Apesar de três dias de congresso em que a nota dominante foi o apelo à união em torno de Rui Rio, o líder do PSD acabou por perder margem de manobra no Conselho Nacional social-democrata, o órgão máximo do partido entre congressos.
A equipa de Rio partiu para esta reunião magna com uma estratégia deliberada: promover a proliferação de listas ao parlamento do partido para garantir a eleição do maior número possível de apoiantes da atual direção. O plano, no entanto, acabou por não ser exatamente bem sucedido.
A lista oficial de Rui Rio, liderada por Pedro Roseta, conseguiu eleger 17 conselheiros em 70 possíveis, menos quatro face ao que tinha acontecido há dois anos. Existiam ainda outras três listas de apoiantes assumidos de Rio: a de Carlos Eduardo Reis (9 conselheiros), a de Catarina Rocha Ferreira (6) e a de Lina Lopes (1). O líder social-democrata tem assim uma base de apoio inicial de 33 conselheiros, falhando a maioria.
Aliás, apesar de o universo de votantes ter descido ligeiramente – 833 contra os 867 de há dois anos – a lista de Rui Rio teve menos 67 votos em relação às eleições do 38º Congresso do PSD. Tudo somado, a direção social-democrata está agora obrigada a uma geometria mais exigente para conseguir uma eventual maioria no Conselho Nacional do partido.
Com estas contas, Rio continua politicamente exposto. Na direção do PSD existe a consciência de que se o PSD perder as próximas eleições legislativas, o futuro não será um passeio no parque para o atual presidente do partido. E a composição do Conselho Nacional que resultou deste congresso pode causar mossa no futuro.
Rio já deu sinais públicos e privados de estar disposto a continuar à frente do partido mesmo em caso de derrota. Um Conselho Nacional hostil pode hipotecar as hipóteses de Rio e forçar o partido a uma clarificação.
O cenário oposto esvazia por completos os riscos a que o líder social-democrata pode estar sujeito: em caso de vitória frente a Costa, a oposição interna não terá condições para fazer qualquer sombra a Rui Rio.
Depois existem outras variáveis que tornam difícil antecipar que tipo de resistências Rio pode encontrar, uma vez que o órgão máximo do partido entre congressos não é constituído apenas pelos 70 conselheiros eleitos este domingo. Têm assento no Conselho Nacional os membros da Mesa do Congresso, 10 representantes da JSD, 5 representantes dos Trabalhadores Social-Democratas, 5 representantes dos Autarcas Social-Democratas, os 20 presidentes das distritais e das estruturas do partido nos Açores e Madeira, representantes de cada círculo eleitoral da emigração, também eles eleitos em congresso, ex-líderes do partido e atuais e antigos presidentes dos governos regionais.
Ou seja, as dinâmicas próprias de cada momento podem alterar por completo o equilíbrio interno deste órgão. Basta ver o que aconteceu no passado recente: Rio sofreu duas pesadas derrotas às mãos dos conselheiros do partido, que travaram o adiamento das eleições internas e, mais tarde, impediram que Rio alargasse o direito ao voto a todos os militantes, com ou sem quotas em dia; derrotado Paulo Rangel e ultrapassadas as diretas, Rio aprovou sem dificuldade e por maioria expressiva as listas de candidatos a deputados, apesar de ter varrido do mapa grande parte dos adversários internos.
De resto, Rio tem tido dificuldades em assegurar uma maioria inequívoca neste órgão desde que é líder do PSD. O que lhe tem valido alguns sustos: em 2019, só a aliança com Carlos Eduardo Reis permitiu travar a tentativa impeachment protagonizada por Luís Montenegro.
Na semana que antecedeu o Congresso, ainda foi ponderada a hipótese de integrar os apoiantes de Carlos Eduardo Reis na lista da direção do partido ao Conselho Nacional, como forma de dar um sinal de força ao partido. Mas os homens de Rio acabaram por preferir a proliferação de listas protagonizadas por apoiantes do atual líder social-democrata.
O atual deputado e vereador de Barcelos manteve a sua influência intacta, já depois de ter desempenhado um papel importante na vitória de Rio contra Rangel (vantagem de 300 votos naquela concelhia) e de se ter imposto às estruturas do partido em Braga nas autárquicas, forçando uma solução contra a vontade do líder distrital, Paulo Cunha, que permitiu conquistar a Câmara de Barcelos aos socialistas. Com o resultado de domingo, continua a ser importante para Rio garantir o apoio de Carlos Eduardo Reis.
Pinto Luz supera Luís Montenegro
Além de perceber com que força Rui Rio vai partir para o próximo Conselho Nacional, houve uma disputa paralela a acompanhar neste congresso entre Miguel Pinto Luz e Luís Montenegro. O primeiro encabeçou uma lista própria que acabou por superar a lista patrocinada pelo antigo líder parlamentar e que tinha como cabeça de lista Pedro Calado, presidente da Câmara Municipal do Funchal.
No início da semana, a oposição interna a Rui Rio ainda se tentou unir em torno de uma lista única ao Conselho Nacional. Nos bastidores, houve conversas entre apoiantes de Paulo Rangel, Miguel Pinto Luz e de Luís Montenegro, que estiveram juntos em torno da candidatura do eurodeputado às diretas, para que se chegasse a um entendimento.
As negociações acabaram por falhar: os homens de Montenegro queriam que Pinto Luz abdicasse de protagonismo na lista para promover uma figura mais neutra (Poiares Maduro chegou a ser sondado) e que a própria composição da lista garantisse uma maior representatividade dos apoiantes de Montenegro. Pinto Luz recusou.
A aposta acabou por compensar. O vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais teve a segunda lista mais votada, com 161 votos e 14 conselheiros. Há dois anos, tinha ficado empatado com Carlos Eduardo Reis com 109 votos e apenas 9 conselheiros. Em contraciclo, a lista de apoiantes de Montenegro perdeu protagonismo, com menos votos e menos três delegados.
Um indicador que pode ser relevante tendo em conta a diferença que existiu entre os dois nas últimas diretas: Miguel Pinto Luz foi terceiro, com cerca de 10%; Luís Montenegro disputou as eleições com Rui Rio até ao fim, tendo conseguido 47% dos votos na segunda volta, quase metade do partido.
Os dois partiram para este congresso em posições e com estratégias muito diferentes. Pinto Luz deu a cara pelo projeto de Rangel e foi um dos principais aliados do eurodeputado; Montenegro manteve-se afastado da disputa apesar de muitos dos seus apoiantes terem estado ao lado de Rangel; Pinto Luz apareceu num discurso de rutura (o único que o fez); Montenegro, apesar de ter prometido que o “recato” a que se tinha sujeitado nos últimos dois anos tinha acabado, preferiu aproveitar a reunião magna para fazer um apelo à união em torno de Rio.
A estratégia do primeiro acabou por ser compensada nas eleições para a lista ao Conselho Nacional, o que seria impensável há dois anos. Contas feitas, Pinto Luz saiu de Santa Maria da Feira com um capital político reforçado — resta saber que peso terá este resultado na definição do futuro do partido.
Oposição interna a Rui Rio parte-se em vésperas de congresso