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Rui Rio e o seu ex-secretário-geral Hugo Carneiro são vistos pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e pela Polícia Judiciária (PJ) como os alegados responsáveis de um esquema de financiamento do PSD que visou transferir os custos salariais das contas do partido para o Orçamento da Assembleia da República. Tudo para alegadamente implementar uma reestruturação e reduzir o passivo do PSD à custa dos fundos públicos do Parlamento.
Esta é a principal suspeita que sustentou a operação de buscas às sedes nacionais do PSD, da Juventude Social Democrata mas também às sedes distritais social-democratas em Lisboa e no Porto. O próprio Rui Rio, Hugo Carneiro e mais 12 funcionários do PSD e ex-assessores do grupo parlamentar do partido foram alvo de buscas domiciliárias. A PJ mobilizou um total de 100 inspetores para um caso que investiga a alegada prática dos crimes de peculato e abuso de poder.
Rui Rio e Hugo Carneiro afirmaram durante esta quarta-feira que não foram constituídos arguidos durante as buscas domiciliárias de que foram alvo. No caso de Rio, essa garantia foi dada várias vezes ao longo do dia.
O ex-líder do PSD e o seu ex-secretário-geral, assim como os 12 funcionários e ex-assessores alvo de buscas domiciliárias, viram a PJ apreender-lhes os telemóveis, discos rígidos de computadores, bem como foram obrigados a dar as respetivas passwords para que os investigadores acedessem às clouds e copiassem todos os ficheiros eletrónicos relevantes para a investigação.
O objetivo seria reduzir a despesa mensal e viabilizar a reestruturação financeira do PSD
Ao que o Observador apurou, os autos do inquérito titulado pela procuradora Helena Almeida concentram-se única e exclusivamente no período entre 2018 e 2021 e na direção do PSD liderada por Rui Rio.
Segundo os indícios recolhidos pela investigação, Rui Rio e Hugo Carneiro, secretário-geral do PSD no período sob suspeita, decidiram implementar uma reestruturação do partido com o objetivo de reduzir custos, nomeadamente a massa salarial que era paga pelo orçamento do PSD.
Para isso, foi encomendado um estudo à consultora Deloitte — cuja sede também foi alvo de buscas em Lisboa — que recomendou, entre outras medidas, precisamente os cortes nos salários pagos pelo partido, de forma a ter uma reestruturação bem sucedida.
Apesar de alguns dos custos salariais do PSD já serem parcialmente suportados pela Assembleia da República por via da nomeação de funcionários do partido para integrarem a lista do pessoal de apoio ao grupo parlamentar, certo é que o DIAP de Lisboa e a PJ entendem que os mesmos não realizavam qualquer trabalho parlamentar.
Esse grupo, contudo, foi alargado. Segundo a investigação da PJ, há pelo menos 12 funcionários do partido que ficaram nessa situação, sendo certo que o DIAP de Lisboa considera que a direção de Rui Rio se aproveitou do facto de o Parlamento não realizar qualquer fiscalização à forma como os grupos parlamentares podem, na prática, financiar os respetivos partidos com fundos do orçamento da AR.
Daí que o DIAP de Lisboa e a PJ considerem que a direção de Rui Rio tenha utilizado, pelo menos desde 2018, as subvenções da AR destinadas a financiar os encargos de assessoria de deputados para pagar os salários dos funcionários do PSD. Com que objetivo? Para alegadamente obter uma redução significativa da despesa mensal do partido com os salários.
“De acordo com os elementos indiciários, a direção do partido, que a partir de fevereiro de 2018 passou a ser liderada pelo presidente Rui Rio, e tendo como secretário-geral adjunto Hugo Carneiro, com vista a diminuir o passivo do PSD, decidiu implementar uma reestruturação com vista à redução do custos com os salários dos seus trabalhadores.”
PSD terá feito contratos fictícios. Colaboradores próximos de Rio envolvidos
A análise individual do grupo de 12 funcionários do PSD realizada pela PJ fez com que se encontrassem diferentes situações. Assim, há um primeiro subgrupo de trabalhadores do partido que terão tido uma “nomeação ficcionada” — é assim que são descritos nos autos do inquérito do DIAP de Lisboa.
Trata-se de funcionários do PSD que, segundo a investigação da PJ, nunca realizaram qualquer trabalho para o grupo parlamentar e trabalhavam única e exclusivamente na sede do partido. Encontram-se nesta situação Florbela Guedes (assessora de imprensa que acompanhou Rui Rio desde os tempos da Câmara do Porto) e José Luís Fernandes (que foi chefe de gabinete de Rio).
Fontes do PSD alertam que, durante uma parte do período em análise na investigação, Rui Rio foi líder parlamentar e líder do partido em simultâneo. Logo, Florbela Guedes desempenhou funções de apoio a Rio quer no partido, quer no Parlamento. O mesmo terá acontecido com José Luís Fernandes.
Depois, há funcionários do PSD dos quais não há registo de qualquer trabalho no Parlamento, como serão os casos de Natércia Barreto (secretária da sede nacional do PSD), Júlio Pisa (funcionário do departamento do audiovisual do PSD), Lélio Lourenço (que chegou a ser secretário-geral adjunto no tempo de Passos Coelho), João Azevedo Oliveira e José Antunes Silva, entre outros.
Existe ainda um subgrupo de funcionários que trabalhavam na distrital do Porto do PSD — que durante a liderança de Rui Rio passou a ser uma extensão da sede nacional, onde o líder do partido tinha um gabinete e costumava dar conferências de imprensa regulares. Os nomes de Luciano Gomes e de Maria Emília Galego fazem parte desse subgrupo.
Quer Galego, quer Gomes foram requisitados pelo Parlamento aos respetivos organismos públicos de origem: a Câmara do Porto (onde Maria Emília Galego era diretora de recursos humanos) e ao Agrupamento de Escolas do Paço de Sousa (ao qual pertence Luciano Gomes com a categoria de professor).
O reformado que era chefe de gabinete do grupo parlamentar e que não podia receber salário
O caso de Romano de Castro, que também foi alvo de buscas domiciliárias, merece uma atenção particular da investigação da PJ. Tudo porque está em causa uma outra situação: Romano de Castro é reformado e estava a acumular a pensão mensal com um salário de funcionário do PSD (financiado com dinheiros públicos), mas sendo chefe de gabinete do grupo parlamentar social-democrata.
Romano de Castro foi chefe de gabinete do grupo parlamentar durante várias lideranças do PSD mas, sendo pensionista, estava impedido de acumular a sua pensão de reformado com um salário decorrente de funções públicas. Contudo, e apesar de não receber um salário da Assembleia da República, Romano de Castro era pago pelo PSD — que é essencialmente financiado com dinheiros públicos.
O próprio Romano de Castro admitiu isso mesmo em declarações ao jornal Nascer do Sol, que questionou em maio de 2022 o facto de Castro não fazer parte da lista oficial da estrutura do Grupo Parlamentar do PSD que estava na posse da secretaria-geral da Assembleia da República. “Fui designado” pelo partido para prestar as funções de chefe de gabinete do grupo parlamentar do PSD — onde estava “destacado há muitos anos”, foram as explicações de Romano de Castro.
O problema é que o DIAP de Lisboa entende que os fundos do PSD que financiavam o pagamento de um salário a Romano de Castro também são públicos, logo tal salário não poderia ser acumulado com o recebimento da pensão de reforma.
Porquê a necessidade de realizar buscas domiciliárias?
A PJ foi mandatada pelo Tribunal Central de Investigação Criminal, após a respetiva promoção da procuradora Helena Almeida, para realizar buscas domiciliárias a Rui Rio, Hugo Carneiro e mais 12 funcionários e ex-assessores do PSD devido à “gravidade dos crimes em investigação” que estão em causa.
Daí que tenham sido dadas ordens judiciais para a apreensão de telemóveis, tablets e computadores com relevância para os autos que fossem encontrados nas casas dos alvos das buscas. Por isso mesmo, Rui Rio, Hugo Carneiro e os restantes funcionários e ex-assessores alvos das buscas ficaram sem os respetivos telemóveis, tablets e computadores.
No caso dos telemóveis, tablets e computadores, a PJ vai ter uma atenção especial às caixas de correio eletrónico e aos chats de conversação do Whatsapp, Telegram, Skype, Viber e Messenger, por exemplo.
Por outro lado, os inspetores da PJ tinham ainda autorização para aceder às Cloud’s de todos os alvos se busca, sendo certo que os 14 alvos das buscas tinha a obrigação de ceder as respetivas passwords. Foram copiados todos os ficheiros informáticos considerados relevantes e aí armazenados.