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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Reportagem. De Leiria a Ourém, as chamas passam, mas acabam por regressar: "O último dia ainda não sabemos qual é"

Desta vez, nem a noite ajudou. A dança do fogo tirou o sono a Maria, mas deu-lhe “uma genica que não sabe de onde vem". Há vários idosos retirados de casa pela segunda vez que só pensam em voltar.

As chamas enganaram Maria. Afinal, bateram-lhe à porta. Quando esta terça-feira olhou pela janela, uma pequena fogueira do lado oposto da estrada nacional 348, na freguesia de Almoster, em Leiria, dava os primeiros sinais daquela que seria uma tarde e uma noite que lhe trouxeram forças “sabe-se lá de onde”. Quando saiu para avisar o marido, o fogo já tinha atravessado o alcatrão. E foi aí que percebeu que estavam sozinhos. Não tinham outra alternativa, a não ser pegar nas coisas que estavam mais à mão, já que abandonar a casa nunca foi uma hipótese: enxadas e mangueiras. Com a água, regaram o terreno e as paredes da casa. E, com a enxada, iam tentando esconder as chamas com terra.

Nem sinal de bombeiros, nem autoridades, como tem sido habitual em várias localidades dos concelhos de Leiria, Ourém e Pombal. Finalmente, apareceram pessoas das aldeias vizinhas que ajudaram o casal de 60 anos e a casa ficou intacta. Pouco branca, é certo, mas com cor suficiente para fazer um contraste com o chão preto que ainda esta quarta-feira queimava. E reacendia. E apagava outra vez.

As chamas voltaram a aparecer perto da casa de Maria

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Esta dança das chamas nos terrenos junto à casa de Maria tiraram-lhe o sono, mas deram-lhe outra coisa: “uma genica, que a gente nem sabe de onde é que ela vem”. Esta manhã, depois de uma noite que não serviu para dormir, a enxada e a água continuavam perto dela, que passou horas com o marido a apagar “pequenas fogueirinhas”. E ela até já decorou o processo: “Isto deixa as raízes, depois a terra aquece, aquece e começa a arder outra vez”.

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Enquanto explicava o processo de reacendimento, sempre mostrando a vertente prática, Maria apagava as chamas que voltaram e que estavam à frente da casa de um vizinho. Desta vez, já mais de 24 horas depois de as chamas terem destruído os seus terrenos, acabou por ficar sozinha, com a mangueira e com a enxada. Quem parou para a ajudar teve de correr para outro incêndio que começou numa zona de mato perto do cemitério de Almoster e também o seu marido tinha ido para lá. “Ui, para lá está pior, está. Eu agora fico aqui sozinha, também não deve haver perigo”.

O marido e quem ajudou Maria seguiram então pela nacional 348. Um dos destinos deste percurso chama-se Casal da Rainha, uma aldeia onde começou a arder uma zona de mato, já ao final da tarde desta quarta-feira, e juntou centenas de bombeiros e militares da GNR. Aliás, de acordo com Ricardo Costa, comandante do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Leiria, estavam, por volta das 21h desta quarta-feira, cerca de 450 operacionais, “praticamente todos na frente de Almoster”.

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O acesso para a aldeia foi logo cortado e, com a chegada da noite, a iluminação continuava a ser dada pelas chamas, numa sinfonia com as luzes azuis dos carros de bombeiros. O cheiro, esse, é o habitual. E o som é de foguetes sem ritmo.

À entrada da aldeia, junto ao cemitério, paravam os carros que seguiriam para o combate ao fogo e várias pessoas das aldeias em volta — curiosos e com vontade de ajudar. Já outros, assumiam papéis mais específicos: Ana Maria tem um lagar de azeite mesmo junto ao cemitério, sobre o qual diz, aliás, que “temos todos lugar guardado, sobretudo quando há fogo”, Virgínia tem a sua casa à frente do cemitério e recusa arredar pé e um casal que fugiu de Casal da Rainha, depois de atirar a roupa para dentro do carro e decidir voltar para a sua primeira casa, que é em Lisboa.

Ali, em vez de alívio, a noite trouxe vento, que mudava constantemente de direção. E o vento foi um dos fatores que levou as autoridades a colocarem Almoster na linha vermelha. “Vamos passar por situações complicadas, em que há várias rotações do vento, poucos acessos, muitas localidades com gente idosa, que é preciso deslocar e que naturalmente estão a passar por uma situação muito delicada”, explicava o comandante do CDOS de Leiria, em relação a esta freguesia. Mais perto das 23h, a confusão no local espelhava a falta de informação sobre o que se estava realmente a passar nas pequenas localidades cercadas pelo fogo e pelos pedidos de informações sobre as respetivas localidades, feitos pelos bombeiros destacados de diversas zonas do país, que não conheciam o terreno.

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“O último dia ainda não sabemos qual é”

O fogo vai, vem, dá a volta e volta a passar. Mesmo por sítios onde já marcou levemente a sua presença. Aconteceu ainda esta quarta-feira à noite em Almoster e aconteceu a cerca de 30 quilómetros dali, em Lavradio, concelho de Ourém, ao final da manhã, depois de as chamas terem passado por ali no dia anterior.

Nesta aldeia, é a vez de Emília pegar na enxada. Vai em direção à casa do irmão, que vive fora de Portugal, e começa a mexer a terra. Faz desaparecer os vestígios de vegetação mais próxima da habitação e volta para casa. Afinal, precisa de “descansar as pernas”, depois de uma noite sem dormir. “Há 24 horas que não comia. Comi agora um bocadinho, mas nada de especial”, contou.

O fogo chegou à aldeia na terça-feira e, nesse dia, Emília encontrou-se com a irmã na propriedade que esta última tem e onde estão porcos e ovelhas. Os animais sobreviveram, apesar de terem ficado sozinhos. Quando as duas se preparavam para regar todo o terreno, evitando assim a propagação do fogo, a GNR obrigou-as a sair, por segurança. “Foram lá buscar a gente pela mão, pegaram em nós e levaram-nos”.

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Ao lado de Emília, os moradores multiplicavam-se para ajudar a combater os reacendimentos desta quarta-feira. Assim que souberam que o fogo tinha voltado, abandonaram os trabalhos e reuniram-se na aldeia. Baldes, mangueira, garrafas de água — tudo o que tinham à mão para garantir que nenhuma fagulha caía nas casas. Sobre descanso, estas pessoas têm dúvidas sobre a sua chegada e, quando se fala do dia anterior, o dia em que tudo começou, preferem evitar as palavras “último” e “dia”. “O último dia ainda não sabemos qual é”.

Levar os mais velhos, deixar quem pode ajudar

O incêndio em Lavradio não deu tréguas durante várias horas e, desde o momento em que as chamas chegaram, a preocupação tomava apenas uma direção: as pessoas. Por isso, os mais velhos foram retirados das suas casas logo no primeiro dia. María Emília, Laurinda e António não queriam, mas lá foram de carrinha para o lar das Matas, uma aldeia mais afastada do perigo. Vivem sozinhos e a junta de freguesia optou por convencê-los a escolherem um local seguro.

“Saí de casa com a roupa que tinha no corpo, não deu tempo para mais, aquilo já estava cheio de fumo. Se queria ficar lá? Queria, é a minha casa. Mas aqui também estou bem”, ia dizendo María Emília, enquanto Laurinda fazia gestos de aprovação.

Aldeias evacuadas, casas ardidas, feridos. Mais de 4500 mil bombeiros lutam contra as chamas no terreno

No final do primeiro dia de incêndio, estas três pessoas regressaram a casa, quando as chamas acalmaram. Mas no dia seguinte, quando o susto voltou, elas voltaram também para o lar das Matas. Esta quarta-feira, contavam regressar de vez para as habitações que deixaram por duas vezes, sem olhar para trás.

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A opção de retirar os idosos das aldeias não é exclusiva da aldeia de Lavradio. Esta tem sido, aliás, prática comum, assim que o fumo preto anuncia horas difíceis. Regressando a Almoster, em Leiria, também nesta freguesia foram retiradas pessoas mais velhas das suas casas. E os mais novos ficaram. “Estamos a retirar os idosos e as pessoas com mobilidade reduzida, para que elas possam estar em segurança. Todas as pessoas que possam dar uma ajuda aos operacionais e defender as suas habitações, essas sim, claro que não vamos retirar e vão ficar nas suas casas para se sentirem também úteis”, avançou o CDOS de Leiria.

Nestes últimos dias, defender as casas tem sido a prioridade de todos que ficam à frente das chamas — seja um habitante com uma mangueira, ou um bombeiro. Em Lavradio, a opção nunca foi abandonar as casas, mas sim deixar arder o que não tem tanta importância para também proteger vidas. “Cortem os anéis, mas deixem os dedos”, desabafava ao Observador um dos moradores, depois da passagem do fogo por ali.

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