Rodrigo Saraiva foi o primeiro líder parlamentar da Iniciativa Liberal e é agora o primeiro nome do partido a conseguir ser eleito vice-presidente da Assembleia da República, depois de ultrapassada a polémica da eleição dos cargos no Parlamento. Rodrigo Saraiva culpa o Chega por ter permitido ao PS manter o protagonismo na Assembleia e diz que também conversou com Joaquim Miranda Sarmento sobre os nomes a votar mas que isso “não pareceu nenhum acordo formal”.
Apesar da Iniciativa Liberal não ter o número de deputados suficientes para dar estabilidade ao Governo de Luís Montenegro, Rodrigo Saraiva diz que o partido tem “influência” e que o discurso de tomada de posse “fez um check em muitas das bandeiras” do partido.
O agora ‘vice’ da Assembleia da República diz que os atores políticos que “forem responsáveis e pensarem primeiro nos interesses do país, querem que a legislatura chegue ao fim”, mas que os que “pensarem primeiro nos próprios objetivos e interesses” podem ter um desejo diferente, acreditando que esta legislatura “dá oportunidade a todos os partidos” de poderem impor medidas.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com Rodrigo Saraiva:]
Rodrigo Saraiva: “Discurso de Montenegro fez check a medidas da IL”
O discurso de Montenegro na tomada de posse é um bom arranque? A promessa de descida de impostos também é um pescar de olho à Iniciativa Liberal?
Foi um discurso com uma ambição de ter muitas coisas. Podemos discutir e analisar a ambição das medidas em si, em que em algumas não há assim tanta ambição. Teve demasiadas coisas, não só para tentar fazer um cumprimento de várias promessas que o PSD e a AD foram fazendo ao longo da campanha eleitoral, mas também para fazer um bocado um check em muitas das medidas programáticas e bandeiras da Iniciativa Liberal e de outros partidos, algumas para tentar já condicionar as votações no Orçamento do Estado depois do verão, nomeadamente com o PS e o Chega.
Uma dessas questões é a corrupção. A Iniciativa Liberal já disse que entra no debate. Não teme que o assunto possa ser sequestrado pelo Chega?
A Iniciativa Liberal não teme debater seja o que for. Os temas existem. A corrupção é um problema não só factual, mas também percecionado pela população e que urge combater. Ao longo da campanha eleitoral fomos vocais relativamente à necessidade de combater a corrupção, depois o que existe são algumas divergências na forma. Alguns acham que se combate com virtualismos e utopias. Nós acreditamos que se combate desburocratizando e simplificando. Rui Rocha costuma dizer, e muito bem, que a burocracia é o negócio dos corruptos e, portanto, reduzir a burocracia é uma forma de combater a corrupção. Outra forma é podermos ter a escolha de servidores públicos, não só das entidades reguladoras, mas também de outros institutos, por via de concurso e até internacional. As pessoas que ocupam esses cargos devem ser escolhidas pelo mérito, e não porque ficam a dever um favor a alguém. Quem fica a dever um favor está bastante mais frágil para poder ter que o devolver. Foi isto que Rui Rocha também já respondeu nesse repto que o Luís Montenegro lançou a todos os partidos. Estamos disponíveis para fazer esse debate e apresentar estas propostas, esperando que depois também tenham recebimento e possam vir a ser implementadas.
Quando refere que Luís Montenegro tentou piscar o olho a muitos partidos, pareceu-lhe uma atitude de desespero pela sobrevivência? Ou uma estratégia que vai querer implementar de forma mais proactiva?
Quem está na política tem que ser sobretudo realista e pragmático. O primeiro-ministro está a ser realista e pragmático. O quadro parlamentar é aquele que é. Vínhamos de um quadro parlamentar em que havia uma maioria absoluta de um partido e, portanto, tudo o que acontecia no Parlamento era apenas um partido, o PS, que podia decidir. Esta legislatura tem outro enquadramento. Vai ser necessário diálogo e, por exemplo, a escolha do novo ministro dos Assuntos Parlamentares demonstra esse pragmatismo e essa noção da realidade de ter alguém com um perfil mais dialogante e é isso que espero. Existiu uma intervenção do primeiro-ministro, bem como as escolhas de alguns ministros com noção da realidade e com pragmatismo, que é o que se espera para que se possam vir a resolver os problemas dos portugueses.
Estava a elogiar o nome de Pedro Duarte. Hugo Soares vai ficar responsável pela bancada parlamentar. Pedro Duarte parece-lhe ser mais capaz de criar pontes entre os vários partidos?
Sou um pouco suspeito porque conheço o Pedro Duarte há muitos anos. Reconheço-lhe bastante combatividade, mas é uma pessoa reconhecida por ser de diálogo fácil. Recordando um título que apareceu na imprensa há uns dias, é um ministro com um perfil não tão bélico, mas mais dialogante. Isso é consensual das pessoas que conhecem o perfil do Pedro Duarte.
Marcelo Rebelo de Sousa diz que não é impossível a legislatura chegar ao fim. Luís Montenegro disse também que este “não é um Governo de turno”. Acredita que é possível cumprir os quatro anos?
Todos os atores políticos devem desejar que as legislaturas sejam cumpridas na sua plenitude. E porquê? Em primeira instância significa estabilidade. E demonstra estabilidade para quem? Para os portugueses, para o seu dia a dia, para que tenham previsibilidade, mas também para o tecido económico. As empresas precisam de estabilidade e essa previsibilidade das políticas vem também da estabilidade dos mandatos dos governos e da Assembleia da República. Quem está na política de forma responsável e pondo em primeira instância os interesses do país deseja que os mandatos sejam cumpridos. Quem está de forma tática, pensando primeiro nos seus objetivos e nos seus interesses e não nos do país, possivelmente não está a desejar que a legislatura chegue até ao fim.
Conversas para a eleição dos nomes para o Parlamento? “Não me pareceu nenhum acordo formal”
Interessa também à IL a resposta à pergunta que Montenegro deixou ao PS, se vai ser uma oposição ou um bloqueio?
Os primeiros dias da Assembleia da República trouxeram duas novidades. A primeira é que não era expectável que tivéssemos um presidente da Assembleia da República do Partido Socialista e, afinal, com aquilo que aconteceu vamos voltar a ter um presidente da Assembleia da República do PS. Isso deve-se à prestação do Partido Socialista e do Chega no primeiro dia do Parlamento. A segunda novidade é uma coisa muito curiosa. É que, de repente, nós temos o PS e outros partidos, como o Bloco de Esquerda e o Livre, que nos últimos anos têm combatido e acusado André Ventura e o Chega de não serem credíveis e que nas últimas semanas, de repente, parece que passaram a dar credibilidade à palavra de André Ventura e do Chega. Acreditaram piamente na palavra de André Ventura ou então foi um taticismo que não se recomenda. Acreditaram naquilo que foi a palavra sobre um tal acordo que existiu e não houve acordo nenhum. O anterior líder parlamentar do PSD, Miranda Sarmento, fez uma chamada telefónica ao Chega, ao PS e à Iniciativa Liberal.
Falou consigo também.
Fui eu que recebi essa chamada pela Iniciativa Liberal e foi uma conversa sobre alguns dos temas de funcionamento da Assembleia da República em que informou que iriam apresentar a candidatura de José Pedro Aguiar Branco à presidência. Da minha parte, respondi que íamos apresentar o meu nome como candidatura a vice-presidente e transmiti que aceitaríamos e votaríamos o nome de Aguiar Branco e Miranda Sarmento disse que também votariam a favor do nosso nome. Esta foi uma conversa que teve comigo, que eu acho que teve com o Chega e com o Partido Socialista. Quando acabei a chamada não achei que tinha sido um entendimento ou um acordo formal. Foi uma conversa normal para o bom funcionamento da Assembleia da República. Outros partidos foram para a imprensa dizer que tinha existido um acordo e, curiosamente, o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o LIVRE atribuíram credibilidade a essa afirmação do partido Chega. Esta foi a primeira grande novidade desta legislatura.
E já se percebeu que a Iniciativa Liberal não dá credibilidade ao Chega. A única alternativa para cumprir estes quatro anos é mesmo o PSD conseguir negociar com o PS?
A Iniciativa Liberal dá credibilidade à democracia e ao funcionamento da Assembleia da República. Nunca votámos contra uma proposta apenas porque vinha de determinado partido. Não é só o Chega que está aqui em equação, são todos os partidos. Estamos nos antípodas do PCP, do Bloco de Esquerda, do LIVRE, do Partido Socialista e do Chega e votámos a favor de várias propostas desses partidos. Isto é que é estar de forma credível e séria na política. É olhar para as propostas pela sua substância, por aquilo que significam, e depois ou concordamos ou discordamos. Nunca fizemos o mesmo que outros partidos que, na legislatura anterior, votavam contra propostas só porque tinham um determinado proponente. Isso é que não é a forma de estar, porque não resolve aqueles que são os problemas concretos da vida dos portugueses.
Indo à questão da mesa da Assembleia da República, o Rodrigo Saraiva há de chegar a um momento em que vai ter que gerir o plenário. Já conversou com Aguiar Branco sobre o método de o fazer? Que postura é que vai adotar?
Ainda não reunimos com o presidente para discutir isso. Certamente que qualquer um dos vice-presidentes quando tiver que substituir o presidente terá o seu toque pessoal, a forma de gerir, mas acho que teremos também linhas orientadoras porque não podemos ter uma mesa a funcionar a vários ritmos. Com alguma piada, estou mais preocupado pela forma como vou lidar e gerir as intervenções dos deputados do meu grupo parlamentar. Sou do Belenenses e tenho receio da síndrome Jorge Coroado, que era um árbitro de futebol que era adepto do Belenenses, mas sempre que apitava um jogo da equipa prejudicava o clube. Tenho receio de ter essa síndrome de prejudicar, em primeira instância, os deputados da Iniciativa Liberal e ser mais efusivo a retirar a palavra a um deputado do meu partido.
O PS disponibilizou-se para aprovar um orçamento retificativo. Para a Iniciativa Liberal este instrumento pode ser importante ou vale mais concentrar esforços e pensar já no orçamento do Estado de 2025?
É uma decisão do primeiro-ministro e do Governo e a apresentar ou não é uma opção legítima, consoante a informação que vão ter agora acesso. A partir do momento que são Governo vão ter acesso a um conjunto de informação mais aprofundada que lhes vai permitir tomar essa decisão ou não. O que não deixo de notar com alguma curiosidade é que o Partido Socialista, que há poucos meses dizia que tinha apresentado o melhor Orçamento do Estado da história, que era fantástico e que era maravilhoso, agora passado uns meses, são os primeiros a vir dizer que é muito importante haver um orçamento retificativo. Parece que não acreditam no Orçamento do Estado que há poucos meses diziam que era o melhor. Nós cá estaremos para avaliar, se essa proposta der entrada na Assembleia da República.
Conversações para aprovar propostas. “Soma de votos do PS, BE, PCP e Chega pode fazer aprovar medidas”
A matemática tem imposto que o PSD tenha que olhar para o PS ou para o Chega para conseguir estabilidade e uma legislatura de quatro anos. Onde é que fica a Iniciativa Liberal no meio destas contas, tendo em conta que o número de deputados que tem não permite dar estabilidade à legislatura?
Esta legislatura tem muitas oportunidades para todos os partidos. A anterior era de maioria absoluta e portanto tudo o que era aprovado dependia da vontade de um partido apenas. Vivíamos numa legislatura de partido único. Esta legislatura é de nove partidos e todos vão ter a oportunidade de conseguir ter ganhos de causa em algumas propostas. Aliás, as primeiras propostas que a IL já se apresentou foram em parte as que já tinha apresentado na anterior legislatura e se tiverem o mesmo sentido de voto da anterior, vão ser aprovadas porque só o Partido Socialista é que votou contra e portanto se os outros mantiverem o voto, a Iniciativa Liberal começa logo a ganhar no início desta legislatura. Isto dá oportunidades para todos os partidos, é a parte positiva.
Mas por outro lado podem gerar-se coligações negativas.
Pode existir a conjugação de algumas somas preocupantes. Se aparecer uma proposta para que a TAP não seja privatizada a 100%, por aquilo que os partidos disseram na campanha, essa proposta é aprovada e isso é preocupante. Se de repente algum dos partidos mais à esquerda apresenta uma proposta para taxar lucros extraordinários das grandes empresas, que é um absurdo, essa proposta arrisca-se a passar porque há um partido que gosta muito de dizer que é de direita e amigo das empresas mas andou a defender essa proposta, que é o Chega. Há um conjunto de propostas preocupantes que podem ter a conjugação da soma do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista e do Chega e ser aprovadas. É uma legislatura que tem muitas oportunidades e tem também muitos riscos, mas que em bom português, é mesmo assim, é uma democracia a funcionar.
Deixa a liderança do grupo parlamentar para a Mariana Leitão, que mudanças é que isso pode dar à bancada nesta nova fase?
Teve um bom estágio de combate político [com Isaltino Morais]. Talvez a Mariana tenha um perfil mais combativo, mais aguerrido do que eu, mas isso é de facto um detalhe. A bancada da Iniciativa Liberal tem uma liderança muito boa e se às vezes surpreendemos, também temos uma grande previsibilidade que dá garantias a todos, portanto, não esperem que a Iniciativa Liberal venha defender ao longo desta legislatura coisas diferentes daquilo que andou a defender anteriormente. As nossas bandeiras, as nossas propostas, continuam a ser as mesmas e as primeiras que apresentámos são consistentes não só com o trabalho que fizemos na legislatura anterior, mas também com o que defendemos durante a campanha eleitoral, na habitação, na a saúde, na simplificação e na criação do círculo de compensação. Tenha na liderança do grupo parlamentar o Rodrigo Saraiva, tenha agora a Mariana Leitão e a liderança partidária do Rui Rocha, somos consistentes e os portugueses podem confiar nesta consistência.
Só aqui numa questão de pormenor sobre a organização parlamentar, vão abdicar de ter vice-presidente na bancada?
Penso que vamos ter, mas é uma prerrogativa que também foi entregue à liderança, o modelo de funcionamento e a existência ou não de um vice-presidente.
A Iniciativa Liberal falhou em conseguir ganhar influência numa solução de Governo?
A IL nunca correu por cargos. As nossas ideias e propostas vão fazendo o seu caminho e quando grande parte do discurso do atual primeiro-ministro toca pontos que nos são próximos, ficamos satisfeitos. Depois de em 2022 e 2024, o tema do crescimento económico como forma de combater o fenómeno da imigração jovem, terem sido introduzidos pela Iniciativa Liberal, se isso não é ser influente, eu não sei o que é que é.