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O movimento repete-se. Antiga professora de Pedro Passos Coelho na universidade, Maria Luís Albuquerque chegou ao governo em 2011 enquanto secretária de Estado do Tesouro e o seu percurso político desde então ficou marcado por uma série de altos e baixos: ou melhor, sempre que havia um baixo, seguia-se um alto. É “respeitada” e “acarinhada” no partido, à vista de todos, mas poucos foram os que ficaram convencidos com a sua mais recente promoção na cúpula de poder do PSD, oficializada este domingo. Esta quarta-feira vai estar no Parlamento para se justificar sobre o caso Banif na comissão de inquérito. Mais uma onde vai testemunhar.

Em 2013, depois da saída de Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque subiu a ministra bem no auge da contestação do caso dos swaps – e mesmo que tal tenha custado a quase demissão “irrevogável” de Paulo Portas. Antes disso, tinha sido o rosto da venda a preço de saldo do BPN. E a seguir ainda foi a responsável governativa pela pasta do Banif. Pelo meio, uma polémica de ameaças a jornalistas que envolveu o seu marido e, nas últimas semanas, uma ameaça de incompatibilidades no Parlamento pelo facto de ter sido contratada por uma das maiores empresas europeias de aquisição e gestão de crédito, com negócios em Portugal. No meio de tudo, Passos Coelho promoveu a mulher forte das Finanças a vice-presidente do partido, quem sabe a pensar na sua sucessão. Um gesto que não caiu bem a algumas alas dentro do partido e que foi visto como mais um sinal da afamada “teimosia” de Passos. “Quanto mais batem numa pessoa, mais ele a segura”, ouviu o Observador de um dos congressistas.

Certo é que, apesar das críticas feitas mais ou menos em surdina, Maria Luís foi muito aplaudida quando foi chamada ao palco do congresso em Espinho. “Algumas pessoas podem não ter gostado muito por não haver renovação, mas ela é acarinhada de modo geral”, disse um deputado. Outras figuras, como o líder parlamentar Luís Montenegro, destacaram o “mérito” demonstrado pela governante no cumprimento do mandato, justificando com isso a escolha. Além de que tem a seu favor o prestígio de que goza em Bruxelas.

Certo é que, em apenas cinco anos de política ativa, já foram muitas as polémicas em que esteve envolvida. Estas foram as principais.

Ou ela ou eu. A demissão “irrevogável”

A chegada de Maria Luís ao topo do Ministério das Finanças não começou de forma pacífica. Com a saída de Vítor Gaspar, a escolha de Passos para a substituição recaiu na continuidade das políticas económico-financeiras, ou seja, na promoção da secretária de Estado do Tesouro, que era o número dois de Gaspar no Terreiro do Paço. Mas a escolha não agradou ao então parceiro de coligação, Paulo Portas, que preferia outras opções (nomeadamente o então ministro da Saúde, Paulo Macedo) para inverter o rumo das políticas do Governo. Mas Passos não lhe deu ouvidos e Portas partiu para a demissão “irrevogável”.

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A comunicação de Paulo Portas feita para as televisões a 2 de julho de 2013 aconteceu precisamente no mesmo dia em que Maria Luís Albuquerque era esperada em Belém, para Cavaco Silva lhe dar posse. Os momentos que se viveram nesse dia foram de tensão, com os telefones imparáveis, na permanente dúvida sobre se o Governo caía ou não, se a tomada de posse acontecia ou não. No meio do caos, Passos manteve-se firme na escolha de Maria Luís, mas Portas também ficou – promovido a vice-primeiro-ministro.

Arrow Global, uma questão de ética?

A notícia apareceu no início do mês de março. Maria Luís Albuquerque, ex-ministra e atual deputada, tinha sido contratada para o cargo de administradora não executiva da Arrow Global, empresa financeira britânica que se dedica à gestão e recuperação de dívidas e que teria comprado em 2014 carteiras de crédito ao Banif. No comunicado sobre a nova contratação, o conselho de administração da Arrow destacava mesmo o facto de Maria Luís ser uma mais-valia por ter experiência em cargos públicos.

A partir daí, alguns deputados questionaram a compatibilidade da sua função de deputada com o cargo naquela empresa financeira, assim como o cumprimento ou não do chamado período de nojo dos titulares de cargos políticos. Maria Luís Albuquerque é desde então questionada por ter aceitado o cargo e continuar como deputada e, além disso, por ir trabalhar para a Arrow quando, por ter sido ministra, possui informação privilegiada em algumas matérias. Foi para saber se Maria Luís estava ou não em incumprimento da lei que os deputados do PCP e do BE pediram informações ao Governo exigindo saber se a Arrow Global teve benefícios do Estado quando era ministra.

O Governo já respondeu, descansando de certa forma a ex-ministra, dizendo que não foram encontrados quaisquer registos de benefícios contratuais com aquela empresa (nem com as filiais Whitestar ou Gesphone, que também estavam em causa), mas o processo continua, devendo a comissão de Ética emitir e votar brevemente um parecer sobre o chamado “caso Maria Luís”.

Ouvida pelos deputados da comissão de Ética na semana passada, a ex-ministra garantiu que não estava a violar a lei ou a ética ao ter aceitado ser administradora não executiva da Arrow Global, alegando estar a ser alvo de má-fé. “Para mim, a ética não é uma questão de tempo. Se em algum momento eu tivesse enquanto governante dado a esta empresa algum tipo de tratamento privilegiado ou algum tipo de benefício, não iria trabalhar para esta empresa nem agora, nem daqui a três anos, nem daqui a cinco, nem daqui a seis”, disse depois em entrevista à RTP.

Swaps, acusada de mentir

Foi o cartão de boas-vindas de Maria Luís enquanto ministra. Em meados de 2012 concluiu-se que os custos financeiros de várias empresas públicas não batiam certo com a descida das taxas de juro de referência, tendo o Governo recém-empossado sido alegadamente avisado que os contratos tinham características tóxicas altamente especulativas. As perdas para os cofres públicos ascendiam na altura a 1400 milhões de euros e em 2013 já as perdas potenciais tinham duplicado e ascendiam a três mil milhões de euros, altura em que os bancos ameaçaram exigir o retorno. Quem assumiu a coordenação do processo no lado do Governo foi Maria Luís Albuquerque, então secretária de Estado do Tesouro, e anterior coordenadora do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público. Antes, tinha ainda sido diretora do Departamento de Gestão financeira da Refer.

Mergulhada no caso dos swaps, primeiro como secretária de Estado e depois já como ministra, a polémica estoirou quando a então ministra garantiu no Parlamento que não tinha sido informada pelo Governo anterior sobre o rombo causado por aqueles contratos, e dias depois o ex-ministro Teixeira dos Santos contrariou as declarações garantindo que tinha abordado o tema em reuniões com Vítor Gaspar. “Há aqui uma série de inverdades e, ao querer-se uma desculpabilização, mancha-se o nome de terceiros”, disse o ex-ministro de Sócrates no Parlamento, acusando a ex-ministra de “mentir”.

O caso dos swaps fez rolar cabeças, mas não a da própria. Caiu Joaquim Pais Jorge, que tinha sido uma escolha pessoal da então ministra Maria Luís para a secretaria de Estado do Tesouro. Em causa estava o seu envolvimento na apresentação de contratos swap ao anterior executivo socialista, em 2005, quando integrava o Citigroup. O ministério alegava que o documento que provava a presença de Pais Jorge em reuniões com o Governo de Sócrates tinha sido manipulado, mas o governante não resistiu à intensa exposição mediática e apresentou a demissão. Uma demissão que acabou por beliscar a imagem da própria ministra.

O culminar do caso dos swaps aconteceu quando, este ano, um tribunal londrino deu razão ao Santander contra o Estado português, condenando as empresas públicas — Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP — a reconhecerem os contratos, no valor de 1,8 mil milhões de euros no âmbito do processo.

As ameaças do marido

“Tu não sabes quem eu sou. Metes a minha mulher ao barulho e podes ter a certeza que vais parar ao hospital”. António Albuquerque, marido da então ministra das Finanças, não queria deixar espaço para dúvidas: Filipe Alves, jornalista do Diário Económico, estava avisado. As ameaças começaram em setembro de 2014, depois de Filipe Alves ter escrito um artigo de opinião onde questionava as opções do Banco de Portugal e do Governo PSD/CDS na condução do processo Novo Banco.

António Albuquerque, ex-jornalista e antigo editor do Económico, não gostou do que leu e enviou uma série de SMS a Filipe Alves com ameaças concretas à sua integridade física. Essas mensagens chegariam depois à revista Sábado. A troca de mensagens foi tudo menos pacífica e envolveu linguagem explícita contra o jornalista e o então diretor do Diário Económico, António Costa.

As mensagens não ficariam por aqui. “Tira a minha mulher da equação senão vou-te aos cornos”, ameaçou o marido da ex-ministra das Finanças. O jornalista acabaria por apresentar uma queixa junto do Ministério Público. Na altura, contactado pela revista sábado, António Albuquerque confirmou a troca de mensagens, mas recusava-se a pedir
desculpas, como exigia o jornalista. “Não peço desculpa a supostos jornalistas, que não o são, e se movem para defender interesses económicos”. Nessas mesmas declarações, admitiu ter uma questão pessoal com Filipe Alves e com o diretor do jornal.

Em julho de 2015, António Albuquerque acabaria por ser acusado pelo Ministério Público de cinco crimes de injúria e difamação com publicidade e coação.

BPN, dar a cara pela venda

Quando ainda era secretária de Estado do Tesouro e Finanças, Maria Luís Albuquerque tornou-se o rosto da venda do BPN, um buraco gigantesco nas contas públicas e um caso político-judicial que ainda hoje está por encerrar.

Em 2011, o Estado acabaria por entregar o BPN ao banco luso-angolano BIC, liderado por Mira Amaral, a troco de 40 milhões de euros. A quantia em causa e os contornos complexos do processo puseram Maria Luís Albuquerque no centro de todas as críticas. O Bloco de Esquerda, então liderado também por João Semedo, chegou a classificar a reprivatização do banco como um “negócio de favor”.

Maria Luís nunca aceitou esta tese. A ex-ministra das Finanças defendeu sempre que a proposta do BIC era a única que garantia “a atividade do BPN e a defesa dos interesses dos depositantes”. Mesmo quando surgiram para a praça pública outras opções, como a do Montepio ou a do Núcleo Estratégico de Investidores (NEI), que garante ter subido a oferta para 100 milhões numa reunião com a própria secretária de Estado do Tesouro.

Em outubro de 2015, em plena campanha eleitoral, rebentava nova bomba envolvendo a ex-ministra e o BPN: Maria Luís Albuquerque teria dado ordens à administração da Parvalorem para alterar as contas de 2012. O objetivo seria mascarar os prejuízos do veículo que ficara com os créditos do já extinto BPN e não agravar o défice das contas públicas. A notícia foi avançada pela Antena 1, que citava uma administradora da própria empresa. “Após este trabalho cirúrgico conseguimos reduzir o valor das imparidades de 577 milhões para 420 milhões de euros. Foi uma martelada que demos nas contas. As ordens vinham de cima, atuámos dentro da margem que tínhamos”. No total, a operação permitiu fazer “desaparecer” 150 milhões de euros.

Mesmo admitindo que tinha questionado a empresa sobre se “as expectativas (de perdas) não estariam a ser excessivamente pessimistas e negativas” face à evolução da economia, a ex-ministra recusou sempre qualquer tipo de interferência. “Não é uma instrução, não é poder da tutela”, afirmava na altura Maria Luís, justificando, de resto, que os prejuízos seriam sempre registados nas contas públicas quando se materializassem. “Não é nada que se possa disfarçar”.

A administração da Parvalorem acabou por assumir a total responsabilidade pelas contas relativas a 2012, desmentindo as notícias sobre as alegadas interferências da ex-ministra. Sobre as declarações da tal administradora, a Parvalorem descreveu-as como “deturpações da realidade” e censurou “o uso de gravações não autorizadas de um membro do conselho de administração e retiradas de um contexto mais alargado”, como escrevia o Observador na altura. O caso, no entanto, manchou mais uma vez a imagem da ministra – e logo em plena campanha eleitoral. Passos Coelho chegou mesmo a alertar para a coincidência da data com o timing da divulgação da notícia.

E agora, o Banif

O caso Banif é a polémica que se segue. Logo que foi anunciada a resolução por António Costa, começou o jogo do empurra de responsabilidades. O primeiro-ministro atirou as culpas para a inação do governo de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, o Banco de Portugal remeteu a decisão para o governo e para as exigências europeias que inviabilizaram uma venda com ajudas adicionais do Estado. E as autoridades europeias dizem que o pai da resolução foi o BdP. O governador devolve a bola – e assim sucessivamente. Cabe agora a cada um explicar-se.

Certo é que todos vão ser chamados a explicar-se e Maria Luís Albuquerque, enquanto ministra das Finanças, é a cara do anterior Governo no que diz respeito à gestão – ou à falta de ação, como acusa a esquerda – deste dossiê. Este é, de resto, o maior argumento da oposição, que lembra que o Estado injetou, em 2013, 1100 milhões de euros para o plano de recapitalização do Banif não tendo depois dado continuidade ao processo. Perante as exigências de Bruxelas, sabe-se que o anterior Governo apresentou pelo menos oito planos de reestruturação do banco, mas todos foram devolvidos de Bruxelas para Lisboa com “necessidades de alteração”. Resta saber por que razão não foi feita essa reestruturação tida como necessária.

Uma das propostas da Comissão Europeia, feita no final de 2014, era que o Governo colocasse os ativos “tóxicos” do Banif num veículo especial e que a parte do negócio saudável fosse vendida de forma gradual, até ao final de 2017. Mas nada foi feito até a bomba explodir nas mãos de António Costa em dezembro, um mês depois de tomar posse. Em entrevista à TVI, Maria Luís afastou as críticas afirmando que “nenhum Governo escolhe o momento de resolução de um banco”. “A decisão de resolução não é deste Governo [liderado por António Costa], mas sim da autoridade de resolução”, disse, atirando a culpa para o Banco de Portugal.