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Romances, humor e biografias: 32 livros para ler este verão

Histórias poderosas para pensar o passado, o presente e tentar encarar o futuro com alguma esperança. Estas são as nossas sugestões para leituras nas férias.

    Índice

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O mundo está em convulsão e os mais recentes lançamentos literários refletem essa instabilidade. Alguns foram incluídos nesta lista de leituras para o verão, que se quer leve como o tempo, mas atual. Mas também não falta humor a várias das escolhas dos jornalistas e colaboradores da secção de Cultura do Observador (a vida não pode ser apenas feita de desgraças), que incluem sobretudo romances escritos por mulheres, em diferentes línguas e de várias nacionalidades. São histórias poderosas para pensar o passado, o presente e tentar encarar o futuro com alguma esperança.

André Almeida Santos

Os Funcionários
Olga Ravn (tradução de João Reis)
(Elsinore)

Uma espécie de distopia sobre o trabalho pode não ser a melhor leitura de férias. Contudo, uma das qualidades de Os Funcionários passa por desumanizar a relação com o trabalho e tornar a leitura sobre a vida de humanos e humanoides numa nave espacial, no futuro, numa experiência sensorial expressa através de descrições sobre uns estranhos objetos. Ao fazê-lo, fica no inconsciente a nossa relação com o trabalho e o propósito do que realmente fazemos. Pode ser um bom despertador sobre uma qualquer decisão a tomar em setembro.

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Um Almoço de Negócios em Sintra
Gerrit Komrij (tradução de Fernando Venâncio)
(Guerra & Paz)

Comprar casa em Portugal, como se sabe, não está fácil. A experiência de o fazer durante os anos 80, para um estrangeiro, já era uma com as suas particularidades e com imensos trejeitos que persistem na portugalidade. Porque nem tudo está no preço. Ou no dinheiro do estrangeiro. O holandês Gerrit Komrik mudou-se para Portugal em 1984 e, parte dessa vivência inicial, existe nestas crónicas que escreveu e que estão reunidas nesta reedição da Guerra & Paz. As primeiras crónicas são muito elucidativas sobre o choque cultural e ainda são um ótimo espelho sobre os nossos vícios, manias e, claro, esquemas. O que seríamos nós sem esquemas.

Susan Sontag — Vida e Obra
Benjamin Moser (tradução de José Geraldo Couto)
(Objectiva)

Vencedor do Pulitzer em 2020, na categoria de “Biografia”, Sontag – Vida e Obra foi finalmente publicado em Portugal há uns meses. Benjamin Moser constrói um ótimo retrato de uma das maiores pensadoras do século XX e, simultaneamente, desenvolve através disso as razões da relação com o leitor e o seu pensamento – se se conhecer alguma da obra – e evidencia o combate entre a vida que escreveu e a vida que viveu – nem sempre estavam em sintonia. Ao fazê-lo, torna ainda mais elucidativo a importância de Sontag no pensamento crítico – e não só – desde meados do século passado.

As escolhas de André Almeida Santos

Alexandre Borges

Creativity: A Short and Cheerful Guide
John Cleese
(Hutchinson)

As pessoas que mudaram a Feira do Livro de Lisboa para setembro nunca foram à praia. Ou gostam de raquetes. Desconhecem o prazer de nos abastecermos de leitura no fim da primavera para termos com que nos regalar no verão. O livro é, provavelmente, o adereço mais fundamental ao banhista – talvez só batido pelo fato de banho em si (uma categoria que Heidegger não desdenharia e que, ainda assim, não se aplica universalmente). O livro entretém, o livro protege do sol, o livro acompanha com o Epá, a bola, a cerveja, o livro distrai da conversa do grupo de adolescentes. Assim, um indivíduo vê-se na contingência de ter de procurar dealers noutras paragens, incluindo essa jovem de má fama que atende pelo nome de internet. Creativity: A Short and Cheerful Guide pode ser adquirido com dois cliques na world wide web e cabe confortavelmente na sua caixa de correio. É um pequeno manual do grande senhor Cleese e que pode, porventura, compensar o ligeiro desconsolo que fica no fim de Last Time to See me Before I Die. Um roteiro de conselhos e observações útil não apenas ao humorista, mas ao criador em geral (área de negócio em franca expansão desde a invenção da selfie e outros “conteúdos digitais”).

Aniquilação
Michel Houellebecq (tradução de José Mário Silva)
(Alfaguara)

As pessoas que acham que uma série se estraga como uma peça de fruta se não for consumida nas primeiras horas em que aparece na fruteira da Netflix são, provavelmente, as mesmas que supõem que é preciso ler um livro assim que ele sai, ou as frases vão começar a perder interesse, as palavras a encher-se de erros, ou a tinta simplesmente a desaparecer das páginas como num talão multibanco. Suponho que tenham lido todo o Shakespeare, todo o Proust e todo o Dostoievski antes dos 15; só isso explicaria a ânsia e a disponibilidade com que parecem sempre à míngua de leitura nova. Não é mal de que soframos lá em casa. Temos sempre a leitura tão atrasada que, não fossem ocasionais abébias dadas ao presente, ainda andaríamos a meio da secção Grécia Antiga. Fartos de ser olhados de lado na praia por andarmos com a Ética a Nicómaco debaixo do braço, decidimos, volta e meia, ler um Jonathan Franzen, um Coetzee, um Roth. Este ano, estreamo-nos em Houellebecq, com o seu último Aniquilação que, não tendo o título mais alegre, é dito ser o seu momento mais esperançoso e luminoso até aqui.

Contas de Cabeça
Leonardo
(Companhia das Ilhas)

A Companhia das Ilhas é uma das editoras mais bonitas e criteriosas que temos e, ainda por cima, emite poesia, teatro e ficção a partir da beleza cool e majestática da ilha do Pico. Farol de apoio à navegação da leitura em solitário, tem muito catálogo por onde escolher como chegar a bom porto. Este ano, propomos o Leonardo e as suas Contas de Cabeça, diretas à beleza e à verdade, tal como sentida no instante, sem truques de prestidigitador nem acessórios de moda. “eu sou a solidão desta gente toda / e esta vida dá-me cabo dos cigarros.”

As escolhas de Alexandre Borges

Ana Bárbara Pedrosa

O perfume das flores à noite
Leïla Slimani (tradução de Isabel Castro Silva)
(Alfaguara)

Para o verão ou para o meio da neve, Leïla Slimani dá para sempre. É uma das mais vozes apaixonantes da literatura coletânea e o livro publicado este ano traz um novo registo. Partindo de uma noite insone, eis Slimani a escrever sobre a escrita. Por todo o livro, o ato de escrever aparece como uma força bruta que se baseia na urgência e na obrigatoriedade. Mesmo tendo noção de que a escrita é manipulação, é difícil não acreditar na abertura que Slimani traz para o diálogo. À medida que o leitor vai apanhando de forma escorreita um ensaio, vai ficar cada vez mais ligado ao processo intrínseco da escrita de ficção, que obriga o romance a sonegar tudo à volta.

Um Casamento Americano
Tayari Jones (tradução de Tânia Ganho)
(Quetzal)

A vida mete-se nos planos. Aqui, um casal separa-se após uma acusação falsa, e a sentença de 12 anos de cadeia chega para matar os sonhos à nascença. Ao longo do romance, tudo é tensão: fica logo claro que o casamento terá de morrer às portas da prisão. Ainda assim, para um a vida cristalizou, para a outra seguiu – e com isso houve novidades e expansão. Ao longo da leitura, coração e razão entram em batalha, e o vencedor varia. A opção da autora por contar a história de três pontos de vista permite ao leitor expandir a leitura, sendo três cabeças, estando em cena com as personagens. Orgânico e energético, o romance é uma composição bem montada cuja prosa vai sempre ao osso.

Onde as Peras Caem
Nana Ekvtimishvili (tradução de Maria do Carmo Figueira)
(Dom Quixote)

O romance da escritora georgiana surpreende pela sua capacidade de incisão. O cenário é a Geórgia recém independente. Nos arredores de Tbilisi, vivem crianças órfãs e outras com algum tipo de deficiência mental numa instituição de acolhimento: a Escola dos Idiotas. O cenário é de abuso: os professores deixam as crianças em situações de negligências e a leitura permite vê-las crescer pela violência que a falta de empatia provoca. Há momentos que são estalos e é difícil esquecer a forma como a violência aplaca a falta de cuidados, transformando a vida em displicência. Não se processam nem violações nem horrores, porque o horror faz parte do dia a dia, e o imperdoável não deixa nada a dizer.

As escolhas de Ana Bárbara Pedrosa

Carlos Maria Bobone

Guerre
Louis-Ferdinand Céline
(Gallimard)

De um manuscrito inédito — 250 páginas escritas nos anos trinta, depois da viagem ao fim da noite — saiu este romance de Céline. A trama passa-se na Flandres, durante a Grande Guerra, no meio do tão celiniano horror aos desmandos internacionalistas e do trauma bélico.

Contra a Corrente
Roger Scruton
(Edições 70)

É uma recolha dos artigos que, ao longo dos anos, Scruton foi escrevendo em jornais. Tem as sempre virulentas diatribes contra o progressismo, mas tem sobretudo um lado autobiográfico, em que Scruton demonstra o amor pelas pequenas conquistas da civilização, que renova o gosto pelo que nos rodeia.

Populismo Lá Fora e Cá Dentro
José Pedro Zúquete
(Fundação Francisco Manuel dos Santos)

Um livro que trata o populismo de um ângulo curioso: não como uma novidade, mas como uma tradição. Demonstra as suas origens, a persistência dos seus traços em todos os regimes e sistemas políticos, e o modo como se foi transformando ao longo dos tempos.

As escolhas de Carlos Maria Bobone

Eurico de Barros

Os Loucos Anos 20 — Diário da Lisboa Boémia
Paula Magalhães
(Planeta)

Na década de 20 do século passado, o país enfrentava uma enorme crise política, económica e social, os governos duravam poucos dias e a República precipitava-se para a autodestruição. Mas Lisboa vivia despreocupada e freneticamente, entre cabarés e jogo legalizado, espetáculos ousados, peças de teatro controversas e filmes inovadores, corridas de cavalos e automóveis, recebendo as modas de Paris e as novidades tecnológicas. Este livro recorda esses anos breves mas intensos.

Uma Estranha Amizade– Eça de Queirós e Ramalho Ortigão
Maria Filomena Mónica
(Relógio d’Água)

Diz a ideia feita que Eça de Queirós e Ramalho Ortigão eram grandes e estreitos amigos, partilhando os mesmos pontos de vista e a mesma mundividência. Maria Filomena Mónica não é pessoa para ideias feitas e propõe-se mostrar nestas páginas que os dois escritores tinham uma amizade muito peculiar e não eram tão próximos como poderíamos pensar, analisando tudo o que na realidade os separava, das origens sociais às ideias estéticas e políticas, e à própria visão do mundo.

Hergé em Portugal
Vários autores
(Fundação Calouste Gulbenkian)

Tudo o que quis saber sobre as relações entre Hergé, Portugal e os portugueses, e sobre as aventuras de Tintin na imprensa portuguesa e a publicação das seus álbuns entre nós, está nesta separata da exposição dedicada ao autor belga e à sua criação, que esteve há alguns meses na Gulbenkian, cheia de ilustrações e documentos. Os autores dos vários artigos são alguns dos mais distintos tintinólogos nacionais, e na capa, bviamente, brilha o Sr. Oliveira da Figueira.

As escolhas de Eurico de Barros

Joana Stichini Vilela

Açúcar Queimado
Avni Doshi (tradução de Tânia Ganho)
(Dom Quixote)

Uma mãe que nunca o foi, uma filha que não quer ser, e uma doença que baralha a ordem natural das coisas. No romance de estreia, a norte-americana de ascendência indiana Avni Doshi atira-se de cabeça ao tema sempre fácil das relações entre mães e filhas. Em fundo, os contrastes da Índia, das comunidades hindus aos novos multimilionários. “Mentiria se dissesse que a infelicidade da minha mãe nunca me deu prazer”, arranca o livro. Uma viagem irónica e dolorosa em torno das armadilhas da memória e da forma como somos tantas vezes obrigados a reconstruir-nos, sobretudo quando menos esperamos.

Babilónia
Ana Cássia Rebelo
(BookBuilders)

“Costumas reparar na beleza das coisas?”, pergunta Aninhas ao amante, quando o vê sair do duche, ainda envolto em vapor. A resposta não a convence, e é só quando ele aponta para uma bola de futebol esquecida num prédio abandonado e pergunta, “Quem terá jogado com aquela bola?”, que ela se permite descansar. Também ele, como ela, está atento aos pormenores insignificantes da vida. Entre pensões no Largo de São Domingos, embirrações com tomatinhos cereja e fétiches ao nível de todo o tipo de covinhas, Ana Cássia Rebelo compõe uma ode à absoluta transcendência da normalidade. Para ler na praia, na fila do supermercado ou no consultório da psicanalista.

Divórcio
Susan Taubes (tradução de Eugénia Antunes)
(Cavalo de Ferro)

Uma das redescobertas editoriais do ano, por cá e lá fora. Livro único de uma desconhecida que se suicidaria pouco depois de o completar, Divórcio conta a história do fim de um casamento e, sobretudo, da intensa viagem de autodescoberta percorrida pela sua protagonista, uma refugiada de guerra, filha e ex-mulher de dois psicanalistas judeus. Entre a memória, o sonho e a ficção, num tom tão desassombrado como contemporâneo, Taubes percorre territórios a que hoje chamaríamos autoficção e que à época, em 1969, estavam muito à frente do seu tempo. Imperdível.

Nuno Costa Santos

Melancolia em Tempos de Perturbação
Joke. J. Hermsen (tradução de Maria Antónia Vasconcelos)
(Quetzal)

Um ensaio que, entre referências históricas e artísticas várias, defende a melancolia – não confundir com depressão e suas variantes ansiosas — como sentimento, como condição essencial aos homens que se querem solidários, empáticos, capazes de deslumbre e criatividade. Portanto, um livro que parece ter um título de Inverno mas que se adapta à estação estival. Ruy Belo classificou o verão como “a única estação”, mas não o fez sem a dose de nostalgia e melancolia que, nas doses certas, só tornam o homem mais – sim – humano.

A Escrava Açoriana
Pedro Almeida Maia
(Cultura Editora)

Mais um livro com uma boa história narrada por Pedro Almeida Maia. Depois de, em“Ilha-América”, baseado em factos, ter contado a história de um homem que, anichado no vão de uma roda de avião, perseguiu o sonho emigrante, agora dedica-se à história de uma mulher que, levada pelo mesmo sonho, acaba como escrava no Brasil, em ano da segunda metade do século XIX. Desta vez a âncora do real foi substituída pela vontade de ficção. E, mais uma vez, Almeida Maia, com talento, destreza narrativa e evocativa, cumpre o programa de capturar o leitor, dando-lhe informação sobre um período da História açoriana e fazendo-o seguir viagem, também como emigrante, com as personagens e as peripécias do seu trilho.

M/V Rio Cuanza e Outras Histórias de Vida e de Mar
Luís Serpa
(Edições Humus)

Um livro que é um conjunto de narrativas autobiográficas de quem andou, profissionalmente, por muitos mares e, anos mais tarde, resolveu dedicar-se a registar as ocorrências. Amores, cumplicidades,  embates físicos, análises culturais. De temas vários se compõe este  catálogo de experiências em que não há palha verbal. No início de uma frase pode-se estar num lugar do mundo e, duas palavras a seguir, acordar noutro, muito distante. Sem necessidade de detalhar os sentimentos que acompanham a mudança. Isso é raro nas nossas escritas e, por isso, de valorizar ainda mais.

As escolhas de Nuno Costa Santos

Rita Cipriano

Paradais 
Fernanda Melchor (traduzido para o inglês por Sophie Hughes)
(Fitzcarraldo Editions)

O mais recente romance da mexicana Fernanda Melchor, uma das mais poderosas vozes da nova geração de escritores sul-americanos, é um novo murro no estômago. Focado em dois adolescentes que se embebedam noite após noite num condomínio de luxo, Paradais explora o enorme fosso que separa ricos e pobres na sociedade mexicana. O romance recupera alguns dos temas de Hurricane Season (como a violência, física e psicológica, e a superstição), o livro anterior de Melchor, mais é mais cru e menos poético na linguagem. É, no entanto, igualmente inquietante e angustiante na forma como revela as fragilidades de um país marcado por desigualdades — e arrebatador na maneira como retrata a humanidade.

O Fim do Mundo Não Terá Acontecido
Patrik Ouředník (traduzido por Júlio Henriques)
(Antígona)

Os 16 anos que passaram entre a publicação de Europeana (2001) e O Fim do Mundo Não Terá Acontecido (2017) não tornaram Patrik Ouředník mais otimista. Como poderiam? O mundo não se tornou num lugar melhor e os humanos não ficaram menos estúpidos. Foi constatando isso mesmo que escritor checo projetou e concretizou O Fim do Mundo Não Terá Acontecido, um hino irónico e mordaz ao absurdo da humanidade e à estupidez do ser humano. A obra relata de forma fragmentária e livre a vida e morte de um tradutor francês, Gaspard Boisvert, ex-conselheiro do “presidente americano mais estúpido da história do país” e possível bisneto de Adolf (Hitler), o Boche, que serve a Ouředník para concluir que o fim do mundo anunciado já aconteceu, porque o mundo, tal como está, não avança para lado nenhum.

Não-Coisas. Transformações no Mundo em Que Vivemos
Byung-Chul Han (tradução de Ana Falcão Bastos)
(Relógio d’Água)

Sempre atento ao mundo contemporâneo e às suas particularidades (ou infelicidades, dependendo do ponto de vista), o filósofo Byung-Chul Han dedicou o seu último trabalho ao universo digital e à influência exercida por este na forma como vivemos as nossas vidas, nos apegamos às coisas e interagimos uns com os outros. A conclusão não é animadora, mas é profundamente esclarecedora: “Na comunicação digital, o outro está cada vez menos presente. Com o smartphone, retiramo-nos para uma bolha, que nos protege dos outros. (…) A ausência do olhar é responsável pela perda de empatia na era digital”. Um livro para nos fazer pensar e sair da “bolha”.

Susan Sontag — Vida e Obra
Benjamin Moser (tradução de José Geraldo Couto)
(Objectiva)

As férias de verão dificilmente serão suficientes para concluir a leitura da monumental biografia de Susan Sontag de Benjamin Moser, mas poderão ser úteis para dar um empurrão na leitura das suas mais de 600 páginas. Publicado originalmente em 2019, o volume, recentemente editado em Portugal, ​​é o mais completo trabalho biográfico sobre a escritora e ativista norte-americana e muito provavelmente a sua biografia definitiva. Para a escrever, Moser teve acesso total ao Arquivo Sontag e a pessoas que conheceram e privaram de perto com a pensadora, personalidade polémica, contraditória, adorada e odiada e a representação máxima de uma época única na história dos Estados Unidos da América.

As sugestões de Rita Cipriano

Susana Romana

Apontar É Feio
Joana Marques
(Contraponto)

Apontar até pode ser feio, mas não é por isso que Joana Marques deixa de ser apontada como uma das humoristas de maior destaque neste momento (trocadilhos não são a minha especialidade, como se comprova). E um dos motivos que a torna tão relevante é a notória capacidade de escrita. Aqui encontram-se crónicas escritas para o Jornal de Notícias e também para o Observador, divididas por temas gerais a fazer lembrar os apontamentos das matérias da escola, da Fisico-Química ao Português, passando pelo Estudo do Meio ou a Educação Física.

Crying In H Mart
Michelle Zauner
(Pan Macmillan)

É, sem dúvida, um dos livros mais tristes do ano, mas também um dos mais crus e imperdíveis. A norte-americana Michelle Zauner (também conhecida pelo projeto musical Japanese Breakfast) faz o relato autobiográfico da doença e morte da mãe, uma mulher sul coreana com quem tem uma relação tensa. Mas aqui acresce um elemento essencial às memórias: o dos cheiros e sabores da culinária da Coreia do Sul, que a autora interliga com as narrações da sua infância, adolescência e vida adulta. Tradução urgente para português precisa-se.

O Retorno (edição comemorativa dos dez anos)
Dulce Maria Cardoso
(Tinta-da-China)

Todas as desculpas são boas para voltar a dar destaque à magnum opus de Dulce Maria Cardoso, uma das maiores autoras portuguesas contemporâneas. O Retorno é um romance perfeito, aliando a ficção a um relato necessário e constantemente relegado da chegada dos retornados a Portugal no pós-25 de Abril. Esta edição comemorativa acrescenta-lhe uma capa dura e algumas páginas escritas à mão pela autora, mas este é um livro incontornável mesmo que estivesse gravado a canivete da porta de um WC público.

Vasco Rosa

Dança: Atividário
Inês Fonseca Santos e André Letria
(Patológico)

De A a Z, uma pequena enciclopédia-dicionário de estilos, figuras e modos desta “forma de expressão que nos desafia, que nos torna mais livres e próximos uns dos outros”. Os desenhos de André Letria tanto evocam Josephine Baker como Pina Bausch, os dançarinos Zaouli da Costa do Marfim como os nossos Pauliteiros de Miranda, os figurinos “geométricos” do Bauhaus, as bailarinas de Degas e, claro, a febre de John Travolta e a elasticidade de Fred Astaire — e a moda do Hula-Hoop. Do arcaico ao contemporâneo, sem pé duro. Os verbetes de Inês Fonseca Santos parecem, aqui e ali, demasiado condicionados pela “consultadoria científica” de Daniel Tércio, e o rosa-choque dominante na paginação recomenda leitura em sombra confortante.

Por este Mar Adentro. Êxitos e fracassos de mareantes e emigrantes algarvios na América hispânica
Maria da Graça Ventura
(Tinta da China)

A diáspora da gente do Sul irradiando na América do Sul, e de costa a costa, desde um carpinteiro de navios saído de Tavira a um negreiro em Cartagena das Índias nascido em Portimão, para além de mercadores e homens de navio, a serviço de Espanha ou não. Sem dúvida, uma leitura curiosa para quem esteja de férias no Algarve…

Ama o Precipício. Viagem à Mata Nacional do Bucaço
Susana Neves
(Fundação Francisco Manuel dos Santos)

Maravilhoso pequeno livro (e de bolso), escrito por uma investigadora que escreve bem e faz o seu “trabalho de casa” com afinco e paixão visceral. História e botânica dialogam a par e passo. Mas também há isto, a sublinhar: “Não é fácil ser semente no chão do Buçaco. A acumulação de folhas é de tal forma intensa que só uma semente muito competitiva consegue germinar pelos seus meios” (p. 70).

Um Judeu em Lisboa
Autobiografia de Joshua Ruah
(Caminho)

Deliciosa leitura esta autobiografia do famoso médico, escrita com fino humor e sem pretensão (e a atenção judaica à língua, que é muito particular: “Quanto à nossa relação, manteve-se sempre uma ralação”, p. 208). Fazem-nos muita falta depoimentos de vida como este.

Primavera Tardia
Eliana Sousa Santos e Tiago Silva Nunes
(Dafne Editora)

Dois arquitetos cinéfilos num périplo pelo Japão. Estimulante cruzamento de observações e reenvios culturais, um livro raro num país antigo mas provinciano. Dos que ficam na cabeceira, mesmo depois de lidos e relidos.

As escolhas de Vasco Rosa

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