Não se pode dizer que tenha sido um confronto aceso, já que o modelo do debate na RTP raramente permitia interações diretas entre os cinco cabeças de lista dos principais partidos concorrentes a estas europeias. Também não se pode dizer que algum dos candidatos tenha aparecido com uma surpresa na manga. Ainda assim, entre acusações de “falta de credibilidade”, de “hipocrisia política” e “de falta de respeito pelo voto dos portugueses”, lá se foram trocando farpas e pontos de vista sobre o euro, o tratado orçamental, as alterações climáticas, as pensões e, claro, os fundos comunitários.

Pedro Marques foi o candidato mais atacado (28 vezes, pelas nossas contas), Marisa Matias e João Ferreira saíram praticamente ilesos. Paulo Rangel recebeu 20 investidas, mas uma delas trazia veneno na ponta e obrigou o candidato a retratar-se em direto, a partir do teatro Thalia. Na campanha disse que o voto noutro qualquer partido que não o PSD é um “voto fútil”. Depois das críticas que ouviu de Pedro Marques, acabou a recuar e a admitir que tinha usado uma expressão “infeliz”.

Eis os principais temas e os principais ataques do debate da RTP, o último antes das eleições europeias de 26 de maio.

Pedro Marques com mira apontada à direita e certeiro com Paulo Rangel

Campanha de Pedro Marques, do PS, para as eleições Europeias: Debate da RTP das Eleições Europeias no Teatro Thalia, com Nuno Melo, Paulo Rangel, João Ferreira, Pedro Marques e Marisa Matias
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ataques a Paulo Rangel: 11
Ataques a Nuno Melo: 7
Ataques a João Ferreira: 1
Ataques a Marisa Matias: 0

O candidato socialista foi o atirador que vinha com mais munições (19, contabilizadas pelo Observador) e centrou quase todos os seus ataques à direita e, em particular, num dos adversários — como tem feito nos discursos de campanha — que tinha pela frente: Paulo Rangel. Foi ao social-democrata que atirou as maiores críticas, conseguindo fazê-lo admitir um erro quando o acusou de “desrespeitar o voto” dos portugueses ao dizer que votos fora do PSD são votos “fúteis”, nestas eleições europeias. Também aproveitou o programa do PPE (família política do PSD no Parlamento Europeu) para atingir o mesmo adversário.

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E nesse ponto concreto, Pedro Marques apontou um “programa securitário, muito parecido com o que se encontra na extrema direita” e que prevê, garante o socialista, “uma força europeia costeira, com forças efetivas, drones, uma espécie de polícia de choque contra refugiados”. Ainda havia de acusar o social-democrata de “hipocrisia política” em matéria de fundos europeus, quando disse que, perante a primeira proposta da Comissão Europeia, Rangel veio “falar de vetos de propostas”, isto “quando assinou e aplaudiu um acordo há dez anos que fazia um corte de 10% nos fundos de coesão”. Mas é no PSD que continua a apostar para conseguir ir além da proposta inicial que veio da Comissão Europeia, desafiando o partido a cumprirem o acordo político estabelecido com o Governo.

https://observador.pt/2019/05/20/o-ultimo-debate-desta-vez-a-cinco-antes-das-europeias/

Em relação à esquerda, desentendeu-se com o PCP garantindo que não existe o “papão da privatização” da Segurança Social. Já ao Bloco, não chegou a formalizar um ataque, embora tenham discordado quando garantiu que “votou sim para propostas da esquerda para reformular o tratado orçamental europeu”. Marisa Matias alegou que isso era “um equívoco”.

O pior ataque de Rangel foi a defesa

Campanha de Pedro Marques, do PS, para as eleições Europeias: Debate da RTP das Eleições Europeias no Teatro Thalia, com Nuno Melo, Paulo Rangel, João Ferreira, Pedro Marques e Marisa Matias
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ataques a Pedro Marques: 12
Ataques a Nuno Melo: 0
Ataques a João Ferreira: 1
Ataques a Marisa Matias: 1

Paulo Rangel levava uma estratégia clara de atacar a credibilidade de Pedro Marques e até levou notícias do Polígrafo com seis fact checks que provam que tiveram o mesmo resultado: falso, falso, falso, falso, falso, falso. Acusou-o ainda de ser “manipulador”, de ter “problemas com a verdade” e de ter falhado aos portugueses ao aceitar cortes nos fundos.

Pedro Marques voltou a ir bem treinado nos ataques que fez a Rangel que, num assomo de humildade e arrependimento, recuou no soundbite da noite anterior, quando disse que “o voto do PSD é um voto útil e todo o voto fora do PSD é um voto fútil.” A frase não tinha necessariamente um sentido literal, mas apenas a ideia de que só o PSD estava em condições de vencer as eleições ao PS (porque historicamente são estes dois que vencem eleições nacionais). Só que Rangel caiu no engodo de Marques, quando este o acusou de falta de respeito pelo sistema democrático ao considerar que há votos que são fúteis.

Rangel reconheceu que a “palavra fútil é infeliz”, assumiu um erro e com isso acabou por dar, nesta fase do campeonato, um trunfo ao adversário.

Houve um outro ataque que Pedro Marques virou contra Rangel no contra-fogo. O cabeça de lista do PSD estava a acusar o socialista de ter considerado a proposta de fundos da comissão (que envolve um corte de 7%) como um “bom ponto de partida”. O candidato do PS ripostou dizendo que quem fez isso foi o mandatário nacional da candidatura do PSD, Carlos Moedas. Rangel ainda tentou explicar que esse era o papel institucional de Moedas como comissário, mas Marques já estava a liderar a contenda.

Mesmo o ataque a Frans Timmermans, por ter sido colega de Governo de Jeroen Dijsselbloem num governo holandês que era partidário de sanções a Portugal, foi anulado. Pedro Marques ripostou que Timmermans pediu a demissão de Dijsselbloem, o que  Rangel não contrariou.

Para Melo houve apenas uma ligeira farpa, que não se pode considerar um ataque por ter sido muito indireto: ao dizer que o PSD é o partido “moderado” e “responsável”, rangel estaria certamente a pensar nos votos dos que ficaram chocados com o facto do centrista ter normalizado o partido espanhol de extrema-direita Vox.

Marisa Matias mais aguerrida depois de sondagens favoráveis

Campanha de Pedro Marques, do PS, para as eleições Europeias: Debate da RTP das Eleições Europeias no Teatro Thalia, com Nuno Melo, Paulo Rangel, João Ferreira, Pedro Marques e Marisa Matias
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ataques a Pedro Marques: 3
Ataques a Paulo Rangel: 2
Ataques a Nuno Melo: 5
Ataques a João Ferreira: 0

Os alvos a abater eram os dois partidos da direita, mas o PS não escapou ileso, sobretudo quando se tocou em temas europeus. A candidata bloquista até começou o debate a defender que a experiência da “geringonça” tinha sido “benéfica para o Bloco de Esquerda”, mas logo de seguida lembrou que “os acordos assinados em 2015” não abrangiam todas as áreas da governação. Até porque, afirmaria depois, “em matérias europeias PS e Bloco raramente estão de acordo”. Uma espécie de jogo em dois tabuleiros que acabou por resultar porque Pedro Marques nunca quis explorar os ataques no seu flanco esquerdo, deixando eventuais contradições em terra de ninguém.

Marisa Matias voltou a adotar uma postura de moderação, que no fim do debate ia sendo quebrada perante as interrupções de Nuno Melo. “Tem sido muito mal-educado comigo em todos os debates”, acusou a eurodeputada, que se conteve. Ao longo da campanha a candidata bloquista tem falado sempre de Europa e tem recusado entrar em ataques pessoais. Uma máxima que não transportou diretamente para o debate desta noite. Mas quase. Foi a que menos atacou os adversários.

As acusações prenderam-se sempre com temas europeus. Desde o Tratado Orçamental, ao euro, passando pela questão dos refugiados ou, sobretudo, das alterações climáticas, Marisa Matias foi apontando o dedo a PSD e a CDS. Ao PS deixou uma crítica aguda quando se falou de fundos de coesão — lembrando os cortes dos tempos de José Sócrates — e um desafio venenoso: “Gostava de saber se o PS é o que temos em Bruxelas, que se alia à direita e a Macron, ou se é aquele que se alia à esquerda em Portugal e que traz melhorias para os problemas concretos das pessoas”. Pedro Marques não respondeu. Algo que aconteceu com vários dos ataques que foi lançando, que raramente perturbavam a dinâmica bélica entre Marques, Rangel e Melo.

Ao contrário do que aconteceu nos dois debates anteriores, João Ferreira e Marisa Matias não se pegaram. Antes pelo contrário: momentos houve em que defenderam a mesma posição e até um em que João Ferreira completou o argumento de Marisa Matias para atacar Nuno Melo na questão dos fundos europeus.

CDS. Levam todos, mas sobretudo o PS

Campanha de Pedro Marques, do PS, para as eleições Europeias: Debate da RTP das Eleições Europeias no Teatro Thalia, com Nuno Melo, Paulo Rangel, João Ferreira, Pedro Marques e Marisa Matias
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ataques a Pedro Marques: 8
Ataques a Paulo Rangel: 1
Ataques a João Ferreira: 1
Ataques a Marisa Matias: 2

É preciso tratar com pinças o PSD, ou não fosse ele o parceiro preferencial do CDS para eleições futuras. Mas, para já, nestas que são eleições europeias onde CDS e PSD concorrem separados, Nuno Melo permite-se espicaçar o ex-parceiro de coligação, que “é hoje um partido de centro” e tem um líder, que se “assume como um político de centro-esquerda. Logo, só por isso, o CDS — que “não tem medo de assumir que é de direita, da direita democrática da moderação” —, é a “única opção possível para quem é de direita”.

Mas a questão ideológica da esquerda-direita não se esgota aí. Tem um fundamento prático: se o PS de António Costa aceitou uma proposta de orçamento comunitário que prevê um corte de 7% para Portugal, o PSD de Rui Rio não fica atrás, já que o líder do PSD assinou um acordo com o Governo precisamente sobre o próximo quadro de fundos comunitários 2020-2030, colocando dessa forma o carimbo do PSD. É o pretexto perfeito para Nuno Melo dizer que “só um voto no CDS servirá para não viabilizar um governo de António Costa”. Ou seja, o PSD não entra na equação para quem quer apresentar um cartão vermelho ao governo.

Com a crítica ao Governo socialista (e à má execução dos fundos comunitários) como pano de fundo, Melo apareceu munido de um quadro com dados comparativos do crescimento económico na zona euro, onde Portugal aparece na terceira pior posição. Desta vez não levou fotografias para colar o PS a José Sócrates, mas pediu às câmaras da RTP para fazerem zoom no seu telemóvel (onde tinha o tal quadro). O objetivo era explicar como o Governo aceita um corte de 7% no orçamento comunitário quando países que crescem mais não têm cortes, e países que estão ao nível de Portugal, como a Grécia ou Itália, recebem uma fatia maior. Até a Bulgária, diz Melo, que “não está disponível para colher um único refugiado”, tem um aumento nos fundos de coesão.

Outro alvo de Nuno Melo foi o Bloco de Esquerda. Nas sondagens que têm sido reveladas, CDS, PCP e BE aparecem praticamente em “empate técnico”. A pergunta para um milhão de euros é quem vai conquistar o terceiro lugar. É essa a meta que o CDS quer para si e foi ao terceiro lugar que apelou no debate. Lembrando as contradições do Bloco de Esquerda — que dizia, através de Catarina Martins, em 2017, que queria a saída do euro, e que agora Marisa Matias nega alguma vez ter defendido — Nuno Melo defendeu o voto num partido “fundador da democracia”. “Quando em causa está o combate aos extremismos, e se nós estamos no lado direito da moderação, então devemos estar à frente de partidos como o Bloco de Esquerda e o PCP” que, no entender de Nuno Melo, são partidos extremistas, disse.

João Ferreira. O resumo completo dos ataques da campanha em meia dúzia de intervenções

Campanha de Pedro Marques, do PS, para as eleições Europeias: Debate da RTP das Eleições Europeias no Teatro Thalia, com Nuno Melo, Paulo Rangel, João Ferreira, Pedro Marques e Marisa Matias
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ataques a Pedro Marques: 5
Ataques a Paulo Rangel: 6
Ataques a Nuno Melo: 7
Ataques a Marisa Matias: 0

Os ataques do cabeça de lista da CDU foram exclusivamente dirigidos a PS, PSD e CDS. Ferreira criticou duramente os três partidos por votarem sempre alinhados no Parlamento Europeu (e até repetiu o “se quiserem embaraçá-los, perguntem-lhes quando é que não votaram juntos”) as políticas que “devastaram” o país.

A intervenção de João Ferreira seguiu, depois — e muitas vezes ipsis verbis— o discurso que tem vindo a repetir nos últimos dias, ao recapitular a atividade e os contributos dos eurodeputados da coligação no Parlamento Europeu e o “papel determinante” da coligação no condicionamento do Governo minoritário do PS no que toca às políticas nacionais.

Continuou com o elencar dos problemas e males da União Europeia e das promessas que caíram por terra. Até quando foi desafiado a falar dos pontos positivos da integração, ainda ensaiou um elogio à livre circulação, para logo sublinhar que a liberdade “não resulta necessariamente da União Europeia”.

Mais à frente, as críticas à “dependência económica” e à “subordinação política” do país face à União Europeia, que teve consequências “devastadoras” para “os setores produtivos nacionais”. As críticas ao Euro também não ficaram de fora — primeiro quando afirmou que a moeda única “veio agravar tudo isto” [a dependência portuguesa em relação à UE]; depois quando assegurou que a pertença ao Euro se tornou “insustentável”.

João Ferreira voltou ainda a desvalorizar as sondagens com o mesmo exato argumento: “Não somos espectadores da campanha, somos construtores do resultado”. E ainda: “A questão essencial não é ver quem ganha, é eleger 21 deputados”.

E, por fim, relembrou a principal tónica da sua campanha dos últimos dias: os vários desafios que tem lançado ao PS, PSD e CDS, para que se pronunciem publicamente e antes das eleições sobre o que pretendem fazer em relação a vários dossiês, como o orçamento comunitário ou a política agrícola comum. E, claro, quando desafiou os eleitores a compararem o trabalho dos eurodeputados portugueses, porque, como tem dito, a CDU “não teme comparações, reclama essas comparações”.