Com a faca e o queijo na mão. A direção de Rui Rio definiu um cronograma para a apresentação de listas de deputados à Assembleia da República que pode, se for levado ao limite, deixar o PSD numa situação de bloqueio institucional. As tropas de Rangel olham para a jogada do líder social-democrata (mais uma, queixam-se) como se se tratasse do “reflexo do naufrago” — Rio está agarrado ao bote para não submergir. O núcleo duro do líder tem outro argumento: está apenas a cumprir a lei leitoral e a garantir que o partido cumpre todos os prazos legais.
Depois de duas derrotas internas, em desvantagem (teórica) na contagem de espingardas, a negociação das listas de deputados à Assembleia da República pode furar o (aparente) domínio de Paulo Rangel em várias estruturas do partido. Publicamente, o núcleo duro de Rio não assume obviamente esta estratégia. Nas hostes de Rangel, no entanto, a leitura é simples: o líder social-democrata está a “negociar” lugares nas listas de deputados à Assembleia da República em troca do voto nas diretas do partido.
A direção de Rio joga, de facto, com o vento a seu favor. Mesmo que Rangel vença as eleições diretas, só seria formalmente reconhecido como presidente do partido a 19 de dezembro, data em que se realiza o Congresso do PSD. Até lá, manda quem está em funções — ou seja, a Comissão Política Nacional (CPN) de Rui Rio — e os prazos são para cumprir — as listas têm de ser entregues até 20 de dezembro. Rangel tem outro entendimento: apesar do que dizem os estatutos, mandam as boas práticas que seja o vencedor a definir a equipa que vai levar a votos.
Em teoria, havendo uma alteração na presidência do partido seria de esperar que o derrotado deixasse o vencedor escolher a equipa que quer levar a votos em articulação com as estruturas locais, argumentam as tropas de Rangel. No entanto, na direção de Rio, o aviso é para ser levado a sério: “Os estatutos e a lei eleitoral são para cumprir. Temos a faca e o queijo na mão. É bom que haja bom senso do outro lado. Temos todo o interesse em que isto seja pacífico.”
Rui Rio, sabe o Observador, deve propor nos próximos dias que seja o candidato vencedor a escolher os cabeças de lista às próximas legislativas como forma de dar um sinal de algum esforço de consensualização. Rangel não quererá sequer ouvir falar disso: se vencer, é ele quem faz as listas e procurará salvaguardar que alguns dos quadros do rioísmo serão aproveitados.
Seja como for, a questão não é assim tão simples. A definição e proposta das listas de candidatos a deputados é uma competência da CPN depois de auscultadas as estruturas locais. Mas essa proposta tem de ser aprovada e validada em Conselho Nacional, órgão máximo do partido entre congressos. Acontece que Rui Rio, como já ficou demonstrado nas duas últimas reuniões, está em manifesta minoria naquele órgão do partido.
Baralhando e dando de novo: num cenário-limite, se a atual direção tentasse forçar uma lista de deputados à revelia da vontade de Paulo Rangel, dificilmente contaria com a luz verde do Conselho Nacional. Se tal acontecesse, o partido ficaria num impasse difícil de resolver. O problema deixaria de existir se houver uma continuidade na liderança do PSD. Se Rangel vencer, tudo muda. De acordo com o calendário eleitoral, o líder do PSD tem de entregar as listas de deputados até 20 de dezembro.
Ora, neste cenário-limite, se a direção de Rui Rio insistir em fazer da elaboração das listas um finca-pé, Rangel teria menos de 24 horas entre o momento em que seria formalmente reconhecido (19 de dezembro) e a definição de uma uma lista de candidatos a deputados, convocação de um Conselho Nacional, aprovação da equipa e o envio de toda a documentação para estruturas que depois teriam de entregar aos tribunais. Seria, senão manifestamente impossível, muito difícil de executar.
Acresce a isto o facto de o Tribunal Constitucional ter de reconhecer o novo secretário-geral — que só toma posse com o congresso do partido, a 19 de dezembro. Será depois este responsável que terá a incumbência de emitir uma procuração a cada estrutura distrital para que estas entreguem as listas de deputados nas respetivas comarcas locais. Fazer tudo isto em menos de 24 horas é praticamente uma impossibilidade teórica.
Foi isso mesmo que sugeriu José Silvano, secretário-geral do PSD, à agência Lusa. Sobre a possibilidade de esse processo só ser finalizado no Congresso, Silvano disse considerar ser impossível um secretário-geral eleito no domingo, 19 de dezembro, “na segunda [dia 20] conseguir ter poderes verificados no tribunal e com procurações passadas”. “Isso é correr o risco de não ter listas”, avisou.
Dividir para (tentar) reinar?
Entre os apoiantes de Paulo Rangel ninguém se compadece com os argumentos de Rio ou atribui grande importância ao cronograma definido pela direção do PSD. Se o eurodeputado ganhar a corrida contra o líder social-democrata — e os operacionais de Rangel acreditam obviamente nisso — quem fará a lista de deputados será obviamente o vencedor das eleições diretas no partido. Ponto final, parágrafo.
Ainda assim, as tropas de Rangel veem na decisão de Rui Rio mais um “truque” para criar “divisão” e “confusão” na disputa interna. Percebe-se porquê: toda a discussão (sempre sensível e politicamente delicada) sobre candidatos a deputados vai encaixar na perfeição com o calendário da disputa interna.
Segundo o cronograma aprovado pela direção do PSD, as concelhias devem transmitir as suas indicações para candidatos a deputados até 25 de novembro e as distritais até dia 30 de novembro. Antes disso, cada concelhia deve convocar os seus militantes para deliberar sobre as listas de deputados e depois as distritais terão de tomar as suas próprias decisões. As diretas são a 27 de novembro.
Partindo do pressuposto de que Paulo Rangel tem, de facto, a maioria das estruturas do partido com ele, a discussão sobre lugares na Assembleia da República pode lançar uma boa dose de caos junto das concelhias e distritais que estão com o eurodeputado — e fragilizar a base de apoio do eurodeputado.
Resumindo: quando o aparelho que está com Rangel devia estar a mobilizar esforços para garantir a vitória do eurodeputado, vai estar ocupado em discutir internamente quem vai ou não ser candidato a deputado; a direção de Rui Rio, por sua vez, estará numa posição de força negocial, escolhendo com conjunto com as estruturas quem vai ou não a votos nas legislativas.
Depois, há outro aspeto: ainda de acordo com cronograma aprovado, o Conselho Nacional para aprovar as listas de candidatos a deputados está agendado para 7 de dezembro para aprovar as listas; ou a 10 de dezembro, caso sejam chumbadas na primeira votação.
Se Paulo Rangel vencer as diretas a 27 de novembro, pode colocar-se a situação esdrúxula de o Conselho Nacional do partido, convocado dez dias depois das diretas, discutir e votar listas feitas por Rui Rio e repetir essa votação 72 horas depois com um grande grau de probabilidade de se repetir o desfecho no órgão máximo do partido entre congressos.
Passos já fechou deputados em menos tempo
Paulo Rangel não quer os calendários de Rio. De resto, no entendimento do eurodeputado, é perfeitamente possível iniciar o processo a 28 de novembro (um dia depois das diretas) e concluí-lo a 20 de dezembro, tudo feito em 23 dias. Aliás, em 2011, na primeira vez que foi a votos e depois da queda do Governo de José Sócrates, Pedro Passos Coelho fez tudo ainda em menos tempo, demorando apenas 21 dias a concluir o processo.
A questão não é, por isso, de calendário. A questão é de legitimidade política: com a sem eleições internas no horizonte, a atual direção do PSD entende que só Rio está em condições de conduzir o processo, uma vez que Rangel, mesmo vencendo, não estará legitimado pelo Congresso. Mais: não existirá sequer outra Comissão Política Nacional que não a que está atualmente em funções para conduzir o processo.
Mesmo que os seus apoiantes tenham ficado mais uma vez irritados com um “golpe” de Rui Rio, Paulo Rangel procurou manter gelo nos pulsos. À margem de uma ação de campanha interna no Norte do país, o eurodeputado repetiu uma frase que se tornou mortal na política: “Qual é a pressa?”, disse, numa referência à reação de António José Seguro ao início do processo que o viria a derrubar.
“Depois do dia 27 de novembro há, pelo menos, 23 dias, para preparar as listas [de candidatos a deputados à Assembleia da República]. Há tempo para pensar. Cada coisa em seu tempo. Não vamos pôr o carro à frente dos bois”, disse, antes de rematar: “É claro que quem vai escolher as listas é o líder [que sair das diretas].”
Rui Rio também acabou por ser confrontado com o tema e negou as acusações que lhe foram feitas. “Não é pressa rigorosamente nenhuma, há o cumprimento de estatutos, pura e simplesmente isso”, disse, antes de cortar de vez com o assunto.
“Nas empresas por onde passei, na função pública por onde passei não consegui nunca, no espaço de 24 horas, fazer listas de deputados, propor, depois aprovar, depois nomear os procuradores, depois pedir às pessoas o termo de aceitação e pedir fotocópia do cartão de cidadão”, insistiu. As negociações seguem dentro de momentos.