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António Costa demitiu-se mais de dois anos antes do fim do mandato. A história política recente em Portugal tem muitos outros exemplos de governos que caíram antes do previsto
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António Costa demitiu-se mais de dois anos antes do fim do mandato. A história política recente em Portugal tem muitos outros exemplos de governos que caíram antes do previsto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

António Costa demitiu-se mais de dois anos antes do fim do mandato. A história política recente em Portugal tem muitos outros exemplos de governos que caíram antes do previsto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quando um governo cai, a economia treme. Como a instabilidade política tende a afetar o crescimento

Estudo de 2013 concluiu que se Portugal tivesse tido menos mudanças de governo, o PIB per capita teria crescido mais ao ano. Literatura tem mostrado que instabilidade é inimiga do crescimento.

A economia e a política estão invariavelmente ligadas e a literatura económica há muito que se tem dedicado a estudar de que forma. Essa relação é, também, relevante em tempos de quedas de governos: os economistas que se debruçaram sobre o tema nos últimos anos têm concluído que a instabilidade política propicia a incerteza e isso reduz o crescimento económico.

Francisco José Veiga, economista da Universidade do Minho, é um dos investigadores que se tem dedicado à questão nos últimos anos e não tem dúvidas dessa relação. Foi por isso que viu com preocupação as notícias dos últimos dias. “Pelos resultados da investigação que tenho feito, é preferível que um governo cumpra o mandato inteiro do que fazer trocas a meio. Isso gera uma situação de instabilidade que não ajuda em nada a economia”, refere, em declarações ao Observador.

Nos últimos anos, procurou perceber de que forma as sucessivas mudanças de governos em Portugal influenciaram o crescimento da economia. Num estudo de 2013, propôs-se avaliar como o desempenho da economia portuguesa nos primeiros 25 anos de integração europeia, de 1985 a 2009, poderia ter sido outro se Portugal tivesse instituições e estabilidade política semelhantes aos seus parceiros europeus (a comparação foi feita com os 14 países que aderiram até 1995).

Nesse período, Portugal apresentou uma média de mudanças de governo de 0,41 por ano, “o que significa que teve uma troca de gabinete [governo] em cada dois anos e meio“, lê-se no estudo “Instituições, Estabilidade Política e Desempenho Económico – Implicações para Portugal”. O estudo pressupõe que há uma mudança de gabinete quando muda o chefe de governo ou, pelo menos, metade dos ministros. Já a UE-14 teve uma troca a cada três anos.

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“Neste aspeto, não se pode dizer que Portugal tenha melhorado, pois só neste século já houve cinco mudanças de gabinete“, escrevia o investigador em 2013. No final de 2001, António Guterres pede a demissão na sequência dos resultados das eleições autárquicas de dezembro desse ano. As eleições realizam-se em março do ano seguinte e dão a vitória a Durão Barroso, que também não completa o mandato. Sai em 2004 para a Comissão Europeia sendo substituído por Santana Lopes, que resiste apenas alguns meses.

O Presidente Jorge Sampaio dissolve a Assembleia da República na reta final do ano, o governo cai e as eleições de fevereiro de 2005 dão a vitória a José Sócrates, que consegue uma maioria absoluta. Mas no segundo mandato, também não fica até ao fim. “Caso todos os governos tivessem cumprido mandatos de quatro anos, só teria havido três mudanças de gabinete no século XXI [até 2013]: 2003, 2007 e 2011″, acrescentava o estudo. Mas houve cinco e isso prejudicou o crescimento.

O momento em que Sampaio adiou um despacho para salvar o orçamento (e que serve de exemplo para Marcelo)

Uma estimativa baseada em modelos econométricos — e que, sublinha Francisco José Veiga, não deve ser vista como final uma vez que está associada a um elevado grau de incerteza, mas apenas como um indicador da relação entre instabilidade e crescimento — revela que se Portugal tivesse tido a mesma média de mudanças de governo da UE-14 no período estudado, “o seu PIB per capita teria crescido mais 0,12% ao ano, o que em 25 anos daria um acréscimo acumulado de 3,11%“.

“Estas estimativas servem para, em termos comparativos, vermos quais são as vertentes onde poderíamos ter um melhor resultado se estivéssemos ao nível dos outros países”, explica ao Observador. A partir de 2011, a situação estabilizou e, até 2022, os governos cumpriram os mandatos de quatro anos.

“Os resultados mostram que mudanças de gabinete [governo] mais frequentes prejudicam o crescimento, enquanto maior estabilidade governativa está associada a maiores taxas de crescimento económico”, lê-se no estudo.

Uma outra análise, de 2013, feita em parceria com o economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) Ari Aisen, olhou para 169 países (Portugal incluído), num período entre 1960 e 2004. E também concluiu, “em linha com a literatura”, que a instabilidade política reduz significativamente o crescimento económico“. Os cálculos — também estes devem ser vistos apenas como indicativos — mostravam que “uma mudança de gabinete adicional por ano” reduz “a taxa de crescimento do PIB per capita real anual em 2,39 pontos percentuais“.

Esta redução acontece porque os efeitos são particularmente nocivos no crescimento da produtividade total dos fatores — um indicador que mede a eficiência da economia em usar os recursos que tem para produzir — e, em menor escala, na acumulação de capital físico e humano, que em tempos de instabilidade política é desincentivada.

“Uma vez que a acumulação de capital é feita através do investimento, os nossos resultados são consistentes com os de estudos anteriores, segundo os quais a instabilidade política afeta adversamente o investimento“, lê-se. É, por isso, no investimento que Francisco José Veiga antevê consequências da atual crise política.

Investimento pode ressentir-se

“Essencialmente, o que a literatura mostra é que, numa situação de maior instabilidade política, torna-se difícil antever o futuro”, começa por explicar Francisco José Veiga, ao Observador. Para as empresas, a previsibilidade é tudo. Investimentos como construção de fábricas ou de hotéis, por exemplo, podem ficar em suspenso num cenário de incerteza. “Qualquer investimento de larga escala é pensado num horizonte temporal alargado. As empresas quando fazem investimentos, fazem análises de custo-benefício para estimar o retorno. Numa situação instável, é extremamente difícil prever esse retorno“, afirma o economista.

No cenário atual, de eleições antecipadas, admite que os investidores pensem “duas vezes para ver o que dá”. “Não é só uma questão de saber quem ganha, é saber em que condições ganha. Não sabemos o que vem a seguir. O mais provável será nenhum partido conseguir uma maioria absoluta. Depois, não sabemos quanto tempo vai durar esse governo, quer seja PS, PSD ou coligações, novas gerigonças. Não há garantia nenhuma de que dure quatro anos. Isso gera instabilidade, maior dificuldade de prever o futuro, não incentivará tanto o investimento como numa situação de maior estabilidade”, refere. A mesma lógica admite que aconteça ao consumo das famílias de bens mais duradouros.

Com o investimento em suspenso e uma eventual retração do consumo, admite impactos na criação de emprego. “Depende de quanto tempo durar a situação de instabilidade e dos resultados das eleições. Se a situação se resolver em poucos meses, não virá daí grande problema. Se das eleições resultar uma solução que dê poucas garantias de estabilidade, aí sim, poderá ter mais efeitos — não diria ao nível de aumento do desemprego, mas na criação de novos empregos”, observa.

Também na produtividade, a literatura tem apontado efeitos da instabilidade dos governos. Um outro estudo de Francisco José Veiga, do ano passado, publicado com Fernando Alexandre (Universidade do Minho) e Pedro Bação (Universidade de Coimbra) debruçou-se especificamente sobre esses efeitos. E chegou à conclusão: “A instabilidade política tem efeitos adversos no crescimento da produtividade“. Outros artigos — sobretudo do século passado, na América Latina e em África — mostram mesmo efeitos na inflação.

Uma análise do Observador aos dados da formação bruta de capital fixo (que inclui investimento público e privado) do INE desde os anos 90 revela uma contração em alguns momentos de crise política. Foi, por exemplo, esse o caso no último trimestre de 2001, aquando das autárquicas que levaram à demissão de António Guterres. Depois de dois meses de subidas em cadeia, o investimento caiu no final do ano, inaugurando um ciclo de sete trimestres de quebras. Em vários desses trimestres também se verificou uma retração do PIB em cadeia.

A contração do investimento voltaria a verificar-se em vésperas e em plena crise política causada pela saída de Durão Barroso para Bruxelas. O mesmo, porém, não se verificou durante a governação de Santana Lopes — no terceiro e quarto trimestres de 2004 o investimento em cadeia até subiu, mas quebrou logo a seguir, e na maior parte do ano de 2005. O investimento, e o PIB, voltariam a ressentir-se fortemente durante a troika.

Mais recentemente, com a dissolução da Assembleia da República em novembro de 2021 depois do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, o investimento só viria a cair no segundo trimestre do ano seguinte, influenciado pela guerra na Ucrânia. Nesse período, o PIB teve subidas tímidas em cadeia, mas expressivas em termos homólogos devido, em grande parte, ao efeito base das quebras da pandemia.

“Esperemos não entrar agora num ciclo de governos minoritários que caem a meio do mandato”

As instituições internacionais não antecipam, pelo menos para já, grandes consequências na economia pela queda do governo. O banco de investimento holandês Rabobank acredita que, “claramente, a demissão de [António] Costa complicou significativamente o panorama político em Portugal”, mas à primeira vista não antecipa um grande aumento da pressão sobre os juros da dívida pública nacional.

“Demissão de Costa complicou significativamente o panorama político em Portugal”, diz banco de investimento holandês Rabobank

Já a presidente do Conselho das Finanças Públicas disse, no Parlamento, que está a acompanhar “com toda a serenidade e com toda a prudência” os desenvolvimentos políticos e os efeitos na economia. Segundo Nazaré da Costa Cabral ainda não há “sinais de perturbação, pelo menos no que diz respeito à dívida de longo prazo“. E a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, não respondeu sobre eventuais consequências na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “Acompanhamos as notícias de Portugal e cabe agora às autoridades nacionais investigarem”, respondeu apenas.

A certeza é a incerteza. Nesta fase, a literatura pode apenas dar conta dos antecedentes. E Francisco José Veiga lembra que a duração da instabilidade será decisiva para o grau dos efeitos sobre a economia. “Esperemos que não entremos agora num ciclo de governos minoritários que caem a meio do mandato e em que não se consegue planear nada a médio e longo prazo. Seria claramente mau para o país, ganhe quem ganhar as próximas eleições“, analisa.

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