Deputado e coordenador do Chega na comissão de Orçamento e Finanças, Rui Afonso não tem dúvidas: “Neste momento, e face às atuais perspetivas, nós e o PSD não temos quaisquer ideias de haver qualquer aproximação seja de que forma for”,
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Rui Afonso garante ainda que todas as propostas apresentadas pelo Chega em sede de Orçamento do Estado para 2023 são acomodáveis e lamenta que os socialistas “não se consigam abstrair da cegueira ideológica” ao ponto de aprovarem propostas do partido liderado por André Ventura.
Sobre a vida interna do Chega, o deputado rebate qualquer critica à falta de democraticidade interna no partido e deixa uma certeza. “Acredito que neste momento o Chega seja o partido mais democrático do espetro político português.”
“Proposta do Chega teria impacto de cerca de 10 mil milhões de euros”
Esteve na reunião com Fernando Medina, no âmbito do Orçamento do Estado, fico satisfeito com aquilo que ouviu por parte do ministro das Finanças?
Vão continuar as medidas de cuidados paliativos, não vai haver medidas estruturantes de combate efetivo à inflação. Vão continuar os reajustamentos, vão ocorrer mais a nível dos impostos diretos, ao nível do IRS e do IRC e ainda não temos dados concretos relativamente aos ajustamentos que vão ser feitos.
Gostou do tom do ministro?
Sim, estamos ali numa postura construtiva. Temos visões completamente diferentes, obviamente, em relação ao futuro, ao papel do Estado enquanto motor da economia… Mas foi uma reunião construtiva em que colocámos os nossos pontos de vista. Vamos aguardar para ver como é que vai ser decidido.
Na apresentação das propostas do Chega para o Orçamento, André Ventura falou numa proposta para alargar o apoio de 125 euros que os portugueses vão receber este mês a todo o próximo ano, sem que esse apoio seja tributado. Tem ideia do impacto orçamental desta medida?
Estamos a falar de cerca de 10 mil milhões de euros. Este ano, à partida, o Estado arrecadará cerca de 50 mil milhões de euros em receita fiscal e prevemos que se fossem feitos alguns ajustamentos era possível encaixar essa medida no próximo ano, para os 12 meses.
Para um partido que ainda ontem dizia que as propostas serão equilibradas e tendo em conta a saúde das contas públicas, isto é realista?
Neste momento, as contas públicas estão com saúde. Tivemos um fenómeno que se chama inflação e que permitiu encaixar excedentes orçamentais que não estavam previstos. Portanto, é perfeitamente possível encaixar essa medida. Só para terem uma ideia, em 2022, só em IRS e IRC o Governo vai encaixar 20 mil milhões de euros. É perfeitamente enquadrável. Estamos a falar num cenário excecional que requer medidas excecionais e não estamos a falar de uma medida permanente. É uma medida que ficará em vigor durante um ano.
É possível com esse excedente orçamental chegar a todas as propostas do Chega? É possível assegurar que as contas públicas fiquem saudáveis?
Em termos orçamentais, acreditamos que vai haver um excedente na ordem dos 20 mil milhões de euros e as nossas medidas, ainda que não fossem todas aceites, estão na ordem dos 14 mil milhões de euros.
O Chega propõe também o alargamento do teto máximo de despesas dedutíveis no IRS. Para quanto? Já têm essa conta feita?
À partida iremos passar dos 800 para os 1200 euros. Temos uma estimativa, mais ou menos, sobre quando é que isso vai custar, mas não vou adiantar o valor porque depende de outros fatores.
Também aproveitando este excedente de que falava?
Sim, sim. Temos cerca de quatro mil taxas em vigor no nosso país e quando falam de receita temos de considerar a receita global e encaixámos [essa medida] na receita global, é possível fazer esse encaixe. Não é um valor muito anormal. Em IRS temos uma receita global na ordem dos 14 mil milhões de euros.
“Não temos problemas nenhuns em aprovar propostas do PS”
O Chega foi, no ano passado, o partido que mais aprovou propostas do PS na fase da especialidade. Afinal, há margem para os dois partidos se entenderem? Neste processo pode acontecer o mesmo?
Às vezes é preciso tomar medidas de rutura, estruturantes e não de seguimento e acreditamos que o Chega é muito mais corajoso a tomá-las. O PS não terá essa coragem política para o fazer. Contudo, isso não quer dizer que quando o PS apresenta medidas que sejam benéficas para a população, para as famílias ou para as empresas, que não votemos favoravelmente. No exemplo do IVA da eletricidade: obviamente que não concordámos…
Foi uma proposta criticada pela pouca abrangência…
Exatamente.
Não tem problemas de chegarem ao fim da especialidade e serem os campeões a aprovar propostas do PS?
Desde que essas medidas sejam benéficas quer para as famílias, quer para as empresas não tenho problemas nenhuns. Apesar de acreditar que podemos ir muito mais longe nas medidas, não posso rejeitar uma família que vá beneficiar as famílias e empresas portugueses.
A não existência desses pruridos não significa que possa haver uma abstenção do Chega ou até uma votação favorável no Orçamento do Estado?
Há duas situações distintas, uma é a votação do Orçamento do Estado enquanto um documento global…
E aí vão votar sempre contra, nem que fossem aplicadas as propostas do Chega. É uma questão política.
Na questão do Orçamento do Estado como documento global podemos votar contra até porque acreditamos que podemos fazer melhor. Relativamente às propostas votadas que sejam para benefício das famílias e empresas temos de votar a favor, mesmo que consideremos que poderíamos ir muito mais longe.
“Cordão sanitário em torno do Chega é completamente inadmissível”
Tem alguma expectativa real de que o Chega possa ter influência neste Orçamento? Acha que é desta que vai ver propostas do partido aprovadas?
Tenho muita pena que os socialistas não se consigam abstrair da cegueira ideológica e que para eles combater um político ou criar uma cerca sanitária se ache mais importante do que defender os interesses do país e discutir de uma forma construtiva. Temos muita pena porque temos ideias muito válidas, apresentámos 300 e tal alterações no último Orçamento do Estado e nenhuma delas foi aprovada.
Há um cordão sanitário ao Chega?
Para nós é completamente inadmissível. Estamos aqui eleitos por 400 mil portugueses e também têm de ter voz no Parlamento.
André Ventura disse recentemente que há um novo quadro de relação com o PSD. Luís Montenegro é um líder que vai permitir uma aproximação entre os dois partidos?
Tem de perguntar a Luís Montenegro e não a nós. Não existe qualquer aproximação entre o Chega e o PSD. Temos as nossas bandeiras, os nossos princípios e temos de nos respeitar mutuamente. Obviamente que pode haver o tal acordo institucional no sentido de afastarmos do poder um partido que consideramos que é lesivo e nocivo para a sociedade portuguesa. Tirando isso, neste momento e face às atuais perspetivas, não temos quaisquer ideias de haver qualquer aproximação seja de que forma for.
Ainda que Luís Montenegro tenha apelado ao voto no candidato do Chega à vice-presidência. Não nota aí essa aproximação?
É uma questão que está a ser muito empolada. O que Montenegro teve foi um ato de lucidez democrática. Se sempre foi assim, se estamos lá eleitos legitimamente, por que não respeitar a tradição democrática? Isso só vai criar mais entropias e revolta — e também nos vai favorecer.
André Ventura apelidou esta atitude do PSD como uma “normalização” do Chega. Muito se tem falado sobre a necessidade ou não de moderação do partido — sendo que há uma luta interna entre quem acredita e quem discorda deste caminho. Esta postura do PSD abre espaço a essa moderação dentro do Chega?
A normalização não é do Chega, mas das relações com o Chega. Não faz sentido falar de uma normalização de um partido que foi sendo relativamente coeso nas bandeiras e princípios que defende.
A normalização tem a ver com o tal cordão sanitário.
Exato, as relações. Começa a haver um partido que se calhar entende que o Chega tem tanto direito a estar no Parlamento e ser ouvido como os restantes partidos.
Mas é preciso haver uma moderação no Chega para que essa normalização seja com todos os outros partidos?
Mas que tipo de moderação?
Dentro do Chega há pessoas que querem que o partido seja moderado, nas propostas e na forma de falar.
Neste momento somos doze deputados e temos diferentes maneiras de falar em público. O André é uma pessoa muito combativa…
Mas as propostas são as mesmas.
Tem havido uma certa ostracização à volta do partido, mas também é isso que nos tem projetado, o facto de não nos considerarem um partido do sistema. Em que é que o partido não é moderado? Nós defendemos bandeiras e princípios muitas vezes defendidos em partidos de outros países.
Não é moderado a partir do momento em que Ventura diz que são um partido radical. Faz parte da dialética do próprio partido. Nuno Afonso, supostamente moderado, foi afastado, com outros. André Ventura conseguiu aprovar uma moção de confiança com 97% dos votos, no último Conselho Nacional, mas um bocadinho ferido de legalidade. Chamou-se militantes a votar, alguns membros do Conselho Nacional que eram críticos foram afastados entretanto; são quase sempre afastados de forma sumária. Parece-lhe que isto é o expoente máximo da democracia?
Temos de analisar isto com isenção e transparência. Acredito que neste momento o Chega seja o partido mais democrático do espetro político português.
Nicolás Maduro e Hugo Chávez faziam referendos todos os meses. Votações todos os meses não significam nada.
Quando um líder partidário chama todos os militantes a votar em diretas e ninguém foi impedido de ir votar… é a expressão máxima da democracia num partido. Pode-me dizer: mas houve conselheiros nacionais… Mas eram uma pequena franja de todos os militantes que foram votar.
Obviamente um militante em Bragança para se deslocar a Leiria, onde foi este Conselho Nacional, tem muito menos meios do que nas diretas para votar no sítio mais próximo de casa. Nunca é uma votação universal, é do cacique.
Isso funciona quer para quem é a favor de Ventura, quer para quem é contra. Quem é contra tem uma vontade adicional de ir votar.
A capacidade de mobilização pelas lideranças é muito mais fácil.
Mas o André não pagou nada. Foram pelos meios próprios e foi lá quem quis. Eu conheço essas fações nos partidos. No Chega, isso não acontece. A nossa fase de crescimento não permite isso. Ao contrário dos outros partidos, este é assente num homem. Enquanto noutros o homem é assente no partido.
“Preferia Marques Mendes a Paulo Portas nas presidenciais”
Vamos entrar agora no segundo segmento do nosso programa, o “Carne ou Peixe”, onde só pode escolher uma de duas opções. Quem levaria numa visita guiada ao Porto: Fernando Medina ou Pedro Nuno Santos?
Fernando Medina.
Se tivesse de escolher uma pessoa para passar um dia no gabinete parlamentar do Chega, quem preferia: Rui Tavares ou Mariana Mortágua?
Rui Tavares.
Em caso de necessidade, quem deixaria a gerir as suas poupanças: João Cotrim Figueiredo ou Joaquim Miranda Sarmento?
Joaquim Miranda Sarmento.
No caso de o Chega não apresentar um candidato às Presidenciais, em quem votava: Paulo Portas ou Luís Marques Mendes?
Luís Marques Mendes.