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Ao fim de 25 anos de discussões, braços-de-ferro com Espanha, decisões, revisões e suspensões, foi lançado esta semana o primeiro concurso para a construção do primeiro troço da linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto. Mais conhecido por TGV — sigla francesa para comboio de alta velocidade que, no entanto, é a marca de um fabricante (Alstom) — a alta velocidade acelerou com entusiasmo na viragem do milénio para, depois, travar 10 anos na resistência e desconfiança. E basta recuar a 2019 para encontrarmos declarações do atual primeiro-ministro a classificar o tema de tóxico. Mas na última semana, todos os partidos (com exceção do Chega que se absteve) votaram a favor do lançamento do projeto por um governo em gestão. Não é garantia de que o TGV não volta a descarrilar, mas dá mais solidez a este projeto do que a outros que foram lançados no passado.
Quanto vai custar, quem o vai pagar, quem beneficia, onde e quando vai chegar, quantos o vão usar e que implicações pode ter em outras grandes obras como o aeroporto? O Observador procurou a informação disponível para responder a estas e outras perguntas sobre o maior e mais estruturante investimento lançado em Portugal.
Quanto vai custar esta fase? E todo o projeto?
A primeira fase tem um investimento estimado de 3.729 milhões de euros, dividido em dois troços: Porto-Aveiro (Oiã) que custa 1.978 milhões de euros; e Aveiro (Oiã)-Soure que custa 1.751 milhões de euros. Este é o valor limite a preços de 2023 e há expectativa de que as propostas dos concorrentes aos concursos para estas duas concessões permitam baixar o valor.
O custo do projeto no seu todo estava estimado, em 2020, em 4,5 mil milhões de euros, mas estes valores terão de ser atualizados e não consideram o último troço da nova linha que é a entrada em Lisboa. À primeira fase agora aprovada em Conselho de Ministros ter-se-á que somar a segunda — entre Soure e Carregado — que teve no passado uma estimava de custo de 2.000 milhões de euros. Este número será revisto em função da inflação, mas também da versão final do projeto que sair da avaliação ambiental e é preciso incluir o custo da quadruplicação da linha do Norte a partir do Carregado até Lisboa. Fontes do setor admitem que o custo total (até Lisboa) fique num intervalo entre os 5 mil milhões e os 6 mil milhões de euros.
Qual é o financiamento europeu? Está garantido?
O financiamento europeu previsto para a primeira fase (Porto-Soure) é de 729 milhões de euros, o que representa 20% do investimento. Este envelope está reservado para Portugal, mas é preciso avançar com a candidatura e concurso até final de janeiro e cumprir um conjunto de exigências para assegurar o seu pagamento.
Como será financiado o resto?
Considerando apenas a primeira fase e as duas PPP (Parcerias Público Privadas) que estão em marcha, existem negociações para obter financiamentos diretos junto do BEI (Banco Europeu de Investimentos) que podem ultrapassar os 600 milhões de euros para cada uma das PPP em que foi dividida esta fase. Este financiamento, que pode ainda envolver garantias, não está aprovado. Existe uma verba de 150 milhões de euros prevista proveniente do Orçamento do Estado para a primeira PPP. Haverá também recurso a capital privado — próprio da concessionária e dívida. Caberá aos concorrentes apresentarem uma proposta de financiamento.
Houve derrapagem de custos face a 2022? Quanto e porquê?
Em setembro de 2022, os custos estimados para a primeira fase eram de 2.950 milhões de euros, mas na altura ainda não estava fechado o traçado, nem feito o estudo de impacte ambiental. Os custos da solução que vai agora a concurso — na verdade são dois concursos — foram fixados a preços de 2023 e incorporam o efeito da revisão de custos ditada pela inflação verificada entretanto. Considerando que esta é uma PPP a 30 anos, a preços correntes a primeira fase tem o valor de 4,2 mil milhões, segundo a resolução do Conselho de Ministros que a aprova.
Porquê dividir a linha em três troços e duas PPP?
A IP justifica esta divisão com a redução dos custos de ciclo de vida — se fosse uma só a concessão teria de ser mais longa do que os 30 anos previstos –, com a otimização de recursos disponíveis, e com a alocação ajustada de riscos entre o Estado e os privados. A divisão permite ainda fazer a gestão temporal de uma obra muito exigente em termos de recursos e capacidade dos privados. Caso fosse tudo colocado a concurso ao mesmo tempo seria muito difícil encontrar essa capacidade e gerir tantas frentes de obra.
O que envolvem as duas PPP agora previstas?
O modelo de execução dividiu a primeira fase em dois contratos (correspondentes aos dois troços) para conceção, construção, manutenção e financiamento, excluindo a operação da infraestrutura. A primeira PPP prevê a construção de um primeiro troço de 71 quilómetros, dos quais 11,6 km com túneis e 9,5 km em ponte, incluindo uma nove ponte sobre o Douro entre Gaia e Porto, a expansão da estação de Campanhã e uma nova estação enterrada em Santo Ovídio (Gaia) com ligação ao metro. O valor base é de 1,6 mil milhões de euros, ao qual acrescem 480 milhões de euros de gastos que serão objeto de candidatura aos fundos comunitários. Um terceiro concurso para a segunda fase será lançado só a partir de 2025 e envolve a construção do troço entre Soure e Carregado.
Qual será a participação dos privados?
Além da conceção, construção e financiamento das obras, os privados ficam com a manutenção destes ativos durante 30 anos e serão pagos por isso. As propostas a concurso vão incluir rendas anuais a pagar pela IP (Infraestruturas de Portugal que é a dona de obra) em troca das quais os privados terão de assegurar uma determinada disponibilidade da linha. Estão previstas penalizações em caso de falhas nessa disponibilidade. A IP vai continuar a explorar a infraestrutura, cobrando taxa de uso aos operadores ferroviários.
Quando estará concluída a ligação?
Entre 2029 e 2030 está prevista a conclusão dos dois troços que constituem a primeira fase. A segunda fase, entre Soure e Carregado, que é também a mais longa (mais de 100 km), ficará pronta já depois de 2031. Mas ainda não é indicada uma data precisa para a conclusão desta terceira fase que terá de envolver também a quadruplicação da linha do Norte até Alverca para conseguir tirar partido da nova infraestrutura entre Porto e Carregado com uma oferta reforçada de serviços.
Que paragens vai ter?
A nova ligação vai permitir parar em Coimbra, Leiria, Aveiro e Gaia. Haverá serviços que param em duas e três estações e outros diretos entre Lisboa e Porto. Cada paragem implica uma perda de 6 a 10 minutos.
Quais serão os tempos de percurso?
A alta velocidade vai permitir, segundo as projeções, um tempo de viagem entre Lisboa e Porto de 1h19 minutos a partir do início da década de 2030, isto sem paragens. Considerando apenas os destinos no eixo da nova linha, estima-se que a viagem a partir de Aveiro demore menos 53 minutos para Lisboa e menos 27 minutos para o Porto. Coimbra ganhará 39 minutos para Lisboa e 47 minutos para o Porto. Leiria, que atualmente só é servida pela Linha do Oeste estando fora das ligações de longo curso, é quem mais ganha: 2h30 para o Porto e mais de duas horas para Lisboa.
O percurso entre Lisboa e Porto pode ser feito em 1h15 minutos no caso de se construir um último troço de linha nova (além da quadruplicação da linha do norte) até à entrada na capital, mas esse ainda não tem data e só avançará quando a procura o justificar.
Qual a procura esperada?
Os estudos preliminares feitos em 2022 apontam para que a procura ferroviária total da Linha do Norte possa quase triplicar — dos cerca de 6 milhões para 16 milhões passageiros/ano a partir da construção desta nova infraestruturas que permite alcançar mais de 150 destinos por comboio. Esta procura será alimentada pela redução dos tempos de percurso e pela criação de novos serviços. A maior fatia, segundo os estudos da TIS, será desviada do automóvel (cerca de quatro milhões dos passageiros das atuais 120 milhões de viagens por ano de carro atuais). Outra parte virá do avião que, estima-se, perca dois terços do tráfego para o comboio. E outra será roubada aos autocarros. Estas projeções foram feitas com base nos preços dos Alfa Pendulares para o trajeto entre Lisboa e Porto, na casa dos 40 euros. Mas com mais tráfego, os operadores do futuro serviço conseguem rentabilidade a preços mais baixos.
Quais os serviços previstos para a nova linha?
As simulações apontam para a existência de 60 serviços por dia em cada sentido na nova linha. Destes, 17 seriam de alta velocidade, dos quais nove sem paragens, ou seja, diretos entre Lisboa e Porto. O cenário de oferta admitia ainda 34 serviços híbridos com paragens nas estações da nova linha e com uso da rede convencional e 17 serviços com perfil de intercidades que partem ou chegam da rede convencional e que usam a nova infraestrutura.
Como é que os novos troços vão operar com a Linha do Norte e as outras linhas?
Esse é um dos grandes trunfos associados a este projeto e à opção de fazer os novos troços em bitola ibérica e não em bitola europeia. Ao usar a mesma bitola (distância entre os carris) da rede convencional, mas com um traçado desenhado para velocidades de 300 km/por hora, permite atingir velocidades comerciais de 270 a 280 km/hora) e interligações fáceis com os outros serviços da rede convencional e até com Espanha (já que na fronteira com Portugal a linha espanhola tem bitola ibérica).
Nova linha de TGV Porto-Lisboa. Que mudanças promete trazer a “A1 ferroviária”?
A nova infraestrutura correrá paralela à Linha do Norte com cruzamentos pontuais em Aveiro, Coimbra, mas podem estar afastadas em alguns pontos vários quilómetros e terá “amarrações” ao eixo para Braga e para Espanha (Vigo), mas também a eixos transversais para as linhas da Beira Alta e Beira Baixa. Tal permitirá reduzir os tempos de percursos entre os destinos servidos por estas linhas e Lisboa e Porto. Os exemplos dados são Guarda (menos 47 minutos de Lisboa e 1h19 do Porto) e Santarém (na linha do Norte) com ganho de 33 minutos face ao Porto.
O que muda com a entrada em operação do primeiro troço em 2028/9?
A construção da primeira fase até Aveiro permitirá reduzir o tempo de distância entre o Porto e Lisboa para 1h59 minutos sem paragens. Com três paragens este trajeto demora hoje 2h50 minutos.
Quem vai explorar o serviço de alta velocidade? A CP tem comboios?
A operação estará aberta a todos os operadores que cumpram as exigências europeias e estejam licenciados para os serviços. A CP será seguramente um deles. Também a B-Rail do grupo Barraqueiro já apresentou um pedido para operar comboios de longo curso neste corredor. A CP tem planos para comprar 12 comboios para o serviço de alta velocidade, mas o lançamento do concurso esteve condicionado pela demora na aprovação pelo Governo do saneamento da dívida histórica da empresa de 1.800 milhões de euros que só teve luz verde no final do ano passado. Com a limpeza do passivo e o contrato de serviço público que lhe garante verbas para operações deficitárias, espera-se que a empresa tenha condições para recorrer ao financiamento privado de que precisa para lançar este concurso. O custo da aquisição está orçado em 330 milhões de euros.
Porque esperou o Governo até ao final do prazo para concorrer aos fundos do Connecting Europe Facility (CEF)?
Portugal tentou candidatar-se ao programa Connecting Europe Facility – Transportes e antecipar o apoio no ano passado, mas a Comissão Europeia considerou que o projeto não reunia as condições de maturidade para atribuir os fundos. Uma das falhas era a inexistência de uma avaliação de impacte ambiental, cuja decisão favorável condicionada só foi dada na segunda metade do ano passado. Sem essa avaliação, não era possível lançar o concurso. O Governo esteve também a trabalhar nos formalismos exigidos ao lançamento de uma PPP como o parecer da unidade técnica que monitoriza estes procedimentos, a UTAP, e os estudos de custo-benefício, mas também a documentação necessária a um concurso público que junta várias componentes e que exige dezenas de anexos técnicos ao caderno de encargos.
Os 729 milhões de fundos europeus estão garantidos? Que critérios tem Portugal de cumprir e o que acontece se falhar?
Desde 2021 que estava prevista uma dotação de 729 milhões de euros para Portugal, ao abrigo da Connecting Europe Facility, mas a atribuição não está garantida. Portugal vai ter de se candidatar e convencer a Comissão Europeia de que está em condições de cumprir os requisitos. E um desses requisitos é a execução até final de 2028 dos fundos concedidos ao projeto, o que implica cumprir prazos de obra. A execução será acompanhada de muito perto pelos serviços comunitários. E se se verificarem atrasos pode haver suspensão de pagamentos cuja realização é feita ao longo do tempo. A partir do momento em que estes fundos são atribuídos, a sua despesa e destino não podem ser ajustados. Para já, avança a candidatura para os 480 milhões de euros para a primeira PPP entre o Porto-Aveiro cujo concurso foi lançado esta semana.
Porque não avançar logo com os dois concursos da primeira fase?
A avaliação ambiental da primeira fase foi dividida em dois processos. O primeiro troço entre Porto-Aveiro/Oiã, cujo concurso agora avança, teve luz verde ambiental em agosto de 2023, mas só em janeiro ficaram reunidas as condições técnicas e jurídicas para avançar. Foi necessário ajustar o estudo prévio em função da DIA (declaração de impacte ambiental) que foi favorável, mas condicionada, e as implicações na componente financeira. Em paralelo, o projeto fez outro caminho financeiro e jurídico que passou pela Unidade Técnica que monitoriza as PPP no Ministério das Finanças, o comparador de custos com o setor público e o estudo de custo-benefício. O caminho está a decorrer para a segunda PPP, entre Aveiro e Soure, cuja DIA foi emitida em novembro. A expectativa é a de que este concurso seja lançado em junho, porque o processo agora é mais simples.
Também houve a preocupação em diluir no tempo um esforço que é muito violento para o mercado, dando margem aos potenciais candidatos. É uma obra muito exigente e é preciso cumprir o calendário. Só a primeira PPP equivale em custo (2.000 milhões de euros) a todo o plano ferrovia 2030, cujos atrasos têm sido notícia constante.
A terceira PPP que corresponde à segunda fase entre Soure e Carregado (numa extensão mais de 100 km e que inclui a nova estação de Leiria) tem já os estudos prévios concluídos. Mas pelas razões referidas (nomeadamente a falta de capacidade de mercado), não deve avançar já para avaliação ambiental, mas apenas em 2025. O financiamento, nomeadamente os fundos comunitários, será já tratado no próximo quadro comunitário de apoio.
O projeto, dividido por três PPP, pára no Carregado. Quando será decidida a entrada em Lisboa?
A linha de alta velocidade aprovada pelo Governo socialista prevê que a entrada em Lisboa seja feita através do uso da rede convencional, o que implica a quadruplicação da linha do Norte entre o Carregado e Lisboa para acolher o aumento enorme de oferta. Esta solução permite ligar as duas maiores cidades do país em 1h19 minutos.
Mas há traçados estudados para construir um troço de linha nova entre o Carregado e Lisboa que pode ser a Oeste, paralelo à Linha do Norte, ou passar pela margem esquerda do Tejo. Este projeto permitiria reduzir o tempo de viagem para 1h15 minutos, mas o critério para avançar será a evolução da procura e a eventual necessidade de aumentar a capacidade da infraestrutura para responder.
A nova linha vai ter ligação ao novo aeroporto e à terceira travessia?
Um dos dois traçados em equação para a terceira fase da linha entre o Carregado e Porto permite fazer a ligação ao aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete ou em Vendas Novas. Uma decisão que aponte para estas duas localizações irá, aliás, permitir fechar a escolha entre os dois traçados que já se inclina mais para a opção pela margem esquerda do Tejo. Apesar de percorrer uma distância maior na direção de Lisboa, entrando pelo sul, este percurso será menos oneroso e mais fácil de executar devido à orografia e a uma menor densidade populacional. A oeste seriam necessários muito mais túneis e viadutos.
No trajeto pela margem esquerda, a entrada em Lisboa seria feita através da terceira travessia, um investimento previsto nos planos de infraestruturas, mas que não consta do atual projeto de alta velocidade.
Vamos ter alta velocidade para Madrid?
Não está prevista, para já, a construção de uma ligação de alta velocidade a Madrid, apesar de esta linha ter sido aprovada pela Comissão Europeia há vários anos. O tempo de distância entre as duas capitais vai diminuir com a nova linha entre Elvas e Évora, um projeto concebido para tráfego de mercadorias, mas cujo traçado está projetado para alta velocidade, beneficiando o serviço de passageiros. Admite-se que, numa primeira fase, seja possível reduzir o tempo de percurso para 5 a 6 horas. Com novas intervenções do lado de Espanha e do lado de Portugal, nomeadamente, a terceira travessia do Tejo até ao Poceirão, o tempo de viagem entre as duas capitais pode ser reduzido para três horas, mas num horizonte temporal mais lato, para lá de 2030.
E para Vigo?
O projeto para Vigo tem como objetivo assegurar a ligação ao Porto em menos de uma hora, o que passa por duas fases. A primeira fase é ligar Braga até à fronteira e para tal está prevista a construção de uma linha nova até Valença. Espanha também tem de avançar com um projeto na direção do sul, o que implica prolongar o túnel a partir do qual é feito o acesso à estação de Vigo que é subterrânea. Uma parte deste percurso será em alta velocidade. Esta primeira fase já está a ser trabalhada para ser alvo de avaliação de impacte ambiental em 2025 com concurso para 2026, um calendário que terá sempre de ser articulado com Espanha. Entre Braga e Porto, há dois troços que são considerados essenciais — a ligação entre Campanhã e o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e entre este e Braga. A segunda fase prevê a uma linha nova integral de Braga à Corunha
O que mudou face ao projeto de 2010? Porque ficou pelo caminho o primeiro concurso do TGV?
Quase tudo. A começar pela linha prioritária que deixou de ser Lisboa-Madrid para ser Lisboa-Porto, uma mudança justificada sobretudo por razões de procura e pela necessidade de reforçar a capacidade do principal eixo ferroviário do país. O projeto de 2010 previa a construção de linhas novas em bitola europeia cuja interligação com a rede convencional seria mais complexa. Chegaram a ser lançados os dois concursos para a construção da linha entre Lisboa e Madrid. Um dos quais para a terceira travessia entre Chelas e Barreiro que não foi adjudicado. O concurso para o troço Poceirão-Caia foi adjudicado ao consórcio Elos em 2010.
O contrato caiu por causa da recusa de visto do Tribunal de Contas. O projeto acabou por ser todo abandonado vítima da crise financeira e do resgate internacional a Portugal, apesar de a Comissão Europeia (um dos membros da troika) defender a sua continuidade.
Quando foi relançado o projeto?
Durante os anos que seguiram ao fracasso do TGV, pelo qual o Estado ainda pode ter de pagar uma indemnização de 200 milhões de euros ao consórcio Elos, o tema foi, nas palavras do ainda primeiro-ministro, “tóxico” e um “tabu” na política portuguesa. Com a degradação da qualidade dos serviços ferroviários, sobretudo no primeiro governo de António Costa, a oposição ao “comboio dos ricos”, foi perdendo a força.
O TGV reaparece no primeiro programa nacional de investimentos apresentado já com Pedro Nuno Santos na pasta, e focado na ligação entre Lisboa e Porto. Em julho de 2020 ainda em plena pandemia, o então consultor do Governo (António Costa Silva) apresentou um plano para relançar a retoma económica no qual a ligação em alta velocidade entre Lisboa e Porto surge como um projeto fundamental, até porque Bruxelas quer eliminar os voos em distâncias até 600 km. O desenho apontado era já muito próximo do que foi aprovado em 2022, assente numa construção faseada e com o primeiro troço entre Soure e Porto, o ponto com mais constrangimentos à circulação na Linha do Norte. Em 2022, o Governo anunciou a intenção de lançar o concurso no ano seguinte para que ter as primeiras obras concluídas em 2028.
Quais os principais riscos à execução?
Numa obra desta dimensão, há riscos ambientais, de engenharia e execução de obra e financeiros. Mas se as últimas décadas ensinaram alguma coisa sobre as grandes obras é que os maiores riscos são sempre políticos. E se o lançamento deste concurso — levado a votos no Parlamento por iniciativa do PS mas que resultou na aprovação de uma resolução que não é mais que uma recomendação ao Executivo — suscitou um raro consenso com os partidos a votar a favor (apenas o Chega se absteve), esse consenso pode rapidamente perder-se, como aconteceu em 2010.
Nas palavras do especialista José Manuel Viegas — o consultor de transportes (dono da TIS) que faz estudos sobre o TGV desde o início do milénio — o “grande problema nos projetos complexos é a síndrome do já agora”. Quando muda quem está no poder há sempre quem queira ver se é possível fazer mudanças, mudanças que, sublinha, atrapalham a execução e trazem quase sempre muito poucas melhorias. “Espero que até à inauguração não haja nenhum episódio político do já agora”, afirmou em entrevista à Antena 1 ao programa Tik Tak.