Rui Costa foi ouvido pela segunda vez esta semana nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Ao que o Observador apurou, a diligência complementar face ao primeiro interrogatório que ocorreu na terça-feira levou o presidente do Benfica a disponibilizar-se esta quinta-feira de manhã para esclarecer o seu conhecimento sobre o que as procuradoras titulares dos autos consideram ser um alegado esquema para desviar cerca de seis milhões de euros dos cofres da Benfica SAD liderada por Luís Filipe Vieira, assim como as injeções de capital alegadamente indevidos no Vitória de Setúbal.
São esses os indícios que estão na origem da imputação do DCIAP dos crimes de fraude fiscal qualificada e de recebimento indevido de vantagem ao ex-presidente Luís Filipe Viera, aos ex-administradores Domingos Soares Oliveira e Rui Costa e ao ex-assessor jurídico Paulo Gonçalves, como o Observador revelou em primeira mão esta quinta-feira.
Rui Costa afasta-se de Vieira e repudia “conhecimento ou intervenção” no alegado esquema
No mesmo dia em que regressou ao DCIAP para ser questionado sobre os factos indiciários sob investigação, o presidente do Benfica decidiu romper o silêncio e a emitir um comunicado que representa uma tentativa de se afastar dos atos que são imputados à antiga administração da Benfica SAD liderada por Luís Filipe Vieira.
Rui Costa “repudia conhecimento ou intervenção” em qualquer plano para desviar fundos do Benfica
Escrito por Rui Costa, com a respetiva assessoria jurídica, o comunicado é uma reação à notícia do Observador e evidencia por duas vezes a falta de “conhecimento” ou “intervenção” do líder do Benfica sobre qualquer “suposto plano para desviar fundos do Benfica ou da Benfica SAD, seja através da negociação de jogadores, seja de qualquer outra forma”, lê-se no comunicado.
Mais à frente, Rui Costa refere-se aos interrogatórios a que foi sujeito no DCIAP e é aqui que volta a referir-se à ausência de conhecimento de qualquer alegado esquema. “Na qualidade de atual Presidente do Benfica e também por inerência das funções de administrador executivo no período sob investigação, prestei às autoridades todos os esclarecimentos de que era capaz, segundo o meu conhecimento, e sempre estarei disponível para o fazer”, conclui.
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Estas declarações do líder benfiquista indiciam que Rui Costa prestou declarações formais no DCIAP e argumentou que os contratos e os factos sob suspeita não eram do seu conhecimento — um facto que pode ser penalmente relevante no contexto da avaliação final que as procuradoras titulares dos autos terão de realizar antes de encerrarem o inquérito.
Rui Costa “repudia conhecimento ou intervenção” em qualquer plano para desviar fundos do Benfica
“Sempre fui, e sou, totalmente leal ao Benfica, e não aceito insinuações ou afirmações de conduta menos própria, ou de compactuar com qualquer coisa ilícita”, concluiu o líder benfiquista no mesmo comunicado.
Se o MP continuar a entender, tal como refere na indiciação formal dos arguidos Luís Filipe Vieira, Rui Costa, Domingos Soares Oliveira e Paulo Gonçalves, que a responsabilidade penal é exatamente igual para todos, então a dedução da acusação visará todos os arguidos, como o Observador referiu.
Se, por outro lado, o MP entender que existe prova indiciária de que Rui Costa desconhecia o alegado esquema, então poderá retirar o presidente do Benfica do despacho de acusação que se prepara para proferir antes das férias judiciais.
DCIAP evidencia ligação de scout do Benfica com Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves
No que diz respeito ao desconhecimento que Rui Costa invoca sobre o alegado esquema para desviar fundos da Benfica SAD, há um ponto que pode jogar a favor do atual presidente do Benfica.
Apesar de a indiciação referir um alegado acordo estabelecido entre Luís Filipe Vieira, Paulo Gonçalves, Rui Costa e Domingos Soares Oliveira, certo é que os investigadores também têm indícios de que Francisco Oliveira, personagem central nesse alegado esquema, era amigo de Vieira e de Gonçalves.
Terá sido com o então presidente do Benfica e com o seu braço direito Paulo Gonçalves que Francisco Oliveira terá construído uma relação de proximidade, devido ao seu trabalho de scout e observador de jogadores no Brasil ao serviços da Benfica SAD.
Terá sido Adolfo Oliveira, filho de Francisco Oliveira, quem assumiu a função de representante legal das empresas brasileiras Olisports Marketing e Gerenciamento e Carreiras e Drible – Gestão e Assessoria Desportiva Eireli.
Tal como o Observador revelou, essas duas sociedades terão tido um papel formal de alegada intermediação na transferência de três jogadores brasileiros (Luís Felipe, Marcelo Hermes e Daniel dos Anjos) para o Benfica.
Contudo, o DCIAP entende que as duas empresas não prestaram qualquer serviço de intermediação e terão tido um papel meramente utilitário de emitir faturas para a Benfica SAD justificar financeiramente a saída de um valor total de seis milhões de euros dos cofres do clube e deduzir este valor como um custo na sua contabilidade.
Sendo tais faturas falsas, logo os custos que foram contabilizados na Benfica SAD, e que terão permitido baixar a matéria colectável em sede de IRC, terão uma origem ilícita. Assim, o MP considera que há um ganho alegadamente ilícito por parte da Benfica SAD, daí a imputação por fraude fiscal qualificada.
Contudo, apesar de evidenciar uma amizade e proximidade entre Francisco Oliveira e a dupla Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves, o DCIAP mantém a imputação a Vieira, Gonçalves e a Rui Costa e Domingos Soares Oliveira.
Luís Filipe Vieira controlava e liderava as operações feitas pelo Benfica
O perfil centralista de Luís Filipe Vieira sempre foi destacado pelo próprio em diversas entrevistas, como a última que deu à CMTV, já na qualidade de ex-presidente do Benfica.
Na gestão do dia-a-dia do Benfica, Vieira confiou muito em Paulo Gonçalves na gestão jurídica dos contratos do futebol profissional e em Domingos Soares Oliveira que foi o administrador financeiro favorito do ex-presidente benfiquista.
Ao que o Observador apurou, e apesar da imputação feita pelo DCIAP que coloca Luís Filipe Vieira, Rui Costa, Domingos Soares Oliveira e Paulo Gonçalves exatamente no mesmo patamar de responsabilidade penal, existirão indícios documentais nos autos que comprovarão que a definição dos jogadores emprestados pelo Benfica aos clubes mais pequenos seriam definidos pelo então líder benfiquista com a assessoria jurídica de Paulo Gonçalves.
Ou seja, Rui Costa era um personagem secundário e não estaria a par de alguns acordos com clubes mais pequenos como o Vitória de Setúbal, o Santa Clara, o Desportivo das Aves e outros que foram investigados por alegado domínio económico por parte do Benfica — suspeita que não foi confirmada pela longa investigação de sete anos.
Certo é que o MP e a PJ não valorizaram tal matéria indiciária e imputam igual responsabilidade a Luís Filipe Vieira como a Rui Costa, por exemplo.
Por outro lado, as auditorias que têm sido feitas pelo Benfica aos atos praticados por Luís Filipe Vieira nunca terão detetado práticas irregulares, segundo fontes próximas do processo. Pelo menos, nunca o clube da Luz liderado por Rui Costa revelou quaisquer factos irregulares ligados à gestão de Vieira apurados por tais auditorias.
Resta saber se a estratégia futura de defesa de Rui Costa estará, como até aqui, em consonância com a de Luís Filipe Vieira — o ex-líder do Benfica que se mostrou desiludido com o ex-jogador pela forma como o sucedeu.
Corrigida a informação sobre a autoria do comunicado às 9h30