Mesmo discreta, Maria Luís Albuquerque esteve sempre ao lado de Luís Montenegro. Apesar da pausa partidária, interrompeu-a sempre que o amigo Luís precisou. Mesmo quando era difícil. Esteve com ele antes da tentativa de impeachment a Rio em janeiro de 2019, nas diretas dez meses depois e também, quando era mais fácil, em 2022. A liderança de Montenegro foi também o regresso da ex-ministra, que não quis (e teve essa oportunidade) integrar a direção do líder do PSD. Quando o PSD venceu as eleições em março, Maria Luís Albuquerque também não entrou no Governo, ficando na reserva do partido para ser comissária europeia. Apesar de ter sido a primeira escolha de Passos Coelho, a queda do BES impediu-a de seguir para Bruxelas em 2014, mas Montenegro corrigiu esse percalço esta quarta-feira.

Mesmo que fosse uma saída por uma boa razão (um cargo europeu), Montenegro entende que, num Governo minoritário, que se está a afirmar, não faz sentido um governante sair passado quatro meses. Além disso, já tinha um ministro das Finanças (Miranda Sarmento).

O processo do comissário estava a ser tratado pessoalmente por Luís Montenegro há mais de três meses, com o primeiro-ministro a fazer contactos diretamente com Ursula Von der Leyen — com quem foi falando frequentemente sobre o assunto. A presidente da Comissão Europeia não só queria uma mulher, como foi manifestando satisfação com o perfil de Maria Luís Albuquerque.

Luís Montenegro foi escondendo o nome, embora começassem a surgir pistas. Há uma semana o Observador avançava que o mais provável é que fosse uma mulher e que o nome mais consistente a circular no partido era, precisamente, o de Maria Luís Albuquerque. No Conselho Nacional de 8 de julho, Maria Luís Albuquerque — que foi eleita conselheira como número dois da lista apoiada por Montenegro (logo atrás de Carlos Moedas) — estava especialmente ativa nas conversas com outros conselheiros. “Já está a trabalhar para comissária”, comentou então um dirigente do PSD com o Observador nos corredores.

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Novo comissário vai ser surpresa revelada no Alentejo. Montenegro inclinado a escolher mulher

Quando foi desenhada a Universidade de Verão, o jantar-conferência de sábado ficou com o orador em aberto como “convidado-surpresa”. Como o Observador avançou, durante a Universidade de Verão seria revelado que esse convidado era o novo comissário europeu. O plano inicial — que passaria pela divulgação do nome do comissário na Universidade de Verão — começou a perder força por duas razões: o facto de a intervenção estar prevista para a mesma hora do clássico Sporting-FC Porto (a hora do jogo só foi fechada depois de a agenda ser divulgada) e por haver a sensação de que, depois de o nome seguir para Bruxelas, na sexta-feira, dia 30, seria difícil aguentar o segredo até à hora da intervenção na Universidade de Verão que, para já, se mantém nos planos.

O PS aproveitou esse facto para acusar o Governo de falta de sentido de Estado e de tratar o anúncio de um comissário como se fosse um show. Para estancar essa ideia, Paulo Rangel disse na terça-feira ao jornal Público que até sexta-feira o nome do comissário seria comunicado pelas vias institucionais. Luís Montenegro, que regressou esta quarta-feira de férias do Brasil, não quis esperar e marcou uma conferência de imprensa em São Bento logo para esta quarta-feira. Depois de meses de tabu, a escolha estava feita: era Maria Luís Albuquerque.

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Um dirigente do PSD disse ao Observador que esta era a “escolha mais natural”, já que “Maria Luís [Albuquerque] tinha todo o perfil e toda a experiência para o cargo”. Ainda na noite de terça-feira, antes de o nome ser revelado, um outro dirigente dizia que “não há Bugalhos todos os dias”, sugerindo que a escolha seria a mais provável e não um nome fora da caixa. No topo do partido, nos últimos dias, todos garantiam que nada sabiam. Quando Luís Montenegro disse esta quarta-feira que teve o “apoio de todo o Governo” significa que comunicou o nome aos ministros na manhã desta quarta-feira e não teve, como seria de esperar, qualquer oposição.

Maria Luís podia ter sido comissária (e podia ter feito cair um Governo)

Pedro Passos Coelho chegou a confessar, em 2020, que a antiga ministra das Finanças foi a primeira escolha do Governo PSD-CDS para comissária em 2014 — e até que tinha tudo acertado com o então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker — mas como houve o colapso do BES, o primeiro-ministro decidiu que não podia abdicar da titular da pasta das Finanças.

Uma das dúvidas internas que havia quanto ao nome de Maria Luís Albuquerque era pelo facto de Luís Montenegro estar a seguir uma trajetória de corte com o passismo e com as figuras associadas ao período da austeridade. Mas isso não impediu o primeiro-ministro, segundo explica fonte social-democrata ao Observador, porque “a popularidade de Maria Luís como comissária não afeta nada o eleitorado nacional do PSD, até porque ela vai andar afastada das lides partidárias”. A mesma fonte diz também que “Maria Luís é tão passista como montenegrista”.

A ligação da candidata a comissária a Passos Coelho é, no entanto, mais antiga. Maria Luís Albuquerque foi professora do antigo primeiro-ministro na Universidade Lusíada. Com base na ligação que criaram, viria a integrar o primeiro Governo de Passos como secretária de Estado do Tesouro. Após a saída de Vítor Gaspar, em 2013, Maria Luís Albuquerque subiu a ministra bem no auge da contestação do caso dos swaps. A chegada de Maria Luís ao topo do Ministério das Finanças não foi pacífica. Passos Coelho apostou na continuidade e passou a número dois do ministério a número um. Quem não ficou contente com a escolha foi o líder do outro partido da coligação, Paulo Portas, que preferia outras opções — como o então ministro da Saúde, Paulo Macedo — para inverter o rumo das políticas do Governo e torná-las mais sensíveis e menos austeritárias.

Passos ignorou Paulo Portas e o líder do CDS apresentou então uma demissão alegadamente “irrevogável”. Aliás, a comunicação de Paulo Portas feita para as televisões a 2 de julho de 2013 aconteceu precisamente no mesmo dia em que Maria Luís Albuquerque era esperada em Belém, para Cavaco Silva lhe dar posse. Quando muitos vaticinavam o fim da maioria e do Governo, Passos negociou com Portas, que promoveu a vice-primeiro-ministro, mas manteve intocável a escolha de Maria Luís Albuquerque.

As várias polémicas: da acusação de mentir à ameaça do marido

Maria Luís Albuquerque esteve envolvida em várias polémicas como governante. No caso dos swaps, por exemplo, foi acusada de mentir no Parlamento. Isto porque disse aos deputados que não tinha sido informada pelo Governo anterior, mas o ex-ministro Teixeira dos Santos garantia ter transmitido isso ao então ministro das Finanças Vítor Gaspar. O ex-ministro socialista acusou Maria Luís de “mentir” e acrescentou: “Há aqui uma série de inverdades e, ao querer-se uma desculpabilização, mancha-se o nome de terceiros”.

Maria Luís Albuquerque, a mulher que atrai polémicas

Quando, meses depois de sair do Governo, foi para a empresa financeira Arrow Global (que acumulou com o cargo de deputado), Maria Luís Albuquerque foi acusada pela esquerda de estar a violar o regime de incompatibilidade, já que não só era administradora (embora não executiva) de uma empresa dedica à gestão e recuperação de dívidas, como essa empresa teria comprado carteiras de crédito ao Banif dois anos antes. A agora comissária negou todas as acusações de incompatibilidade, garantindo que não estava a violar a lei nem regras éticas.

Maria Luís Albuquerque foi também o rosto da venda do BPN ao BIC de Mira Amaral, o que levou a esquerda a duvidar da lisura do processo. O então co-líder do Bloco de Esquerda, João Semedo chegou a dizer que esse processo de reprivatização do banco foi um “negócio de favor”. No caso do Banif, Maria Luís também esteve no olho do furacão.

Há outra polémica, à qual a própria é alheia, mas relativamente à qual o seu nome está associado. Após Filipe Alves — então jornalista do Diário Económico e agora futuro diretor do Diário de Notícias — ter escrito um artigo a questionar as opções do Banco de Portugal e do Governo PSD/CDS no Novo Banco, o marido de Maria Luís Albuquerque, António Albuquerque, enviou-lhe uma mensagem ameaçadora: “Tu não sabes quem eu sou. Metes a minha mulher ao barulho e podes ter a certeza que vais parar ao hospital”. Na sequência do caso, em julho de 2015, António Albuquerque acabaria por ser acusado pelo Ministério Público de cinco crimes de injúria e difamação com publicidade e coação.

De respeitada a vetada

Militante número 191.577 do PSD, afirmou-se no partido só após passar pelo Governo. Nas legislativas de 2011 e 2015 foi a cabeça de lista pelo distrito de Setúbal. Foi também vice-presidente do PSD durante a liderança de Passos Coelho. Durante esse período foi respeitada e aplaudida em Congressos, com uma notoriedade que cresceu após assumir o cargo de ministra das Finanças. Na fase final da liderança de Passos, chegou a ser apontada como potencial candidata a líder.

Com a saída de Passos Coelho, Maria Luís não só deixou de integrar os órgãos nacionais do partido como — após o seu nome ser escolhido pela distrital para encabeçar o distrito de Setúbal pela terceira vez consecutiva — viu o seu nome ser vetado pela direção de Rui Rio. Foi um veto antes das legislativas de 2019, acreditaram os apoiantes de Montenegro, motivado por ser montenegrista.

Agora, aos 56 anos, Maria Luís Alburquerque está prestes a chegar ao cargo de comissária europeia. Está previsto que tenha a sua primeira intervenção pública no próximo sábado na Universidade de Verão do PSD. Há 10 anos, como ministra, também participou na Universidade de Verão, com um painel com o tema “Portugal no euro, oportunidades e condicionamentos”.

O currículo, que a própria, colocou na página do Governo quando era ministra, é vasto. É licenciada em Economia pela Universidade Lusíada de Lisboa, em 1991. Seis anos depois conclui o mestrado em Economia Monetária e Financeira pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa desde 1997. Foi técnica superior na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças entre 1996 e 1999, técnica superior do Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica do Ministério da Economia entre 1999 e 2001. Em 2001 desempenhou funções de assessora do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Rudolfo Lavrador, num governo do PS. Foi também Diretora do Departamento de Gestão Financeira da Refer entre 2001 e 2007 e coordenou o Núcleo de Emissões e Mercados do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público entre 2007 e 2011. Como governante esteve no Eurogrupo e no Ecofin, numa experiência europeia que lhe vai ser útil.