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As ruas são bloqueadas pelo exército, ninguém entra ou sai, nem mesmo as ambulâncias. Bulldozers aplanam ruas inteiras, sobrevoados por drones. Eletricidade, água e internet são cortadas. O cenário de destruição, descrito por residentes ao New York Times, repete-se em Jenin, Tulkarm, Nablus. Mas estas cidades palestinianas não são em Gaza, onde a ofensiva das Forças de Defesa de Israel (IDF) se prolonga há mais de um ano. “É a Gazaficação do norte da Cisjordânia“, resume ao jornal norte-americano Nadav Weiman, diretor da Breaking the Silence, uma associação israelita que recolhe testemunhos de soldados das IDF envolvidos nestas operações.
Os raides das IDF na Cisjordânia têm-se repetido ao longo dos últimos 20 anos. Agora, com o mundo de olhos postos em Gaza e no Líbano, a ofensiva israelita na Cisjordânia acelerou. “É uma guerra silenciosa”, atira Khaled Elgindy, diretor do programa sobre a Palestina do Middle East Institute, em declarações ao Observador.
Não foi só a abordagem militar que mudou desde o 7 de Outubro. O número de ataques de palestinianos cresceu, num momento em que a Autoridade Palestiniana — responsável pelo controlo do território e sem eleições desde 2006 — está deslegitimada e é impopular, enquanto o Hamas e outros grupos regionais ganham relevância no território. Ao mesmo tempo, por toda a Cisjordânia há relatos de civis israelitas que pressionam, agridem e ocupam territórios de palestinianos para construir novos colonatos — ilegais à luz do Direito Internacional.
A expansão de Israel sobre o território tem contado, para já, com a aceitação tácita do governo de Telavive. Na verdade, os planos de alguns membros do executivo de Israel incluem a total anexação da Cisjordânia já em 2025, como afirma o ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich — membro de um dos partidos de extrema-direita que compõem a coligação —, o que quebraria uma política de décadas dos anteriores governos. No entretanto, a violência dentro da Cisjordânia continua.
Dois territórios, três zonas e controlo israelita. O Direito Internacional desenhou a Cisjordânia, mas modelo não funciona
Falar sobre a Cisjordânia em 2024 exige um olhar breve sobre a História e a geografia da região. A Cisjordânia é um dos dois territórios que compõem a Palestina e estende-se ao longo do rio Jordão, na fronteira com a Jordânia. A oeste, na costa do Mediterrâneo, fica o segundo território, mais pequeno, a Faixa de Gaza. Assim se explica o lema utilizado pelos movimentos a favor de um Estado palestiniano: do rio [Jordão] até ao mar [Mediterrâneo] — o que pode ser entendido como a defesa da eliminação do Estado de Israel. As fronteiras entre Israel e Palestina ficaram definidas nos Acordos de Oslo, assinados em 1993 pelo governo israelita e pela Organização pela Libertação da Palestina (a OLP de Yasser Arafat), que previam a divisão da Palestina em três zonas — e excluindo da equação Jerusalém Oriental, com um regime próprio.
A Zona A, composta por Gaza e uma parte da Cisjordânia, está sob controlo militar e administrativo civil das autoridades palestinianas — o Hamas em Gaza e a Autoridade Palestiniana (AP) de Mahmoud Abbas na Cisjordânia. A Zona B, na Cisjordânia, está formalmente sob controlo administrativo exclusivo da AP, mas as questões de segurança são articuladas entre as autoridades israelitas e palestinianas. A Zona C é totalmente controlada por Israel, com milhares de colonos. A AP assegura apenas serviços de saúde e educação nesta área. Mas este sistema complexo, previsto pelo Direito Internacional, é bem diferente do que acontece na realidade.
“Estas divisões não são significativas. Nunca foram definidas para serem uma extensão da ocupação israelita, mas foi nisso que se tornaram”, considera o investigador Khaled Elgindy, norte-americano com ascendência egípcia e especialista em questões do mundo árabe. Na prática, Israel “entra e sai da Zona A como lhe apetece”. Na Zona B, Israel tem aumentado as ordens de confisco de terras, uma medida que choca com a administração civil do território. A zona C mantém-se sob controlo israelita, como previsto em Oslo.
Elgindy nota que a situação é o oposto do que os Acordos previam: “Era suposto as zonas A e B aumentarem e a C diminuir”, aponta. “Mas acabou por se tornar outra ferramenta para controlar os movimentos, recursos e terras palestinianas”, defende ao Observador. A B’Tselem, uma organização de direitos humanos israelita focada nos territórios ocupados, vai mais longe: “O regime israelita exerce sobre todos os territórios que controla um regime de apartheid“, acusa o porta-voz Shai Parnes, ao Observador.
Guy Ziv, diretor do Centro Meltzer Schwartzberg para Estudos Israelitas, em Washington, coloca água na fervura. Considera que o problema não é de agora e que as soluções previstas em Oslo morreram há já muito tempo, colocando o ponto de viragem na Segunda Intifada. O levantamento palestiniano prolongou-se entre 2000 e 2005 e ficou marcado pelos ataques bombistas palestinianos, que mataram mais de 700 civis israelitas, e pela resposta das IDF, que mataram mais de dois mil palestinianos entre civis e atacantes. Desde então, a situação só continuou a degradar-se. “Ao fim de anos de violência, a solução de dois Estados já não é popular entre israelitas ou palestinianos”, decreta.
Durante os últimos 13 meses, a situação agravou-se. O gatilho foi o 7 de Outubro de 2023. Depois do massacre do Hamas em território israelita, Telavive respondeu com uma ofensiva contra Gaza, que já matou mais de 44 mil pessoas. Ao mesmo tempo, a situação na Cisjordânia tornou-se mais violenta.
Ataques terroristas com apoio do Irão e do Hamas, raides militares de Israel em resposta. Está a Cisjordânia a transformar-se numa segunda Gaza?
O retrato da Cisjordânia, captado pelo New York Times, mostra o resultado direto de meses de raides, mas também de ataques aéreos das IDF, que justificam as operações com questões securitárias. O objetivo é eliminar ameaças terroristas e prevenir ataques contra Israel, destruindo as células do Hamas e da Jihad Islâmica Palestiniana na Cisjordânia. Os militares garantem que 98% de todas as pessoas mortas nestes ataques estavam identificadas como terroristas. Dentro do território, a perceção é outra: habitantes e os trabalhadores humanitários ouvidos pelo jornal norte-americano classificam os raides como “guerra” e traçam semelhanças com os métodos e justificações que foram e estão a ser utilizados em Gaza.
Os números confirmam o aumento da violência. Desde o 7 de Outubro, 733 pessoas foram mortas na Cisjordânia — o equivalente a 42% de todas as pessoas as mortas no território desde 2008, segundo o gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (OCHA). Uma fatia significativa destas vítimas mortais (167) são menores de idade — 162 rapazes e 5 raparigas. O New York Times relata dois casos de rapazes com menos de 18 anos que foram identificados como terroristas e mortos pelas IDF.
A cidade onde se registam mais confrontos é Jenin, no extremo norte da Cisjordânia, onde a OCHA registou 73 mortos e onde as forças israelitas realizaram, no início de setembro, o raide mais violento desde o início da guerra. Ao longo de dez dias, as forças israelitas cortaram água, luz, internet e bloquearam estradas, impedindo a circulação de ambulâncias, medicação e alimentos e impedindo os hospitais da zona de continuarem a operar. Na prática, os habitantes estavam presos nas suas próprias casas e 39 pessoas foram mortas, denunciaram organismos de saúde palestinianos como o Crescente Vermelho. “Chamamos a Jenin uma pequena Gaza“, remata um membro da administração local, Saleem Al-Sade, ao Times.
Por mais ou menos tempo e com mais ou menos mortos e detidos, os raides na Cisjordânia repetem-se. O mais recente foi em Nablus, também no norte, nos dias 5 e 6 de novembro. Vinte pessoas foram detidas, “algemadas, vendadas e deixadas sem comida ou água por períodos de 5 a 19 horas. Nove relataram que tinha sido vítimas de espancamentos”, destaca o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR).
Israel garante que está a responder com mais raides porque há um “aumento do terrorismo palestiniano”. No último ano, em paralelo com a guerra em Gaza, a Agência de Segurança Israelita (ISA) registou 1.245 ataques a partir do norte da Cisjordânia — 435 foram contra alvos das IDF. Os atacantes palestinianos utilizam habitualmente carros como aríetes, para atingir alvos militares e civis, mas também recorrem a armas brancas e bombistas suicidas. Para além disso, Fabian Hinz, analista militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, afirmou em entrevista à Deutsche Welle que há armamento iraniano a ser contrabandeado para a Cisjordânia, na maioria pequenas armas e metralhadoras. “Mas ainda não vimos o tipo de armamento poderoso como o que existe em Gaza — rockets de longo alcance ou mísseis anti-tanque”, ressalva. Segundo a contagem da ISA, 24 israelitas foram mortos nestes ataques desde o início deste ano.
A investigadora Neomi Neumann, do Washington Institute, considera que a Cisjordânia está realmente “Gazaficada”, mas argumenta que este fenómeno começou ainda antes dos raides. A “Gazaficação” começou quando as células do Hamas e da Jihad começaram a acumular armamento, “a desenvolver explosivos e a escavar túneis” na Cisjordânia, escreve a especialista na Palestina num artigo intitulado “Priorizar a Cisjordânia num contexto de escalada e deterioração”. A Autoridade Palestiniana de Mahmoud Abbas — controlada pela Fatah de Arafat, opositora interna do Hamas — não parece conseguir controlar esse crescimento.
Neumann acrescenta que, para além do apoio iraniano, os grupos terroristas também contam com o apoio popular palestiniano, o que os ajuda a crescer. As sondagens revelam que, ao longo do último ano, o apoio ao Hamas em Gaza e na Cisjordânia duplicou de cerca de 20% para 40%, enquanto a Fatah caiu a pique. A especialista aponta várias justificações para este apoio, entre elas a “perceção de que o Hamas está a restaurar a honra palestiniana”, o “enfraquecimento da AP” e a violência entre palestinianos e “extremistas judeus”. Esta última “aprofundou o sentimento público de aflição”, argumenta.
Expansão dos colonatos e violência dos colonos. Desejo de “supremacia” ou de “paz e segurança”?
Quando fala em violência de extremistas, Neomi Neumann refere-se não às ações dos militares israelitas, mas sobretudo ao ciclo de violência entre civis — palestinianos e colonos israelitas. As Nações Unidas registaram um total de 1.423 de ataques de colonos israelitas contra palestinianos, entre outubro de 2023 e setembro de 2024, que resultaram em 21 mortos, 650 feridos e a destruição de milhares de oliveiras, o principal meio de subsistência dos agricultores que habitam esta região.
Para além da pressão e dos ataques diretos, as ações dos colonos israelitas também passam pela construção de novos colonatos na Zona B, onde Israel não tem formalmente controlo administrativo.
Ao mesmo tempo, a extensão dos colonatos em teritório palestiniano avança. Desde o 7 de Outubro, foram construídos 43 novos postos avançados, o início de novos colonatos — a média até aqui era de sete novas construções por ano. Além disso, 24 mil quilómetros quadrados de territórios palestinianos foram “declarados como terras do Estado [de Israel]” — uma interpretação da lei israelita que permite o confisco de terras —, a maior ocupação de terras palestinianas por Israel desde os Acordos de Oslo, segundo o observatório Peace Now.
A B’Tselem considera que estas ações são levadas a cabo com a aprovação do executivo de Telavive. “O Estado apoia estes atos de violência e os seus agentes participam muitas vezes diretamente”, denuncia Shai Parnes. “Portanto, a violência dos colonos é uma política do governo”.
Guy Ziv tem uma visão diferente sobre a violência extremista na Cisjordânia. “A questão aqui é: como podem israelitas e palestinianos viver juntos em paz e segurança?”, defende ao Observador.
Para alcançar esse objetivo, diz, Israel não tem outro remédio senão “endereçar as ameaças à sua segurança”, perpetradas pelo Hamas e pela Jihad, que, para além de controlarem Gaza, ganham agora terreno também na Cisjordânia. “Israel não tem uma posição clara sobre a Cisjordânia”, acrescenta o israelita, para explicar a complexidade da situação. E a comunidade internacional também não.
A (ausência de) resposta da Autoridade Palestiniana e as sanções tímidas da União Europeia e dos EUA
A Autoridade Palestiniana (controlada pela Fatah), que administra os territórios, não tem capacidade efetiva para controlar a Cisjordânia. Por um lado, perdeu legitimidade por não convocar eleições há quase 20 anos. Por outro, principalmente nas zonas norte da Cisjordânia onde a violência é maior, as células do Hamas e da Jihad — opositoras internas da Fatah — multiplicam-se. A sua autoridade é “basicamente irrelevante”, definiu Steven A. Cook, especialista do think tank Council of Foreign Relations.
A AP justifica-se dizendo que não tem os meios financeiros para gerir efetivamente o território e aponta o dedo a Israel, por reter anualmente 2% a 4% do PIB da AP. Esta quantia é retida em impostos cobrados por Israel na Zona C. Israel explica que esse valor é habitualmente atribuído às famílias de palestinianos mortos pelas IDF e Telavive considera que isso é atribuí-lo a familiares de “terroristas” — e, portanto, uma forma de financiar atividades ilegais. A AP, contudo, mantém um orçamento próprio e vai sobrevivendo sobretudo graças a apoios externos. A organização de Abbas continua a contar com financiamento internacional, como a mais recente tranche disponibilizada por França e Reino Unido em ajuda humanitária.
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) classificou a ocupação de terras palestinianas por colonos como violações do Direito Internacional em julho deste ano. Na decisão do tribunal da ONU pode ler-se que “as práticas agravam a violação do direito à autodeterminação do povo palestiniano”. Mas o TIJ não tem jurisdição sobre os países visados pelas suas avaliações, a não ser que ambas as partes decidam aplicar as recomendações legais.
Apesar disso, a comunidade internacional recorre à aplicação de sanções sobre a questão da extensão dos colonatos, quer a colonos individuais, quer a empresas que construam nas regiões ocupadas. A União Europeia aprovou as últimas sanções contra cinco indivíduos e três empresas israelitas este verão, medidas que não se traduziram num abrandamento da violência dos colonos. Mas há quem, como Khaled Elgindy, considere que são medidas insuficientes: “As pessoas já quase não estão a prestar atenção a Gaza, apesar de as atrocidades não terem parado. Ninguém tem margem para se focar também na Cisjordânia, para além de Gaza, do Líbano, do Irão, dos Houthis…”.
Khaled Elgindy, contudo, acusa Bruxelas de ter o “mau hábito de esperar por Washington” para tomar decisões relativas a Israel ou à Palestina. Ou seja, de aprovar medidas só depois de os Estados Unidos o terem feito.
Qual será a política de Trump para a Cisjordânia, numa altura em que os Acordos de Oslo “estão mortos em espírito”?
Com a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, os membros mais radicais dentro do governo israelita elogiaram uma nova administração com mais “amigos de Israel”. Um deles é Mike Huckabee, o novo embaixador norte-americano em Israel, que, em declarações de 2017, recusou proferir as palavras “Cisjordânia” ou “colonatos”, preferindo “Judeia e Samaria” — os nomes bíblicos para os territórios que são utilizados por Israel — e “bairros ou cidades”.
Joe Biden sempre foi um forte apoiante do Estado de Israel, num tema que reúne consenso político nos Estados Unidos. No entanto, sempre defendeu a solução de dois Estados e, por repetidas vezes, terá confrontado Benjamin Netanyahu e apresentado ultimatos à ajuda norte-americana ao país. Tal como a UE, também foi impondo sanções contra colonos na Cisjordânia. A mais recente data de 18 de novembro, imposta à maior empresa de desenvolvimento de colonatos ilegais, a Amana, sob acusações de prejudicar “a paz, a segurança e a estabilidade na Cisjordânia”.
Não é ainda claro se a política dos EUA com Trump irá além do consenso que tem existido ao longo de décadas em Washington. Alguns colonos israelitas e ministros mais à direita veem com bons olhos a nomeação de Huckabee, por considerarem que uma nova administração Trump poderá ser mais favorável à sua extensão pela Cisjordânia, anexando-a totalmente. Do lado palestiniano, há quem pense que o rumo será exatamente esse: “Com Trump, pode esquecer-se qualquer conceito de respeito pelo Direito Internacional, isso é atirado janela fora”, diz Elgindy ao Observador.
Mas não é líquido que seja essa a posição do novo Presidente. Ainda este mês, dois responsáveis que fizeram parte do primeiro governo de Trump, segundo o Times of Israel, avisaram vários ministros israelitas que um apoio dos Estados Unidos a uma anexação da Cisjordânia não está garantido.
Guy Ziv, por seu turno, defende que “o Direito Internacional não é a principal questão”. “Os Acordos de Oslo foram quebrados várias vezes por ambas as partes; estão mortos em espírito há muito tempo”, declara ao Observador. O professor considera que Israel deve é olhar para dentro e para a extrema-direita que defende que a chegada de Trump abre portas a anexação da Cisjordânia. “A anexação seria o fim do sonho dos fundadores do Estado de Israel, que projetaram uma democracia liberal”, argumenta.
Smotrich e Ben Gvir defendem anexação da Cisjordânia, quebrando política de governos anteriores. Netanyahu pode ceder?
Israel celebrou a reeleição de Donald Trump, que o primeiro-ministro israelita classificou como “o maior regresso da História”. Mas Telavive não espera por Washington — ou por qualquer parte da comunidade internacional — para avançar com novas medidas na Cisjordânia.
Exemplo disso é o fim das ordens de detenção administrativa para colonos israelitas, anunciada pelo novo ministro da Defesa na passada sexta-feira. Trata-se de uma exceção a uma lei atual, que permite a detenção de suspeitos sem acusações formais. A mudança, anunciada pelo ministro Katz, é que a lei deixa de abranger colonos que ataquem habitantes da Cisjordânia, aplicando-se apenas aos palestinianos. “Quando os colonatos estão sujeitos a sérias ameaças terroristas palestinianas, não é apropriado o Estado de Israel tomar medidas tão severas contra as pessoas dos colonatos”, justificou o ministro.
A nova lei de Katz, contudo, não é unânime. Do lado palestiniano, como seria de esperar, a AP afirma que a ausência de punição encoraja a violência dos colonos. Mas até dentro de Israel houve avisos contra a medida: o serviço de segurança interna israelita, o Shin Bet, alertou que a medida causará “danos severos e imediatos” na segurança do Estado.
Dentro do governo, porém, a medida foi celebrada por alguns. Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças, afirmou que a exceção “acaba com a injustiça contra os colonos, [vistos] como cidadãos de segunda”. Já Itamar Ben-Gvir, o ministro da Segurança Nacional também de extrema-direita, declarou que foi feita “justiça para os que amam a terra”.
Smotrich e Ben-Gvir querem mais e abanam a bandeira da anexação total da Cisjordânia. Essa anexação sempre foi um interesse da extrema-direita israelita, que, ao longo da História, não teve qualquer presença num governo — até agora. “Todos os governos israelitas — incluindo os liderados por Netanyahu — recusaram esse passo devido às implicações para Israel como um Estado democrático”, explica o professor Guy Ziv. “Hoje, Netanyahu está numa posição diferente”, nota o autor do livro Netanyahu vs The Generals. O especialista israelita considera que isso é motivo suficiente para o primeiro-ministro ceder às pressões extremistas.
A “posição diferente” de Netanyahu neste momento tem dois motivos. Por um lado, está envolvido num julgamento por corrupção, que o enfraquece politicamente. Por outro, o seu executivo de coligação depende dos ministros de extrema-direita para se manter de pé. “É mais provável que Netanyahu aceite as exigências de anexação da extrema-direita do que nunca. Ele está mais focado na sua sobrevivência política do que em considerações a longo prazo para Israel”, argumenta Ziv ao Observador.
A divisão quanto à Cisjordânia reflete-se no povo israelita. A extrema-direita defende vincadamente a anexação, mas é um grupo minoritário. “A maior parte dos israelitas quer ver Netanyahu fora do poder”, nota Ziv. Mas enquanto a extrema-direita se une à volta de um propósito, a oposição está dividida e fragmentada.
Formalmente, as principais ferramentas para impedir a anexação da Cisjordânia e garantir o respeito pelos Acordos de Oslo são o Direito Internacional e a capacidade da comunidade internacional para o aplicar. Mas, na prática, tudo depende dos equilíbrios dentro do executivo israelita. “A Cisjordânia pode ir em qualquer direção. Quem irá parar Israel?”, questiona Khaled Elgindy, que teme a influência de figuras como Smotrich e Ben-Gvir.
Outros, como o professor Guy Ziv, consideram que o avanço para uma anexação não seria benéfico para nenhum dos lados. “A anexação não é só um perigo para os palestinianos”, afirma o especialista israelita. “É também um perigo para o futuro de Israel como um Estado judeu e democrático”, remata.