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Boris Nadezhdin
Mikhail Khodorkovski
Sergei Skripal
Denis Kapustin
Ilya Ponomarev
Leonid Nevzlin
Ilya Yashin
Vladimir Kara-Murza
Igor Girkin

Boris Nadezhdin
O candidato
Na Rússia

Boris Nadezhdin é um político russo que se afastou do Rússia Unida de Putin há anos e que recolheu assinaturas para poder concorrer à eleição como candidato independente.

Perante um cenário em que os principais opositores estão todos na prisão (como Vladimir Kara-Murza), no exílio (como Garry Kasparov) ou mortos (como Alexei Navalny e Boris Nemtsov), Nadezhdin recolheu o apoio de todos os anti-Putin. Dezenas de pessoas fizeram fila em várias cidades russas para assinar os documentos que permitiam a Nadezhdin candidatar-se. E diferentes figuras da oposição, como o oligarca Mikhail Khodorkovsky, o liberal Maxim Katz e o diretor da fundação de Navalny Ivan Zhdanov, declararam-lhe apoio.

Isto porque o candidato assumiu de forma clara no seu programa que é contra a guerra na Ucrânia, que apelida de um “erro fatal” que está “a provocar enormes danos à economia e à demografia da Rússia”. Embora seja um membro da elite política do país — assumiu ao Wall Street Journal que “bebe chá” com alguns membros do governo, por exemplo —, Boris Nadezhdin diz que se desiludiu com Putin desde a prisão de Mikhail Khodorkovsky e que se assumiu claramente como opositor desde que o Presidente fez as alterações constitucionais que lhe permitem manter-se no poder até 2036.

“Nadezhdin nunca foi membro do Rússia Unida, mas tentou obter a nomeação do partido para as eleições parlamentares de 2016 (e não conseguiu). Também participou noutros partidos ao longo das últimas três décadas. Desta perspetiva, até esta campanha não era muito diferente de outros políticos que tentaram fazer uma carreira dentro do sistema”, resume o professor Vladimir Gelma, professor russo de Ciência Política a viver na Finlândia. “O que o torna muito diferente é a sua posição anti-militar, que foi abertamente declarada agora”.

Veja-se uma entrevista recente de Nadezhdin à Radio Svoboda: “Desde o início desta ‘operação militar especial’, como somos obrigados a chamar-lhe, que a tenho criticado, até na televisão. Disse que Putin estava a cometer um erro catastrófico e que esta é uma empreitada sem sentido”, afirmou o candidato.

Questionado sobre qual será a primeira medida que tomará se for eleito, foi perentório: “Libertarei todos os presos políticos: Navalny, Ilya Yashin, Volodya Kara-Murza. São meus camaradas, como centenas de outros. Este será o primeiro decreto que assinarei.”

De seguida, disse, “começarei negociações com o Ocidente e a Ucrânia”. Para além das palavras, Nadezhdin já se reuniu, por exemplo, com grupos de mulheres de soldados a combater na Ucrânia que têm criticado a “operação especial”.

“É uma visão de Rússia muito diferente, aquela que ele está aqui a articular”, nota o académico especializado na Rússia Adam Lenton. “Uma que questiona abertamente a política atual relativamente à guerra, que discute ‘o elefante na sala’.”

A grande dúvida era se, perante esta mobilização em torno de um candidato anti-guerra, o Kremlin iria permitir que Boris Nadezhdin concorresse de facto à eleição. Há algumas semanas, o professor Vladimir Gelman já duvidava: “Só a presença dele no boletim de voto dificulta o plano inicial do Kremlin de 80% dos votos para Putin”, diz. “Para além disso, a sua campanha pode influenciar uma mobilização anti-militar dos eleitores.”

Perante este cenário, o académico Mark Galeotti, autor de dezenas de livros sobre a Rússia de Putin, dizia que só há duas hipóteses: “Ou ele apresenta as assinaturas e a Comissão Eleitoral diz que há irregularidades e o exclui da eleição; ou permitem que ele concorra e manipulam os resultados para dizer ‘Veem? O povo russo quer o atual soberano’. Ou ele é excluído ou é usado como lição”, sentenciou o investigador numa entrevista à rádio do The Times.

A resposta não tardou. Em meados de fevereiro, a Comissão Eleitoral russa declarou que algumas das assinaturas não eram válidas e excluiu Nadezhdin da eleição à presidência. “E depois das eleições? Quem sabe o que lhe poderá acontecer…”, especulava Galeotti.

Mikhail Khodorkovski
O oligarca condenado
No exílio

Era o homem mais rico da Rússia em 2003. Filho de uma família de classe média alta que se opunha ao comunismo e que ajudou clandestinamente os movimentos dissidentes soviéticos, a educação de Mikhail Khodorkovski não teve um pendor político. Como conta a jornalista russa Masha Green num perfil publicado na revista Vanity Fair, os pais do jovem educaram-no como alguém “conformista” em vez de alguém que “falava a verdade sobre a União Soviética” — algo que o podia levar a ter uma vida “miserável”. Contudo, o destino de Mikhail Khodorkovski trocou-lhe as voltas e aproximou-o do ativismo político dos pais.

Após concluir o curso de engenharia química em 1986 com excelentes notas — ao mesmo tempo que se envolvia em atividades do Partido Comunista — Mikhail Khodorkovski trabalhou ao serviço do Estado e acreditava nos ideais comunistas. Cinco anos depois, a realidade política em que crescera mudou radicalmente: a União Soviética colapsou. Tal como aconteceu com muitos dos seus compatriotas, a ideologia do jovem alterou-se significativamente. Nos início dos anos 90, chegou mesmo a escrever, juntamente com um grupo de amigos, um manifesto capitalista: “É tempo de deixar de viver de acordo com Lenine. Devemos guiar-nos pelo lucro, que é adquirido de forma legal. A sua Majestade, o dinheiro, é a única coisa que nos pode levar à prosperidade”.

Mesmo com a corrupção, Boris Yeltsin não se opunha ao crescimento de uma classe de oligarcas, em que incidia a sua principal base de apoio. Mas tudo mudou em 1999

Não é de estranhar, portanto, que Mikhail Khodorkovski acumulasse uma fortuna durante os tempos que se seguiram à queda da União Soviética. Numa combinação entre a compra de empresas estatais e investimentos estrangeiros, o novo adepto do capitalismo tornou-se milionário, ao mesmo tempo que se envolvia em atividades políticas. No seu trajeto político, aliou-se essencialmente a Boris Yeltsin — e investiu politicamente nas candidaturas presidenciais daquele candidato.

Mesmo com a corrupção, Boris Yeltsin não se opunha ao crescimento de uma classe de oligarcas, em que incidia a sua principal base de apoio. Mas tudo mudou em 1999, ano em que, devido a problemas de saúde, o primeiro Presidente russo decidiu sair de cena e confiar o poder a Vladimir Putin.

Contrariamente ao antecessor, o antigo diretor dos serviços de informações russos não confiava nos oligarcas. E precisava, mais do que nunca, de se impor politicamente. Portanto, Vladimir Putin fez uma espécie de pacto de regime com aqueles milionários: deixava que continuassem a acumular fortunas mas sob uma condição: que não se envolvessem na política. Contudo, este pacto não agradou a Mikhail Khodorkovski.

Vladimir Putin desconfiava de Mikhail Khodorkovski e temia que aquele homem pudesse ser o rosto do golpe de Estado liderado por oligarcas. Não só pela sua fundação, como também pelo poder que ia ter em mãos

Tanto assim é que, em 2001, Mikhail Khodorkovski cria uma fundação com o objetivo de “fortalecer a sociedade civil na Rússia” — a Open Russia. O oligarca funda meios de comunicação sociais privados e investe em universidades privadas, ao mesmo tempo que tenta aumentar os seus negócios. O plano mais ambicioso do magnata, que detinha na altura a empresa de extração de petróleo Yukos, passava por fundir aquela empresa com a rival Sibneft — e criar a maior do mundo naquele domínio. Tornar-se-ia a maior empresa em solo russo.

Vladimir Putin desconfiava de Mikhail Khodorkovski e temia que aquele homem pudesse ser o rosto do golpe de Estado liderado por oligarcas. Não só pela sua fundação, como também pelo poder que ia ter em mãos — e que podia colocar em causa o seu curto mandato. Em outubro de 2003, seis meses depois de divulgar os seus planos para tornar-se o detentor da maior empresa em solo, o oligarca é detido por suspeitas de fraude.

Os Estados Unidos consideraram, na altura, a detenção de Mikhail Khodorkovski como uma prova de que faltava um poder judicial “independente” à Federação Russa: “Tratou-se do uso arbitrário e político do sistema judicial”.

Para alertar para a detenção que a seu ver tinha sido injusta, Mikhail Khodorkovski fez greves de fome e tentou mobilizar a opinião pública internacional para o seu estado de saúde, que também se agravara

Mesmo com as críticas do Ocidente, o sistema judicial russo não deixou de aplicar uma pena de nove anos de prisão a Mikhail Khodorkovski pela alegada prática de crimes de fraude. Enquanto esteve detido, a fortuna daquele que chegara a ser o homem mais rico do mundo diminuiu. Em simultâneo, as suas convicções políticas tornaram-se mais fortes.

Para alertar para a detenção que a seu ver tinha sido injusta, Mikhail Khodorkovski fez greves de fome e tentou mobilizar a opinião pública internacional para o seu estado de saúde, que também se agravara. As consequências? Por um lado, o homem foi transferido para um campo de trabalho, acabou agredido por companheiros de cela e viu a sua pena aumentar; por outro, conseguiu ganhar o estatuto de opositor a Vladimir Putin.

Em 2010, Mikhail Khodorkovski chegou a escrever um editorial no New York Times. Assinalando que a década de 90 tinha começado de forma “otimista” para a Rússia, mas tudo mudou cerca de vinte anos depois. “Não temos um parlamento real, uma justiça independente, liberdade de expressão ou uma sociedade civil efetiva”, afirmou, culpando não só o Kremlin por isso, como também as “elites” — aqueles oligarcas que reagiram com aquiescência ao regime de Putin e aderiram ao pacto.

Pela altura em que o homem escreveu o editorial, já se falava de uma possível libertação de Mikhail Khodorkovski, que acabou por se efetivar em 2013, dez anos depois de ter sido preso. Vladimir Putin decide perdoar o antigo oligarca, mas alguns analistas apontam que não foi por misericórdia. Foi antes porque, meses depois, iam acontecer os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, que iam colocar os olhos do mundo na Rússia — e iam destacar os aspetos menos positivos. Masha Green diz mesmo que as olimpíadas eram o “projeto pessoal” do Presidente russo e convinha que os aspetos políticos não se sobrepusessem à cerimónia.

Até 2022, Mikhail Khodorkovski tentou mobilizar a sociedade civil na Rússia, tentando funcionar como um contrapoder. Depois, com a invasão, o magnata, que atualmente mora em Londres, passou a ajudar a Ucrânia e a ajudar o país

Ao sair da prisão, Mikhail Khodorkovski mudou-se para a Alemanha, alertou para a situação dos presos políticos, e agradeceu, no primeiro discurso, a uma pessoa em particular: Angela Merkel. “Só percebi o papel que ela desempenhou na segurança apenas quando cheguei aqui [Alemanha]”.

No exílio, Mikhail Khodorkovski tentou afastar-se dos holofotes. Mas foi por pouco tempo. Em março de 2014, dias depois da anexação da Crimeia, o homem juntou-se às manifestações em Kiev, do Euromaidan, que depuseram o antigo Presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovych. E, a partir daqui, tornou-se um defensor da Ucrânia e da sua independência.

Até 2022, Mikhail Khodorkovski tentou mobilizar a sociedade civil na Rússia, tentando funcionar como um contrapoder. Depois, com a invasão, o magnata, que atualmente mora em Londres, passou a ajudar a Ucrânia e a ajudar o país. Mas Vladimir Putin não esqueceu o adversário, mesmo anos depois de sair do país natal. Em maio de 2022, foi considerado um agente estrangeiro pelo Ministério da Justiça.

Sergei Skripal
O espião do jogo duplo
No exílio

Foi em Tallinn, na Estónia, que Sergei Skripal foi abordado pelos serviços de informações britânicos. Corria o ano de 1995 e o espião, que trabalhou inicialmente para a União Soviética, decidiu aceitar a proposta do MI6: seria agora um agente duplo.

Antes disso, Sergei Skripal tinha começado a carreira na tropa pára-quedista de elite, os Desantiniki e tinha espiado para a União Soviética, através dos serviços de informações do Ministério da Defesa russo, numa cidade europeia que não é conhecida.

Trabalhando durante cerca de quatro anos para o Reino Unido, Sergei Skripal deixou de ser útil aos britânicos em 1999, quando decidiu abandonar o serviço de informações russo. E decidiu que queria abrir um negócio e afastar-se do mundo da espionagem.

Contudo, o passado de Sergei Skripal voltou para o assombrar em 2005. Os serviços de informações russos detiveram-no, acusando-o de ter passado segredos de Estado aos serviços de informações britânicos em troca de dinheiro (cerca de 100 mil euros), que era transferido para um conta em Espanha. A acusação sustenta que Skripal terá passado informação sobre “várias dezenas” de espiões russos, colocando-os em perigo.

Certo é que as relações entre Moscovo e Londres ficaram abaladas. A antiga primeira-ministra britânica, Theresa May, responsabilizou a Rússia pelo envenenamento e expulsou 23 diplomatas russos do Reino Unido

“Ganharam-me”, terá reconhecido Sergei Skripal, segundo o Guardian. A justiça russa condena-o a 13 de anos de prisão por “alta traição”. Ainda assim, o antigo espião apenas cumpre quatro anos de prisão numa troca de prisioneiros entre os Estados Unidos/Reino Unido e a Rússia.

Sergei Skripal fica no exílio no Reino Unido. Ainda assim, está longe de deixar de lado a sua carreira de espião. De acordo com o Financial Times, o MI6 não prescindiu dos serviços do homem, ainda que as suas informações fossem consideradas datadas, já que havia abandonado a carreira militar há cerca de dez anos. Mas era útil, realçou o jornal, para dar algumas dicas sobre “as prioridades russas”. “Como é que se infiltram no Ocidente, como recrutam, como se pode fazer contra-espionagem… Este tipo de coisas, especialmente à medida que se treinam pessoas. É um uso contínuo.”

É difícil que este tenha sido o único motivo para que, sem nada fizesse prever, Sergei Skripal e a filha, Yulia, tivessem sido envenenados em 2018 em Moscovo, quando os dois faziam uma visita à capital russa. Nunca se soube realmente o motivo e que tipo de atividades é que o agente duplo fez para uma resposta tão severa — mas fala-se de possíveis represálias do Kremlin.

Yulia Skripal

Certo é que as relações entre Moscovo e Londres ficaram abaladas. A antiga primeira-ministra britânica, Theresa May, responsabilizou a Rússia pelo envenenamento e expulsou 23 diplomatas russos do Reino Unido.

Após terem ficado em estado crítico, Sergei e Yulia Skripal recuperaram do envenenamento. E o antigo espião decidiu abandonar de vez a profissão. Deixou o Reino Unido e está agora na longínqua Nova Zelândia onde chegou a adotar, durante algum tempo, uma nova identidade.

Denis Kapustin
O hooligan de extrema direita
No exílio

Maio de 2023. No meio da uma tão aguardada contraofensiva ucraniana que tinha como objetivo recuperar territórios ocupados pela Rússia, há uma incursão de tropas na cidade russa de Belgorod, que faz fronteira com a Ucrânia. Um polícia acabou por morrer e várias pessoas ficaram feridas. Desorientadas, as forças de Moscovo demoraram algum tempo a reagir àquilo que parecia ser um ataque levado a cabo por Kiev.

Após várias dúvidas, percebeu-se que não foi a Ucrânia que esteve por trás destes ataques. Os responsáveis acabaram por se identificar e em causa estavam duas milícias paramilitares: a Legião da Liberdade da Rússia e o Corpo de Voluntários Russos. Este último grupo é liderado por Denis Kasputin, um antigo lutador de MMA, com um passado de hooliganismo de futebol (ligado à equipa checa Sparta de Praga e ao Légia de Varsóvia), e um reconhecido ativista de extrema-direita.

Na Alemanha, Denis Kasputin, através do MMA — artes marciais mistas — organizou encontros de membros da extrema-direita. E também entrou em contacto com outros grupos semelhantes nos Estados Unidos e no seu país natal

Nascido em 1984 em Moscovo, Denis Kasputin mudou-se para a cidade alemã de Colónia quando tinha 17 anos sob um regime especial: a de refugiado judeu russo por causa da mãe, que tem origens judaicas. “Tenho problemas com o meu filho”, chegou a reconhecer a familiar em entrevista ao Der Spiegel. O motivo? A sua ligação a movimentos neonazis.

Na Alemanha, Denis Kasputin, através do MMA — artes marciais mistas — organizou encontros de membros da extrema-direita. E também entrou em contacto com outros grupos semelhantes nos Estados Unidos e no seu país natal. Herbert Reul, o ministro do Interior na região alemã da Renânia do Norte-Vestfália, chegou a chamar-lhe “um dos ativistas neonazis mais influentes”.

Vivendo um país com regras muito apertadas para o desenvolvimento de movimentos neonazis por conta do seu passado, a violência e o papel de destaque que foi tendo na extrema-direita alemã (e também suíça) levaram Berlim a tomar uma atitude: impedi-lo de entrar no país e do espaço Schengen em 2019.

Dois anos antes, já tinha ido viver para a Ucrânia, onde foi servir o batalhão Azov. Ainda que fosse russo, Denis Kasputin manifestava-se contra o Kremlin e opunha-se frontalmente à anexação da Crimeia, combatendo no Donbass ao lado das tropas de Kiev. Criou, entretanto, um podcast, em que partilhava as suas ideias políticas juntamente com o supremacista branco Robert Rundo.

“Sou um conservador de direita. Não apoio o multiculturalismo e a imigração descontrolada. Eu não me considero um nacional-socialista, ainda que me tenham dado esse rótulo. Não acredito no socialismo”

Quando Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia, Denis Kasputin estava no lugar certo para continuar a oposição ao regime russo. Inicialmente, lutou ao lado do batalhão Azov, mas o grupo acabou por enfraquecer-se após a tomada de Mariupol, em maio de 2022. Quatro meses depois, fundou o Corpo de Voluntários Russos.

Numa das raras entrevistas que deu — o soldado prefere manter-se longe da ribalta —, não se identifica como neonazi. “Sou um conservador de direita. Não apoio o multiculturalismo e a imigração descontrolada. Eu não me considero um nacional-socialista, ainda que me tenham dado esse rótulo. Não acredito no socialismo”, disse, em entrevista ao portal Atalayar.

O motivo da animosidade com o Presidente russo? Denis Kasputin explica: “Os antigos nacionalistas foram sempre contra o regime de Putin. Ele está a matar os meus amigos nacionalistas nas prisões russas. Ele começou a lutar contra o mundo iluminado e promoveu o slogan ‘todos estão contra a Rússia’. Não é verdade”.

Na mesma entrevista, Denis Kasputin garantiu ainda que vai continuar a defender a Ucrânia, a sua nova “casa”. “Estou na Ucrânia desde 2017 porque a atmosfera na Rússia começou a ser má para ser um nacionalista. Mas também tenho amigos aqui de que sou próximo, por isso decidi que esta é a minha casa”.

Ilya Ponomarev
O crítico da anexação da Crimeia
No exílio

Em Março de 2014, a Crimeia tinha sido invadida e ocupada pelas tropas russas. Os 445 membros da câmara baixa do parlamento russo, a Duma, votavam sobre se concordavam com a realização de um referendo na Crimeia, um procedimento político sem qualquer significado, mas que servia para reforçar a alegada unanimidade na sociedade civil russa em redor da questão. E ela ficou demonstrada: 444 deputados estavam a favor da anexação. Apenas um votou contra: Ilya Ponomarev.

Garantindo que votou de acordo com o que a sua consciência lhe ditava, o homem, que nasceu em Moscovo em agosto de 1975, considerava que a anexação levava a uma “separação entre a Rússia e a Ucrânia”, que deixaria de ser inevitavelmente uma aliada de Moscovo

Após esse episódio, a vida de Ilya Ponomarev alterou-se por completo. Ainda que já tivesse expressado a sua oposição e tivesse participado em manifestações contra o regime russo, o deputado ganhou notoriedade com o seu voto contra. Em entrevista à Deutsche Welle em maio de 2014, contou que recebeu ameaças nas redes sociais, foi chamado “traidor” e houve buscas à casa onde morava. “Esperava que isso acontecesse”, reconheceu de forma serena.

Garantindo que votou de acordo com o que a sua consciência lhe ditava, o homem, que nasceu em Moscovo em agosto de 1975, considerava que a anexação levava a uma “separação entre a Rússia e a Ucrânia”, que deixaria de ser inevitavelmente uma aliada de Moscovo. Na entrevista, reconhecia igualmente que o preço a pagar seria alto, indicando que o regime o ia acusar de crimes como “desvio de fundos” que o poderia levar à prisão. “Não me preocupo.”

As previsões de Ilya Ponomarev acabaram por se concretizar, dois meses depois da entrevista. Tendo desempenhado cargos relevantes na indústria petrolífera anos antes, o homem foi acusado de fraude. Na altura estava na Califórnia — e não pôde regressar à Rússia enquanto as investigações estavam a decorrer.

Com um passado no Partido Comunista por influência familiar — os tios tinham tido cargos de destaque durante a União Soviética — Ilya Ponomarev foi-se moderando politicamente, integrando, no final da sua carreira política na Rússia, uma plataforma de partidos de centro-esquerda. As suas ideias, próximas de vários partidos europeus, geravam desconfiança no Kremlin — ainda mais, quando votou contra a anexação da Crimeia.

A invasão da Ucrânia trocou as voltas ao exílio na Ucrânia. Se Vladimir Putin conseguisse controlar Kiev em três dias como o previsto, Ilya Ponomarev, enquanto crítico do regime, poderia ser assassinado

Após ter ficado impedido de entrar em solo russo, Ilya Ponomarev ficou a viver temporariamente no estado norte-americano da Califórnia. Por sua vez, a Duma desdobrava-se em esforços para conseguir que a imunidade parlamentar de que o deputado dispunha — e que podia travar um possível julgamento — caísse por terra. Devido à ausência nas sessões, o parlamento russo conseguiu levar avante um processo de impeachment em 2016.

Já fora do parlamento russo, em 2016, Ilya Ponomarev escolheu a Ucrânia para viver. O regime de Kiev acolheu-o, emitiu uma autorização de residência e, três anos depois, chegou a atribuir-lhe a nacionalidade ucraniana. E o país, na altura liderado por Petro Poroshenko, protegia-o de qualquer ameaça da Rússia.

A invasão da Ucrânia trocou as voltas ao exílio na Ucrânia. Se Vladimir Putin conseguisse controlar Kiev em três dias como o previsto, Ilya Ponomarev, enquanto crítico do regime, poderia ser assassinado. Assim que, embora ainda possuindo nacionalidade russa, pegou nas armas e juntou-se às forças armadas ucranianas para que o país onde morava resistisse à invasão.

“Não estou a lutar contra a Rússia. Estou a lutar contra o Putin, o putinismo e o fascismo russo”, declarou numa entrevista à Deutsche Welle em abril de 2022. Ao Guardian, admitiu que estaria “orgulhoso” se fosse declarado um agente estrangeiro pelo Kremlin. “É um ato de reconhecimento”, ironizou.

Mais do que no âmbito militar, a preocupação principal de Ilya Ponomarev consiste em garantir que a oposição ao putinismo está unida. Daí que tenha organizado iniciativas em vários países europeus para que os exilados e críticos do regime russo se juntem. Em novembro de 2022, na Polónia, vários opositores a Putin juntaram-se num comício para criar uma alternativa credível à presidência russa. “Um momento histórico.”

O antigo deputado tem tentado desestabilizar a situação interna da Rússia. Enquanto líder do Exército Nacional Republicano, um grupo político-militar com objetivos claros contra o Kremlin, Ilya Ponomarev terá orquestrado a explosão no carro que vitimou Darya Dugina, a filha do ideólogo de Vladimir Putin, Alexandr Dugin. “Este ataque proclamou uma nova página da resistência ao putinismo. Nova, mas não a última”, afirmou.

Mais do que no âmbito militar, a preocupação principal de Ilya Ponomarev consiste em garantir que a oposição ao putinismo está unida

Ainda assim, apesar de ter sido reivindicado, nunca foi reconhecido por nenhuma fonte independente que o Exército Nacional Republicano tenha estado por trás da morte de Darya Dugina. E este ataque não foi, efetivamente, o último contra o Kremlin: em maio de 2023, Ilya Ponomarev ajudou a organizar as incursões a Belgorod. E promete não ficar por aqui.

Leonid Nevzlin
O “primeiro saco de pancada”
No exílio

“Fui um dos primeiros sacos de pancada de Putin.” É assim que o magnata Leonid Nevzlin se define. “Roubou-me negócios, casas em Moscovo, matou-me amigos”, elencou o homem que pertencera à classe oligárquica nos anos que se seguiram à queda da União Soviética. A animosidade ao regime russo foi tanta que, duas semanas depois de a guerra na Ucrânia ter começado, renunciou à nacionalidade russa — e passou apenas a ser israelita.

Natural de Moscovo, Israel acabou por ser o porto seguro de Leonid Nevzlin. Não só depois da guerra ter começado em fevereiro de 2022, como em outras alturas da sua vida, como em 2003, quando Vladimir Putin o tentou deter, quando ocupava um dos cargos mais importantes na maior petrolífera do país: a Yukos.

Nascido no seio de uma família judaica, Leonid Nevzlin começou a trabalhar, em 1981, como engenheiro de software numa empresa pública. Dez anos depois, quando a União Soviética colapsa, passa a trabalhar num banco privado, o Menatep. E aí, entre privatizações dos setores-chaves da economia russa e investimentos estrangeiros, passou a acumular uma fortuna considerável.

Setor bancário, petrolífero e até na comunicação. Leonid Nevzlin fez múltiplos investimentos ao longo da sua vida e chegou a ser um dos homens mais ricos da Rússia. Mas as coisas mudaram quando Vladimir Putin chegou ao poder a 31 de dezembro de 1999. No mundo dos negócios, o oligarca conheceu Mikhail Khodorkovski, outro milionário abertamente anti-regime, com o qual colaborou durante anos.

Em 2008, num julgamento à revelia na Rússia, Leonid Nevzlin foi condenado à pena mais gravosa na justiça russa, que o havia acusado, entretanto, dos crimes de homicídio qualificado e homicídio na forma tentada: a prisão perpétua

Tal como o amigo, Leonid Nevzlin não se submeteu ao pacto que Vladimir Putin tentou firmar com os oligarcas – se estes cedessem as suas ambições políticas, o Presidente russo não os impedia de acumular riqueza. Em 2003, é acusado de fraude, mas consegue fugir para Israel. A Justiça russa bem tentou pedir a extradição de Leonid Nevzlin e a retirada do passaporte, mas Tel Aviv recusou-se a fazê-lo, alegando falta de sustentação nas alegações feitas por Moscovo.

A batalha legal não se ficou por aqui, tendo-se mesmo intensificado. Em 2008, num julgamento à revelia na Rússia, Leonid Nevzlin foi condenado à pena mais gravosa na justiça russa, que o havia acusado, entretanto, dos crimes de homicídio qualificado e homicídio na forma tentada: a prisão perpétua. O objetivo do Kremlin seria convencer as autoridades israelitas a concordar com a extradição, mas não conseguiu ter sucesso: o magnata continuou a viver em Israel.

Insurgiu-se igualmente contra o conflito, afirmando ser contra o “genocídio do povo ucraniano”

Mesmo estando a viver em Israel, Leonid Nevzlin acompanhou de perto a vida política russa e esperava por uma mudança política que substituísse Vladimir Putin. Daí que tenha apoiado movimentos de dissidentes e ajudado a oposição a impor-se. Mas, após o início da guerra na Ucrânia, perdeu toda a esperança na mudança do status quo. “Há muito tempo que tento não associar os bandidos no poder à generalidade da população russa, mas tornou-se impossível ver, ano após ano, a Rússia a degenerar-se por seguir o seu ‘líder’”, escreveu na sua conta pessoal do Facebook.

Insurgiu-se igualmente contra o conflito, afirmando ser contra o “genocídio do povo ucraniano”. Tendo rescindido da nacionalidade russa, Leonid Nevzlin chegou a dizer que é cidadão de Israel, mas que, se pensasse ter uma segunda cidadania, “ficaria orgulhoso se tivesse um passaporte ucraniano”.

Muito ativo nas redes sociais, Nevzlin tem tentado expor as vulnerabilidades do Kremlin. Para isso, publica, principalmente nas redes sociais, algumas informações que diz apurar junto a fontes próximas de Putin. Por exemplo, o magnata israelita avançou (ainda que nunca tenha tido confirmação oficial) que, em março de 2022, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, tinha sofrido um ataque cardíaco.

Ilya Yashin
O opositor que recusou emigrar
Preso

Era numa noite de verão de 2022 quando Ilya Yashin foi detido. Não o surpreendia: afinal, tinha desafiado a malha apertada do Kremlin e tinha criticado a guerra. “Putin é um carniceiro”, chegou a dizer. Para mais, o seu mentor político e principal aliado, Alexei Navalny, também estava atrás das grades, bem como os restantes rostos da oposição que tinham permanecido na Rússia.

Com um passado de oposição ao regime, Ilya Yashin estudou ciência política na universidade e desde cedo se envolveu na atividade partidária, chefiando a juventude do Yabloko — um partido de centro-esquerda e que criticava a presidência de Vladimir Putin. Foi por aquele partido que tentou candidatar-se à assembleia de Moscovo em 2005, mas não teve sucesso.

Aliando-se a outros nomes da oposição russa como Alexei Navalny, aos 31 anos Ilya Yashin conseguiu um cargo na assembleia municipal de Krasnoselsky, em Moscovo

Trocando o Yabloko pela organização centrista Solidarnost, Ilya Yashin continuou a atividade partidária contra o regime: participou em manifestações — na sequência de algumas acabou detido —, criticou em blogs o regime e chegou a publicar investigações sobre os esquemas de corrupção das elites russas. Um dos alvos foi Ramzan Kadyrov, o líder da Chechénia: “Perseguiu e ameaçou políticos da oposição russa que falavam corajosamente contra o regime de Putin”.

Aliando-se a outros nomes da oposição russa como Alexei Navalny, aos 31 anos Ilya Yashin conseguiu um cargo na assembleia municipal de Krasnoselsky, em Moscovo. Tinha intenção de concorrer às eleições da capital russa em 2018, mas acabou por desistir ciente dos desafios que poderia enfrentar.

Apoiando Alexei Navayln quando este foi envenenado e levado para a Alemanha e vendo o cerco a apertar-se, Ilya Yashin decidiu ficar na Rússia. Tenta concorrer às eleições legislativas de 2021, mas é impedido porque a Justiça russa o classifica como “extremista” devido ao apoio que demonstrou ao principal líder da oposição russa. “Tomou-se uma decisão política para não poder concorrer às eleições”, denunciou.

Com a invasão da Ucrânia, não é de estranhar que Ilya Yashin tenha condenado a decisão. “Os russos e ucranianos não se devem matar uns aos outros”, escreveu na suas redes sociais. O opositor desafiou a lei, isto depois de Vladimir Putin — dez dias depois do início do início da guerra — ter assinado um decreto que previa uma pena até 15 anos para quem criticasse o que chamou “operação militar especial”.

Numa carta enviada ao Observador a partir da prisão de Butyrskaya, após lhe ter sido decretada uma pena por ter divulgado “informações falsas” sobre a operação militar especial”, Ilya Yashin deixou duras críticas ao Kremlin

“Vou ficar na Rússia. Enfiem a censura militar no cu. Se eu estiver destinado a estar na prisão por discursos antiguerra, aceitarei com toda a dignidade”, atacou Ilya Yashin. Isto justifica o motivo pelo qual, em junho de 2022, não ficou surpreendido com a sua detenção.

Numa carta enviada ao Observador a partir da prisão de Butyrskaya, após lhe ter sido decretada uma pena por ter divulgado “informações falsas” sobre a operação militar especial”, Ilya Yashin deixou duras críticas ao Kremlin: “Há muito que todos sabem que o Kremlin que não tem quaisquer restrições morais, que as autoridades estão preparadas para os métodos mais radicais de repressão como resposta aos protestos. Se para manter os seus poderes, Putin precisar de dar a ordem de matar os manifestantes e lavar a Rússia com sangue, não tenho dúvidas de que o fará sem hesitação”.

Vladimir Kara-Murza
O ativista político
Preso

Em 2012, o jornalista Vladimir Kara-Murza discursou no Congresso norte-americano perante a Comissão de Direitos Humanos Tom Lantos. O objetivo passava por defender a Lei Magnitsky, o primeiro pacote de sanções que os Estados Unidos da América (EUA) iam aplicar à Rússia desde o final da Guerra Fria. Em causa, estava a morte de Sergei Magnitsky, um consultor financeiro que descobriu uma intrincada rede de corrupção que envolvia o Kremlin. Foi detido, torturado e morreu na cela, após ter sido agredido por vários agentes da polícia.

“Esta lei, um raro exemplo de bipartidarismo, propõe introduzir uma proibição de emissão de vistos e o congelamento dos ativos de dirigentes russos responsáveis pela detenção, abusos ou morte de Sergei Magnitsky”, defendeu Vladimir Kara-Murza. “A lei Magnitsky responsabilizaria os dirigentes corruptos russos e aqueles que violam os direitos humanos”, escreveu num editorial do Washington Post.

Desde cedo que Vladimir Kara-Murza frequentou os círculos políticos da oposição a Vladimir Putin, apoiando o crítico ao regime russo Boris Nemtsov, que foi morto com oito tiros na Praça Vermelha em fevereiro de 2015

Vladimir Kara-Murza começou a ser alvo de retaliações logo em 2012: não podia exercer mais jornalismo. Na profissão desde os 16 anos, o homem foi impedido de trabalhar em órgãos de comunicação sociais na Rússia. Dedicou-se depois à literatura e à produção de documentários sempre com um objetivo em mente: denunciar a corrupção do Kremlin.

Desde cedo que Vladimir Kara-Murza frequentou os círculos políticos da oposição a Vladimir Putin, apoiando o crítico ao regime russo Boris Nemtsov, que foi morto com oito tiros na Praça Vermelha em fevereiro de 2015. Por todos estes motivos, o Kremlin olhava com desconfiança para aquele dissidente político — e não demorou muito a agir.

Em maio de 2015, o antigo jornalista sentiu-se mal. Desconfiou inicialmente que podia ser um problema cardíaco, mas o seu estado de saúde foi piorando ao longo das horas. O diagnóstico? Insuficiência hepática. Com o mesmo nome, o pai de Vladimir Kara-Murza, que teve de ficar coma induzido durante semanas para evitar a falência de órgãos, não teve dúvidas de que o filho foi “envenenado”. “Ele estava saúdavel antes, ele não tinha doenças crónicas. É claro que foi envenenado. Mas porquê e por quem, não sabemos.”

“É difícil acreditar que foi um acidente”, reagiu igualmente Vladimir Kara-Murza após ter tido alta, ainda no mesmo ano. No entanto, nem dois anos depois, sucede um episódio idêntico: sente-se mal, é novamente hospitalizado e é novamente diagnosticado com falência hepática. O diagnóstico dos médicos não descartava a hipótese de o organismo do opositor de Putin ter estado em contacto com uma “substância tóxica”, mas nenhum conseguia identificar o que tinha provocado a doença. Mesmo no estrangeiro, onde fez fisioterapia, nunca se apurou qual tinha sido o motivo daqueles sintomas.

Nos anos que se seguiram até à invasão e desde que recuperou do último envenenamento, Vladimir Kara-Murza colaborava com meios de comunicação sociais internacionais, participava em think-tanks para alertar para o que se passava na Rússia e tentava apoiar os movimentos que se opunham ao regime russo no solo russo.

O diagnóstico dos médicos não descartava a hipótese de o organismo do opositor de Putin ter estado em contacto com uma “substância tóxica”, mas nenhum conseguia identificar o que tinha provocado a doença

Quando começou a guerra, Vladimir Kara-Murza criticou o ”regime de assassinos” controlado por Vladimir Putin e não foi brando relativamente ao conflito. Foi detido em abril de 2022, por “divulgar informações falsas sobre o estado da operação militar especial”. Mas o dissidente não se mostrava arrependido do que fizera: “Estou na prisão pelas minhas visões políticas. Por falar contra a guerra na Ucrânia, por ter sobrevivido muitos anos na luta contra a ditadura de Putin, por facilitar as sanções da Lei Magnitsky. Estou orgulhoso.”

Igor Girkin
O veterano do Donbass anti-Kremlin
Preso

Eram longas horas de transmissão em direto no YouTube. O antigo militar e membro dos serviços de informações pertencentes ao Ministério da Defesa russo Igor Girkin publicava vídeos em que abordava a guerra na Ucrânia, sempre com uma visão ultranacionalista e mais dura do que a do Presidente russo, a quem acusava, juntamente com o Ministério da Defesa, de gerir a invasão de forma frouxa.

Um dia após o fim da rebelião do grupo Wagner, Igor Girkin atirou-se a Vladimir Putin. “Se ele não consegue liderar ou criar condições para um país em guerra, deve transferir os poderes de forma legal. Isto a alguém que seja capaz de aguentar um trabalho tão árduo”, disse, numa das transmissões no Youtube.

Num tom ainda mais crítico, Igor Girkin chamou “crápula” e “vagabundo covarde” ao chefe de Estado russo, num vídeo a 18 de julho. “Durante 23 anos, este país foi liderado por um crápula que conseguiu atirar areia para olhos de uma parte significativa da população. Agora, ele parece ser o último reduto de legalidade e estabilidade do Estado. Mas o país não vai ser capaz de suportar outros seis anos deste vagabundo covarde no poder”, atacou.

Nascido em 1970 em Moscovo, Igor Girkin é descrito como uma “caricatura” da era Putin, exagerando no nacionalismo e no militarismo defendido pelo atual Presidente russo

Estas últimas palavras duras para com o Presidente russo tiveram um efeito praticamente imediato. No dia 21 de julho, Igor Girkin foi detido e acusado de “incitar o extremismo”. Os advogados que o defendem discordam dessa leitura, indicando que o antigo militar “criticou abertamente e com razão as ações de órgãos governamentais, incluindo o Presidente”. Acusando o Kremlin de negar a “liberdade de expressão”, a equipa legal denunciou que o governo está a “afastar-se de valores básicos” que devem guiar uma sociedade.

Apesar das críticas duras que endereçou a Vladimir Putin, Igor Gurkin não o criticou por discordar da invasão da Ucrânia ou por querer uma sociedade mais liberal. Muito pelo contrário: o antigo militar defendia uma maioria intervenção das tropas de Moscovo na Ucrânia. E foi, durante muito tempo, leal ao Kremlin e cumpriu de forma exemplar todas as missões que lhe foram conferidas.

Nascido em 1970 em Moscovo, Igor Girkin é descrito como uma “caricatura” da era Putin, exagerando no nacionalismo e no militarismo defendido pelo atual Presidente russo. “É uma pessoa que vive no início do século XX. E já era assim antes”, contou ao New York Times Alexei Makarkin, que estudou com ele História na Universidade Estatal Russa de Humanidades. Ultranacionalista e reacionário, o homem chegou a defender o regresso do império czarista e teve sempre um profundo interesse no estudo da história militar.

Defendendo a grandeza da Rússia de forma aguerrida, Igor Girkin move-se pela ideologia. Daí que tenha ingressado nos serviços de inteligência na unidade contraterrorismo do FSB, um ramo dos serviços de informações russos. Sempre que tinha oportunidade, o homem lutava pelos interesses da pátria russa: esteve na Chechénia, na Transnístria (uma região pertencente à Moldávia que se identifica como russa) e no Donbass aquando do início da guerra civil em 2014. E até esteve na Bósnia-Herzegovina, durante a guerra dos balcãs, apoiando o lado sérvio.

Em fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Igor Girkin adotou um posicionamento a favor. E tornou-se uma celebridade no Telegram, onde criou grupos para discutir a guerra, e no Youtube, plataforma em que divulga vídeos a analisar o conflito

Foi durante as intervenções militares na Ucrânia em 2014 que Igor Girkin se notabilizou. Foi um dos primeiros soldados a chegar à Crimeia na altura da anexação, esteve na guerra civil do Donbass, onde comandou batalhões. Chegou a ocupar os edifícios administrativos de Sloviansk, ocupando a cidade localizada na província de Donetsk, e tornou-se comandante supremo das tropas no Donetsk durante dois dias, mas as suas ambições rapidamente caíram por terra após uma contraofensiva ucraniana que recuperou territórios.

Ambicioso e num terreno em que o sistema de comando e controlo era pouco claro, Igor Girkin passou a desempenhar um grande papel na luta do Donbass. E terá sido ele a dar o ‘sim’ para abater o voo MH17 da Malasyia Airlines, que levou à morte de 298 pessoas, praticamente todas de nacionalidade holandesa, o que criou um problema diplomático entre os Países Baixos e a Rússia.

Depois da fase inicial da guerra no Donbass, Igor Girkin afastou-se dos campos de batalha e voltou para Moscovo. Mas não é claro o paradeiro do antigo militar durante alguns anos, nem é certo se continuou a trabalhar para os serviços de informações.

Em fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Igor Girkin adotou um posicionamento a favor. E tornou-se uma celebridade no Telegram, onde criou grupos para discutir a guerra, e no Youtube, plataforma em que divulga vídeos a analisar o conflito. No entanto, o antigo militar ficou desapontado com as ações das forças russas, quando se retiraram da zona de Kiev no final de março de 2022 ao debaterem-se com grandes dificuldades no campo de batalha.

Não foram só a presidência russa e as chefias militares os únicos alvos das críticas. Em janeiro de 2023, quando o grupo Wagner tentava lutar por Bakhmut, Igor Girkin também não ficou satisfeito com o que via

Como entusiasta da história da guerra, Igor Girkin apontou diretamente o dedo às chefias militares, nomeadamente ao ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu. Acusava-o de uma fraca liderança militar e de não ter uma estratégia eficaz. E as críticas aumentaram de tom quando a Rússia perdeu Kharkiv (o que obrigou o Kremlin a ceder à linha mais dura e a decretar a mobilização parcial) e a cidade de Kherson.

Perante o que via no campo de batalha, não ficou de braços cruzados e foi para o campo de batalha tentar recuperar a “honra” das tropas russas. Mas ficou extremamente desiludido com o que encontrou: “As tropas russas lutam por inércia, não têm ideia dos objetivos estratégicos desta campanha militar. Na maior parte das forças armadas, os soldados e oficiais não entendem em nome de quê, para quê e por que objetivo estão a lutar.”

Não foram só a presidência russa e as chefias militares os únicos alvos das críticas. Em janeiro de 2023, quando o grupo Wagner tentava lutar por Bakhmut, Igor Girkin também não ficou satisfeito com o que via. Porém, contrariamente a Sergei Shoigu e Vladimir Putin que ignoravam as críticas, Yevgeny Prigozhin respondia ironicamente: “É tempo de o senhor Girkin demonstrar as suas capacidades e colocar as suas palavras em prática”.

Recentemente, Igor Girkin tentava encontrar aliados que partilhassem com ele o fervor pela guerra e adotassem uma linha mais dura; criou, para o efeito, o “Clube dos Patriotas Zangados” em maio. Mas poucos estavam dispostos a dar a cara, cientes dos riscos que podiam correr. Igor Girkin julgava, pelo contrário, que a tolerância do Presidente russo, que ainda durou alguns meses, se prolongaria — mas a paciência de Vladimir Putin acabou e ele foi detido.

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