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Pollution in marine protected area in Bangladesh
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Os plásticos na praia e nos oceanos são uma ferida aberta bastante visível, mas a maior parte da poluição é por microplásticos

Mohammad Shajahan/Anadolu Agency via Getty Images

Os plásticos na praia e nos oceanos são uma ferida aberta bastante visível, mas a maior parte da poluição é por microplásticos

Mohammad Shajahan/Anadolu Agency via Getty Images

Richard Thompson, especialista em poluição por plásticos: “Não podemos pensar que a indústria se vai autorregular”

É preciso financiar a ciência e os estudos independentes que levem à mudança nas políticas e no fabrico de plásticos, defende o biólogo marinho Richard Thompson, que descobriu os microplásticos.

Tudo começou como jovem estudante: recolhia plásticos voluntariamente nas praias para as limpar, mas ao mesmo tempo tomava notas daquilo que ia encontrando. Quanto mais observava mais queria saber, incluindo descobrir qual o mais pequeno pedaço de plástico que poderia ser encontrado no meio da areia da praia. Foi assim que Richard Thompson, diretor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth, descobriu e cunhou o termo microplásticos, já em 2004.

Desde aí tem trabalhado sempre sobre a poluição dos oceanos por plásticos e nas soluções que podem resultar ou não para combater este problema. Foi assim que verificou que a indústria cosmética usava microesferas nos seus produtos e que estas microesferas acabavam no ambiente. O trabalho de investigação científica levou à mudança de políticas no Reino Unido e à proibição destas microesferas.

Richard Thompson defende, assim, que tem de haver investigação independente que aconselhe as medidas a implementar e dá como exemplo a abolição dos produtos plásticos descartáveis que levou à criação de alternativas de papel, mas revestidas de plástico — muito mais difíceis de reciclar. “A minha esperança é que o tratado [Declaração de Lisboa, adotada na Conferência dos Oceanos] se baseie em provas robustas e independentes, provas científicas, porque na ausência de tais provas estaremos a fazer trabalho de adivinhação.” Na passagem por Lisboa, aceitou receber o Observador para uma entrevista.

"Não se trata de não utilizar plástico, trata-se de começar a usá-lo de forma mais responsável. E essas soluções estão em terra, não no oceano. É por isso que digo que o plástico no oceano é um sintoma."
Richard Thompson, diretor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth

Durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas [em Lisboa] disse que o plástico no oceano não é o problema, mas o sintoma, e que temos de pensar em todo o ciclo do plástico e não apenas naquele que encontramos no oceano. Então o que dizer às pessoas que continuam a fazer campanhas de recolha de lixo nas praias?
Sou biólogo marinho e, claro, não quero ver plástico no oceano. De facto, foi a limpeza das praias que me fez interessar por este tema, quando ainda era estudante. E acredito que é uma coisa realmente importante que podemos fazer. Mas se limpar for a única coisa que podemos fazer, então estamos realmente a condenar o futuro dos nossos filhos e netos e levá-los a comportarem-se da mesma forma que nós — o que nos fez contaminar o ambiente. A melhor resposta que temos dado ao assunto é recolher os resíduos que deixamos chegar ao ambiente, o que realmente não faz qualquer sentido. A solução tem de passar por fechar a torneira, parar o problema na fonte. E acredito que isso é possível.

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O plástico não é o inimigo. Na verdade, o plástico pode trazer muitos benefícios ambientais para a sociedade, mas todos esses benefícios podem ser alcançados sem despejarmos o plástico em fim de vida para o ambiente. Portanto, para mim, não se trata de não utilizar plástico, trata-se de começar a utilizá-lo de forma mais responsável. E essas soluções estão em terra, não no oceano. É por isso que digo que o plástico no oceano é um sintoma — enterrámos mais plástico em aterros e queimámos mais plástico na incineração do que está acumulado no oceano. O material no oceano que é muito visível e que cria uma espécie de ferida aberta.

epa07892087 A handout photo made available by The Ocean Cleanup shows the company's ocean cleanup prototype System 001/B capturing plastic debris in the Great Pacific Garbage Patch, in the Pacific Ocean, 30 September 2019 (issued 03 October 2019). The self-contained system uses natural currents of the sea to passively collect plastic debris in an effort to reduce waste in the ocean. According to the Ocean Cleanup, the system is also able to filter microplastics as small as 1mm.  EPA/THE OCEAN CLEANUP HANDOUT  HANDOUT EDITORIAL USE ONLY/NO SALES

Há projetos em estudo para se recolherem os resíduos no oceano, incluindo os plásticos

THE OCEAN CLEANUP HANDOUT/EPA

Se a solução não passa por acabar com os plásticos — porque nos são úteis —, então o que pode ser feito?
É neste ponto que, para mim, precisamos de mais evidência científica. O desafio é perceber que produto — que tipo de garrafa ou de embalagem ou o que seja — vamos desenhar para ser reutilizado, quais serão para reciclar e quais nem sequer precisávamos à partida — como os microesferas nos cosméticos ou os sacos de compras de uso único —, que podemos reduzir e potencialmente eliminar.

A razão pela qual produzimos 360 milhões de toneladas de plástico por ano é porque trazem imensos benefícios para a sociedade. O que temos de conseguir é ter esse benefício sem o dano — em grande parte involuntário, diria eu — que vemos. A grande causa disso estará no facto de não estarmos a conceber os plásticos com o fim de vida em mente. Portanto, precisamos de conceber plásticos, particularmente os de uso único, para que tenhamos um caminho de eliminação que não seja para o ambiente, não seja para aterros sanitários e não seja para a incineração. Parte da solução pode ser por circular, com recargas [reutilização], parte podem ser por reciclagem, mas precisamos de entender as contrapartidas das diferentes soluções. E devo dizer também que essas respostas vão variar entre países — entre, por exemplo, Portugal, onde existe uma gestão de resíduos bastante sofisticada, e a Indonésia, onde, na verdade, a maioria dos cidadãos ficaria encantada se alguém viesse recolher o lixo, quanto mais reciclá-lo.

É preciso fechar a torneira aos plásticos e bloquear-lhes o caminho para o mar. E isso não depende só dos consumidores

Apesar de grande parte dos plásticos não ser reciclada ou reciclável, continuamos a apresentar a reciclagem aos cidadãos como a melhor solução.
Há diferentes opiniões sobre qual é a estratégia mais importante. Mas penso que o ponto-chave é que não existe uma estratégia única. O que é preciso é puxar todos os travões para parar isto [a poluição por plásticos no oceano].

No que diz respeito à reciclagem, provavelmente reciclamos menos de 10% dos plásticos que produzimos na Europa. Mas a verdade é que apenas uma pequena porção dos plásticos que produzimos foram criados com o objetivo de serem reciclados. Se considerarmos que a reciclagem é o melhor fim de vida para um determinado produto, então temos de redesenhá-lo para maximizar a possibilidade de ser reciclado. Poderíamos chegar muito mais longe se pensássemos no fim de vida durante a fase de desenho do produto. E isso tem de se tornar uma responsabilidade do produtor.

"Há uma grande ambição para se avançar rapidamente. [Mas] as promessas feitas pelo governo não serão necessariamente as mais eficazes. Não é a proibir palhinhas que vamos mudar a maré."
Richard Thompson, Universidade de Plymouth

Como é que as empresas e os criadores dos produtos podem ter acesso à informação que lhes permita repensar os plásticos que fabricam?
A base da evidência será científica, mas eu diria que é mais ampla do que isso. Envolve as ciências sociais, as ciências ambientais, a ciência dos materiais, mas também envolve informação sobre os quadros legais mais eficazes, os instrumentos de comunicação mais eficazes. Precisamos de dados independentes, com diferentes perspetivas, para orientar o caminho a seguir. Não podemos pensar que a indústria se vai autorregular. É claro que há algumas empresas que são mais responsáveis do que outras, mas a pressão sobre elas é para com os seus acionistas e para a rentabilidade. E aí haverá sempre um conflito.

Um exemplo que posso dar é o das microesferas nos cosméticos: os resultados do meu laboratório levaram a que fosse criada uma legislação no Reino Unido que proíbe o uso de microesferas nos cosméticos que serão enxaguados. Pensei: “Não é fantástico ter uma contribuição da ciência ambiental para a política?” É. Mas depois percebi que a patente sobre a utilização de pedaços de plástico nos cosméticos tem mais de 50 anos. Porque é que ninguém na indústria pensou para onde estavam a ir todos esses plásticos? Bem, provavelmente porque não havia um modelo de negócio para os fazer pensar dessa forma.

Portanto, precisamos destas provas independentes, precisamos de modelos de financiamento que permitam aos cientistas de diferentes disciplinas trabalhar em conjunto para desenvolverem uma perspetiva. Mas, neste momento, esses modelos não existem. Quem normalmente financia a investigação científica considera que este é um problema da indústria e que deverá ser a indústria a financiá-lo. Mas é realmente difícil que uma empresa o faça. Por isso, sugeri no Reino Unido que parte dos impostos aplicados aos produtos de plástico, como os sacos de plástico descartáveis, fossem usados para juntar várias disciplinas científicas à procura das melhores evidências, de uma forma independente da indústria.

Estes modelos de financiamento são uma das expectativas em relação à Declaração de Lisboa. O que espera que saia deste tratado que será adotado na Conferência dos Oceanos? [A entrevista foi realizada antes de conhecida a versão final da declaração.]
A minha esperança é que o tratado se baseie em provas robustas e independentes, provas científicas, porque na ausência de tais provas estaremos a fazer trabalho de adivinhação. Um dos cientistas aqui presentes disse-me: “Em termos de soluções, estamos a conduzir o carro às cegas”. Sabemos que é preciso reutilizar, reduzir, reciclar, mas faltam evidências sobre as contrapartidas de cada uma dessas soluções para os diferentes produtos. Preocupa-me que o tratado possa falhar sem isso.

Sou honesto, estou realmente desapontado com a falta deste tipo de diálogo e envolvimento neste processo da ONU [Organização das Nações Unidas]. A maioria dos cientistas com quem falei, perguntaram: “Falaram contigo? Foste consultado?”. Há um vazio neste momento e isso é um pouco preocupante. Ainda estamos a começar, mas, ao mesmo tempo, há uma grande ambição para se avançar rapidamente. Vejo isto no meu próprio país: promessas feitas pelo governo que não serão necessariamente as mais eficazes. Não é a proibir palhinhas que vamos mudar a maré.

"Inicialmente, negou-se a existência de qualquer problema. Depois, descartou-se o problema como sendo de outros, fosse o consumidor ou o retalhista. Agora chegámos a um consenso de que existe um problema."
Richard Thompson, Universidade de Plymouth

O receio é que acabe por acontecer o mesmo que aconteceu com o Acordo de Paris, sobre as alterações climáticas: havia muita expectativa no início das discussões, mas acabámos com um acordo que ficou muito àquem do que seria necessário para evitar a escalada da temperatura global. Corremos esse risco?
Claro que corremos, há a possibilidade de isto falhar, mas espero mesmo que não aconteça isso. Podemos aprender com o acordo de Paris e com outros acordos para nos orientar, mas considero que o desafio dos plásticos é diferente do das alterações climáticas ou de outros tipos de contaminação.

Em relação às alterações climáticas, a maioria das coisas que agravam a situação estão relacionadas com coisas que os seres humanos querem fazer, como um voo de longo curso, ligar as luzes à noite ou aquecer-se no inverno. Podemos fazer estas coisas de forma mais sustentável, mas terão sempre uma emissão de carbono associada — pelo menos, num futuro próximo. Mas se pensarmos nos benefícios sociais e ambientais dos plásticos, diria que podemos ter todos esses benefícios, usando-os de forma responsável e sem os descartar para o ambiente.

As peças de plástico mais leves nos automóveis e aviões reduzem a quantidade de combustível sem poluir o oceano e as embalagens de plástico prolongam a validade dos alimentos e bebidas, reduzindo o desperdício alimentar. Podemos ter esses benefícios sem os atuais níveis de desperdício associados. Na minha opinião, temos de mudar a forma como utilizamos os plásticos, em vez de não os utilizarmos de todo. Há uma ligeira diferença na mensagem que estamos a passar, o pode tornar as coisas menos desafiantes do que para outras grandes preocupações ambientais. Mas o diabo estará nos detalhes de como o vamos fazer.

Torneira dos plásticos

Richard Thompson defende que é preciso a colaboração de profissionais criativos para ajudar a passar a mensagem, como a necessidade de fechar a torneira aos plásticos

Vera Novais/Observador

A proibição de uso de sacos de plástico (ou a aplicação de taxas) ou de outros plásticos descartáveis, como copos, foi adotada em vários países. Sabemos se as alternativas apresentadas são as melhores?
Mais uma vez, precisamos de mais evidência científica. Muitas grandes marcas mudaram de sacos de plástico para sacos de papel, mas que estão revestidos de plástico. E isso não se pode reciclar em lado nenhum. Podíamos reciclar os sacos de plástico em alguns locais, embora fosse limitado, provavelmente poderíamos reciclar o saco de papel, mas quando é um composto a tarefa torna-se realmente difícil.

Temos de nos certificar de que as empresas estão informadas, porque não creio que essas lojas estejam necessariamente a comprar estes produtos de forma irresponsável [sacos de papel e copos de papel revestidos de plástico]. Penso que quem os vende estará a dizer: “Os seus clientes estão a exigir sacos de papel, aqui os tem”. Sim, é um saco de papel, mas também é revestido de plástico, e isto talvez não esteja a ser bem comunicado.

E fará sentido ter informação nas embalagens sobre que tipo de plásticos estão presentes na embalagem?
Acho que temos de tirar o peso do desenho do produto do consumidor. Precisamos de confiar nas empresas e contar que em 10 anos já fizeram o trabalho de casa corretamente: só ter embalagens que podem ser devidamente eliminadas. E comunicar isso. O consumidor quer saber o que está no interior e não precisa de estar a tomar decisões agonizantes sobre o tipo de embalagem.

Começou a recolher plásticos na praia quando era estudante. Como chegou à descoberta dos microplásticos?
Ajudava na limpeza das praias como hobbie. Estava a treinar para ser cientista e comecei a reunir os dados e a colocá-los em folhas de cálculo. Tinha curiosidade em saber de onde vinha todo este plástico. Depois percebi que, na realidade, os pedaços de plástico mais abundantes no ambiente não estavam a ser encontrados e desafiei alguns dos meus alunos a encontrarem pedaços realmente pequenos.

Eles trouxeram pedaços mais pequenos que os grãos de areia e confirmámos que eram plásticos. Este trabalho acabou por resultar numa publicação na revista Science, em 2004, em que mostrámos a acumulação de microplásticos ao longo do tempo, mostrámos a sua distribuição em larga escala e mostrámos que uma série de seres vivos poderia ingeri-los.

Que mudanças viu nestes últimos 20 anos?
Houve mudanças na perceção do problema. Inicialmente, negou-se a existência de qualquer problema. Depois, descartou-se o problema como sendo de outros, fosse o consumidor ou o retalhista. Agora chegámos a um consenso de que existe um problema. Podemos discordar nos números, mas penso que todos concordam que há um problema.

Isso leva imediatamente à pergunta: “O que vamos fazer em relação a isto?”. É esta informação que será crítica no tratado [adotado na Conferência dos Oceanos]. E são estas evidências críticas que, infelizmente, faltam neste puzzle.

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