“Vou tratar do seu caso com a mesma abordagem com que construí a minha carreira — recuso-me a parar de lutar!” É assim que June Stacey Marks, a advogada que João Rendeiro escolheu para o representar na África do Sul, se apresenta na página online do seu escritório de advogados. É também aí que é possível perceber um pouco melhor o perfil da jurista sul-africana e compreender melhor por que razão foi escolhida pelo banqueiro português para lidar com o pedido de extradição das autoridades portuguesas.
Marks é especializada em direito das empresas e trata habitualmente de temas como insolvências e questões relacionadas com seguradoras. A especialização em temas ligados ao mundo financeiro é um compromisso com raízes antigas: na sua página, June Marks explica que no passado se dedicou a estudar contabilidade para lidar melhor com os processos da área. “Não há nada que me consiga enganar numa declaração financeira e isso fortaleceu muito a minha capacidade de lidar com julgamentos e litígios que envolvem transações financeiras complicadas”, explica.
A advogada tem agora em mãos o processo de João Rendeiro. Ao Observador, Marks diz que “a Justiça sul-africana está sempre aberta à ideia de uma libertação sob caução”, algo que espera neste caso. Se a decisão do tribunal for a contrária, June Marks já tem um plano traçado, que passa por avançar rapidamente para instâncias superiores e garantir a liberdade de Rendeiro.
O empresário que desviou milhões e o arguido que não sabia que era fugitivo
A sua experiência também indica isso mesmo. Através de uma breve pesquisa pelos jornais sul-africanos online, é possível descobrir que a advogada June Marks já defendeu pelo menos outros dois casos de pessoas acusadas de fraude financeira. O mais conhecido foi o de J. Arthur Brown, empresário acusado de ter desviado 1,4 mil milhões de rands (equivalente a mais de 77 milhões de euros) de fundos geridos pela sua empresa, a Fidentia.
O caso de Brown arrastou-se por um período muito superior ao normal. Marks foi a sexta advogada contratada pelo empresário, em 2012, o que levou não só o Ministério Público mas também o próprio juiz do seu caso a avisá-lo de que não deveria continuar com tais medidas dilatórias: “Não pode continuar a usar este truque”, disse o juiz.
June Marks, porém, acabaria por abandonar Brown como cliente, garantindo que não recebeu o pagamento devido pelos seus serviços e dizendo que foi ameaçada por uma pessoa próxima do seu cliente. “Não quero ter nada a ver com o senhor Brown a não ser o facto de querer que ele me pague a sua dívida”, declarou a advogada à altura. Brown acabaria por ser condenado a uma pena suspensa, tendo depois o Supremo Tribunal decidido condená-lo a 15 anos de prisão. O empresário saiu entretanto da prisão em liberdade condicional.
Mas J. Arthur Brown não foi o único acusado de fraude na África do Sul a ser defendido por June Marks. Ainda antes deste caso mediático, Marks assegurou a defesa de Phumudzo Makhado, acusado de ter enganado várias pessoas. Makhado esteve a certa altura desaparecido, mas argumentou em tribunal que não sabia que estava a ser procurado pela Justiça: “Não fazia a mínima ideia que estavam à minha procura”, disse em tribunal.
O caso Cadac, de tribunal em tribunal há dez anos
Além da sua experiência profissional, June Marks tem ela própria uma história que se arrasta de tribunal em tribunal há vários anos, com múltiplos processos iniciados de parte a parte. Em causa está o diferendo com um dos curadores do Fundo de Pensões Cadac, cujo antigo presidente Marks defendeu em tempos.
Segundo a imprensa sul-africana, o tribunal de primeira instância considerou que os mais de 10 milhões de rands (cerca de 500 mil euros) que Marks retirou do Fundo foram obtidos de forma ilegítima. A advogada argumentou que o dinheiro, obtido pela sociedade de advogados, era relativo ao pagamento que lhe era devido pela empresa pelos seus serviços jurídicos. O caso remonta a 2012, mas continua a arrastar-se na Justiça sul-africana: ainda em outubro deste ano a advogada deu conta no Twitter de que o Supremo Tribunal aceitou um recurso ligado ao caso do Cadac.
Media Summary: Simon Nash and Others v The Cadac Pension Fund (In curatorship) (Registration Number: 12/8/0020425) and Others (case no 545/2020) [2021] ZASCA 144 (11 October 2021). Today the SCA upheld an appeal against an order of the Gauteng Division of the High Court, Jhb. pic.twitter.com/D3FYkmzFWD
— Supreme Court of Appeal ZA (@SCA_ZA) October 11, 2021
O caso continua a provocar uma série de polémicas judiciais com vários dos envolvidos, entre eles a advogada. Ainda em abril deste ano, o Supremo Tribunal de Joanesburgo proibiu o investigador privado Paul O’Sullivan de divulgar o “relatório forense” que havia elaborado para um dos responsáveis do Cadac. Nele, o investigador tecia considerações sobre outros envolvidos no processo que o tribunal considerou difamatórias. O Tribunal também considerou que O’Sullivan tentou intimidar June Marks durante o processo, ameaçando-a com prisão e perda da licença para exercer.
Quase dez anos depois do início do primeiro processo ligado a este caso mediático, June Marks continua a exercer. Agora, tem pela frente o caso de João Rendeiro e da sua possível extradição — um processo em que, admitiu a própria, em entrevista ao Observador está tudo em aberto relativamente à libertação do banqueiro depois do pagamento de uma caução. June Marks garantiu que está a par de todo o processo que envolve o banqueiro em Portugal e que não está a trabalhar com nenhum advogado português. A advogada foi contratada por Rendeiro há três meses.