“Acabo de concretizar um sonho! É o culminar de muito trabalho, muito empenho, muita pesquisa. Estou muito feliz! Não quero nem posso esquecer neste instante toda a minha família pelo apoio incondicional nos momentos mais difíceis e horas mais complicadas. Uma última palavra também para a minha brigada, incansáveis! Sem eles não teria chegado aqui. Este momento também é deles.”
Esta declaração do chef António Loureiro, líder do recém-estrelado A Cozinha, em Guimarães, podia ter sido proferida na noite de quarta-feira, depois de saber que tinha alcançado a distinção que tantos cozinheiros ambicionam ter, mas não. Andando quatro anos para trás, numa altura em que este cozinheiro ainda trabalhava para o Mélia Braga Hotel & Spa, foram essas as palavras que lhe saíram da boca quando soube que tinha ganho o concurso de Chefe Cozinheiro do Ano de 2014 (CCA), a primeira grande conquista do homem que agora todos querem conhecer melhor.
“O António é um cozinheiro que agora, finalmente, consegue exprimir a sua identidade gastronómica livremente. A Cozinha deu-lhe essa liberdade e ele claramente soube aproveitá-la”, revela ao Observador Paulo Amado, responsável pela organização do CCA e uma das personagens mais influentes no panorama gastronómico português. Depois de vários anos a trabalhar fora de Guimarães, a sua terra natal, e de ter somado várias experiências em restaurantes portugueses e não só (alguns até estrelados), António voltou à sua terra natal para inaugurar, em 2016, A Cozinha. Decidiu apostar num projeto profundamente pessoal, contando apenas com a ajuda da mulher, Isabel, que deu uso à sua experiência na área de projetos e incentivos para desenvolvimento empresarial (é professora na Universidade do Minho) para remodelar totalmente este espaço que fica na zona história vimarenense. Com humildade e discrição, passou os últimos anos a desenvolver uma cozinha “muito ligada ao sabor, ao produto típico da região”, como conta o chef Vítor Matos (do Antiqvvm, no Porto, com uma estrela Michelin), que ressalva ainda todo o cuidado “visual” que António aplica nos seus cozinhados.
“No início do Antiqvvm fiz um evento a que chamei ‘Chefs do Futuro’. De entre os vários talentos que lá tive a cozinhar, o António foi um deles [Óscar Geadas também, curiosamente]. Dava para ver logo que ele teria um grande futuro pela frente”, conta o mesmo chef Matos. Se a vitória no CCA já tinha deixado a promessa de sucesso, relatos como este acabariam por tornar inevitável o resultado que se viu no Pavilhão Carlos Lopes. “Vai ganhar a estrela, tenho a certeza absoluta”, acrescentou ainda Vítor Matos, falando ainda sem saber o resultado que estava por vir. Apesar da sua cara aparentemente fechada e postura discreta, felicidade é coisa que não lhe falta — pelo menos foi isso que se viu na cerimónia.
“Desde que me lembro, gosto de comer bem. Acho que comer bem é o primeiro passo para se gostar de cozinha”, afirmou o próprio chef Loureiro numa entrevista à Guimarães TV. Nesse vídeo em que o cozinheiro é o protagonista dá para perceber melhor a origem de tudo o que agora conquistou. “Sempre me encantou entrar na cozinha, sentir os aromas aquele frenesim muito típico de alturas festivas, por exemplo. Tenho uma família muito grande e isso só me motivava ainda mais, nessas alturas.”
É precisamente neste contexto familiar mais próximo que António vê a sua paixão pelos tachos e panelas crescer ainda mais. “Tinha uma tia que cozinhava muitíssimo bem, ela era uma cozinheira de mão cheia. Sempre que ia a casa dela era impossível sair sem comer qualquer coisa”, afirma, entre risos. Estes momentos iniciais em que “gostava de espreitar para dentro de todos os tachos e panelas” acabaram por ditar aquilo que queria para o futuro — “sempre quis ser cozinheiro”, chega a dizer. Apesar de nessa altura ainda não ser totalmente bem visto um homem abraçar a profissão de cozinheiro, realidade mais “aceite” em países como França, por exemplo, António afirma que a família sempre apoiou a sua decisão, desde muito novo, até, quando a mãe o incentivava a ajudá-la à no fogão — “Ela dizia-me: ‘Agora põe isto aqui, aquilo ali…’. Eu acabava sempre por por tudo nos sítios errados! [risos]”. Daqui até ter feito um prato de bacalhau, totalmente feito do zero por ele — “Olhei para aquilo e pensei: ‘Fogo, fui eu que fiz isto!’. Senti imenso orgulho” –, foi um instante.
Fora da cozinha, António diz que gosta de praticar desporto sempre que consegue. Tirando isso, o único “hobby” que assume ter são os seus três filhos, “um gosta mais de comer, os outros interessam-se um bocadinho mais pelo momento de confecionar qualquer coisa”, mas isso não o deixa confiante de que poderão querer seguir as pisadas do pai.
Em terra de fortes tradições ligadas ao receituário clássico, António assume procurar uma alternativa mais contemporânea, que enriqueça ainda mais a oferta gastronómica na cidade de Guimarães. “Tentamos focar-nos muito na cozinha tradicional mas, como ela muitas vezes é bastante pesada, queremos dar-lhe um toque criativo que consiga também aligeirá-la, torná-la mais leve, sem nunca descuidar os sabores fortes tão característicos.” É por tudo isto que é possível encontrar neste A Cozinha pratos como um biscoito de avelã, alvarinho, foie gras e gelado de tomate; o vitelão com cogumelos silvestres, alho negro, aipo fumado, cevadinha e batata soufflé; rodovalho com lagostim, couve-flor, cogumelos shimeji, espargos, copita de bolota e molho de espumante ou até o hiper-tradicional pudim Abade Priscos que é servido com gelado de lima, esponja de cardamomo, gel de laranja e terra de avelã. Os preços de tudo isto rondarão os 45€ por pessoa, caso se opte pelos menus de degustação — também há serviço à la carte.
À semelhança do que acontece com outro dos galardoados deste ano, como Óscar Geadas, do G Pousada, por exemplo, esta vitória é um marco importante na história do Guia Michelin em Portugal. Nunca houve tanta atenção dada a regiões menos centrais como Lisboa, Porto e Algarve e isso será sempre um ponto a favor tanto no desenvolvimento de cidades como Guimarães e na divulgação de novos talentos da cozinha portuguesa. Citando o comunicado oficial do guia, “os inspetores Michelin encontraram pepitas de ouro gastronómicas em locais por vezes insólitos e isolados”. Tudo certo, portanto.