalação de separação/barreira física (de acrílico)”
Problema: Farmácias têm tido dificuldades na aquisição de máscaras no mercado nacional e internacional
Nuno Flora, secretário-geral da Associação Nacional Farmácias, garante ao Observador que as farmácias já há muito têm um plano de contingência — ainda antes de a DGS lançar uma orientação, e que vai sendo atualizado à medida que a epidemia evolui e em consonância com as recomendações da entidade de Graça Freitas. Além disso, muitos dos procedimentos agora usados já o tinham sido em 2009, com a gripe A, como a desinfeção constante de balcões, por exemplo.
Neste momento, cerca de metade das farmácias no país apenas atendem ao postigo e outras colocaram acrílicos para proteção dos funcionários. Só que, mais uma vez, é a falta de máscaras que causa preocupação aos trabalhadores. Segundo Nuno Flora, algumas farmácias já tiveram de se fornecer a outras, que tinham stock. “Tem sido cada vez mais difícil arranjar. Os nosso fornecedores habituais, nacionais, não têm“. Por isso, as farmácias tem procurado novos fornecedores dentro do país que começaram agora a produzir instrumentos de proteção, mas “a preços especulativos, mais de 20 vezes superiores ao preço de uma máscara”. Uma máscara podia antes custar cinco, dez cêntimos. Agora podem chegar aos 2 euros cada uma.
Recorrer ao mercado internacional também não tem sido fácil. Por um lado, os fornecedores pedem o “pagamento à cabeça de volumes muitos grandes: 100 mil, 200 mil”, valores que as farmácias não têm como suportar. Além disso, há uma “concorrência muito forte de outros países, como os EUA, Espanha ou Itália”, que estão a oferecer mais dinheiro pela mesma quantidade de material. Por isso, atira: “Se generalizam as máscaras a toda a população — o que até pode estar correto, é uma decisão técnica –, não vamos, no conjunto do sistema de saúde, ter em quantidades suficientes para fornecer a todos.”
Para fazer face à falta de gel desinfetante, as farmácias estão a produzir as próprias soluções alcoólicas.
Materiais de proteção: INEM reconhece falta de batas impermeáveis
O que diz a orientação da DGS: Profissionais do INEM devem usar “máscara cirúrgica, bata impermeável, luvas, protetor ocular”
Problema: INEM reconhece falta de batas impermeáveis no mercado
Há mais de uma semana que o INEM deixou de fornecer aos trabalhadores toucas e cobre-botas, o que deixou os funcionários descontentes e com a sensação de falta de proteção, segundo Pedro Moreira, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH). Qual a razão? Ao Observador, fonte oficial do INEM refere que houve uma alteração nas orientações da DGS — e a mais recente apenas prevê que estes profissionais tenham de usar máscaras cirúrgicas, luvas, batas impermeáveis e protetores oculares. O INEM reconhece, porém, que têm faltado batas impermeáveis porque “não existem no mercado“. Por isso, optou por dar a cada trabalhador uma bata não impermeável, descartável, e um avental impermeável, para colocarem por cima.
O STEPH estranha esta opção e, ao Observador, diz ter conhecimento de empresas que “contactaram o INEM e que têm material, umas para vender outras para doar. Estranhamos o facto de o INEM dizer que temos de esperar duas ou três semanas para termos o material. Ainda há pouco falei com uma empresa que diz que se quiser para amanhã 500 fatos, tenho”. Questionado, o INEM diz que não tem conhecimento desta situação e que está a aceitar tudo o que é oferecido.
Pedro Moreira critica ainda o facto de apenas ser dado a cada profissional um par de óculos que, considera, deviam ser descartáveis. “Dizem-nos que temos de os desinfetar com uma solução alcoólica a 70%. Só que nem todos os meios os têm. E, na falta de álcool, dizem para desinfetarmos com lixívia… As ambulâncias não têm”.
Os profissionais queixam-se ainda de terem de ser os próprios a lavar as fardas a 90 graus. Sobre esta situação, a mesma fonte oficial do INEM garante que “o INEM encontra-se, em articulação com a DGS, a definir a melhor forma de dar cumprimento à recomendação sobre a lavagem das fardas“.
“É importante referir que existem especificidades na atividade de emergência médica pré-hospitalar (em comparação com os hospitais e outras unidades de saúde) às quais é necessário atender. Desde logo, a dispersão geográfica das bases do INEM, na sua grande maioria localizadas em instalações que não são propriedade do Instituto.”