Num momento em que a questão da governabilidade de direita voltou a dominar a agenda política e mediática, Rui Rocha, deputado e membro da comissão executiva da Iniciativa Liberal (IL), reafirma que o partido nunca fará qualquer entendimento com o Chega. Em contraponto, o parlamentar aponta críticas a Luís Montenegro: “Não tenho visto essa clareza. Como já acontecia com Rui Rio, vejo aqui algum atrapalhamento com a questão do Chega.”
Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, Rui Rocha não rejeita que a hipótese de dissolução da Assembleia da República ou demissão do Governo venha a estar em cima da mesa se as coisas continuaram assim e pressiona Marcelo Rebelo de Sousa a arrepiar caminho. “O posicionamento sistemático do Presidente tem sido muito mais permissivo do que aquilo que o próprio interesse democrático justificaria”, argumenta.
O deputado da Iniciativa Liberal deixa ainda um aviso à navegação socialista. “Por muito que o primeiro-ministro gostasse, nós não estamos no Costaquistão, estamos em Portugal e temos que manter as instituições a funcionar.”
“Rio ou Montenegro? Ainda não encontro diferenças na substância”
Olhando para o conjunto das últimas 9 sondagens,e apesar de algumas oscilações, salta à vista uma tendência: a Iniciativa Liberal (IL) está perder algum fôlego. O partido está a enfrentar as suas primeiras dores de crescimento ou atingiu todo o seu potencial eleitoral?
Diria que está longe de atingir o seu potencial eleitoral. Sublinharia antes que a última grande sondagem aconteceu em janeiro, com uma subida expressiva do que foi o resultado da IL e com a eleição de um grupo parlamentar bastante composto face à situação anterior.
Esta última sondagem, publicada pelo Expresso, não preocupa a IL?
Não preocupa embora façamos o acompanhamento dos estudos de opinião, mas da mesma maneira que quando houve estudos que nos diziam que tínhamos 8 ou 9%, não embandeirávamos em arco. Também não vamos ficar extremamente preocupados com estes resultados. Acompanhamos, interpretamos, mas é óbvio que este é um partido das ideias e o campeonato das ideias é longo. Não faria nenhum sentido estarmos à procura de sondagens extraordinárias numa altura em que a legislatura está no seu início. A batalha das ideias é muito importante para nós, leva tempo e sempre dissemos que isto era uma maratona. Nem ficamos extraordinariamente entusiasmados com sondagens muito boas, nem menos animados com as que possam ser menos boas.
Há uns meses, neste mesmo espaço, Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da IL, rejeitava a tese de que Luís Montenegro fosse uma ameaça para a IL. A verdade é que esta tendência de algum apagamento nas sondagens coincide com a eleição de Montenegro. A IL já olha para este PSD como uma ameaça ou continua achar que os eleitores que vieram já não fogem?
Não olhamos para o que se passa no PSD nem como uma oportunidade nem como uma ameaça. Temos as nossas ideias muito claras, um modelo de sociedade muito claro e muito diverso do que a esquerda propõe, mas também do que o PSD propõe. Temos até metodologias e passos muito claros como lá chegar, por isso não encaramos como ameaça. Aliás, se valorizássemos as sondagens veríamos que ela também não são muito claras no sentido de que o PSD tenha uma evolução muito significativa.
Considera que a eleição de Montenegro revitalizou o espaço não socialista ou ainda não vê grandes diferenças entre os dois?
Começaria por dizer que o espaço não socialista — e fazemos parte dela — ganha muito em haver revitalização e propostas que sejam desafiadoras daquilo que é a gestão do PS. A noite das eleições legislativas foi feliz para a IL, mas também de alguma desilusão porque o país entendeu que a solução que existia devia continuar. Vemos com muito bons olhos que o espaço não socialista tenha vitalidade e propostas desafiadoras e que também haja espaço para propostas diferentes.
Que avaliação faz destes primeiros meses de mandato de Luís Montenegro? Há diferenças para Rui Rio?
Vejo alguma diferença de forma, não encontro ainda diferenças claras na substância. Na questão que foi agora discutida das pensões e da sustentabilidade o que vimos foi um concurso entre o PS e o PSD, muitas vezes com o PSD a reboque do que o PS propunha e a tentar cobrir a parada. E isso não me parece que seja um grande sinal, já que por trás disso há uma discussão essencial que é preciso ter sobre as pensões, a sustentabilidade da Segurança Social. Essa discussão está a ser prejudicada porque o próprio PSD também tem uma atividade errática nessa medida, parece mais preocupado em cobrir paradas do PS do que propriamente discutir os assuntos essenciais.
“Cotrim deve fazer parte do trajeto futuro da IL”
As eleições europeias são o desafio eleitoral no horizonte mais próximo. Eleger um eurodeputado é um mínimo olímpico?
É um objetivo claro. Nós com o crescimento que temos tido, com a evolução que temos tido claramente queremos eleger nas eleições europeias.
Se não conseguirem atingir esse objetivo isso pode ditar a saída de Cotrim Figueiredo da liderança da IL?
João Cotrim Figueiredo tem uma obra notável à frente da IL, a sua capacidade de gestão política e a imagem que projetou no país são determinante e fundamentais no que foi o caminho que a IL teve. Tenho um profundo reconhecimento pelo João Cotrim Figueiredo na gestão da IL nos últimos anos, pessoal e como membro do partido. Portanto, sendo esse um objetivo determinante e um objetivo importante — queremos mesmo eleger alguém — ele tem um património enorme na gestão deste partido.
E não deveria sair se isso não corresse tão bem assim, é isso?
Diria que há sempre uma avaliação política dos resultados a fazer.
Mas fala como se não houvesse vida na IL além de João Cotrim Figueiredo? Carlos Guimarães Pinto já foi testado, é uma hipótese?
João Cotrim Figueiredo fez parte do trajeto até aqui e deve fazer parte do trajeto futuro da IL. Quanto a Carlos Guimarães Pinto, é uma pessoa por quem tenho uma grande admiração, mas foi ele que a dada altura tomou a decisão de se afastar e abriu a possibilidade do João avançar. É uma pessoa muito válida, mas a decisão que tomou nessa altura é a que vale hoje.
Há outras figuras que podem ser testadas?
Sim. Há várias figuras no partido. É notório no grupo parlamentar da IL, ao contrário do que acontece noutros, que tem havido intervenção de muitos dos novos deputados. Não há uma comunicação centralizada apenas numa ou em duas pessoas que eventualmente tivessem mais visibilidade. Existe vontade de fazer crescer quadros da Iniciativa Liberal.
Consegue dizer dois nomes com capacidade para liderança?
O Rodrigo Saraiva, a Joana Cordeiro, a Patrícia Gilvaz… Temos um conjunto de pessoas que estão, ou no Parlamento ou fora dele, a fazer o seu processo de crescimento para poderem apresentar ideias liberais e acompanhar o crescimento do partido.
“Propostas xenófobas, estatistas e chauvinistas estão nos antípodas da IL”
O próximo Conselho Nacional da IL já conta pelo menos com um crítico assumido. Nuno Simões de Melo pediu uma IL “menos woke”, menos “melancia azul, liberal por fora e bloquista por dentro”. A IL pode tornar-se uma espécie d’Os Verdes da direita?
Não, não creio que corra esse risco. Mas gostava de dizer que é muito bom que haja candidaturas que põem em causa, que apresentam novas visões para IL, isso é muito, muito bom. Significa que o partido tem grande vitalidade.
E quanto às críticas de falta de democraticidade interna?
Falava há pouco de uma grande sondagem de janeiro de 2022, mas houve uma outra grande sondagem interna em dezembro de 2021: a linha estratégica foi sufragada por uma esmagadora maioria dos militantes da IL. O que se pode passar às vezes é que pessoas que não tiveram esse ganho na eleição interna procurem vocalizar determinando tipo de posições e ganhar espaço que não ganharam dentro da IL quando foram a votação. Recuso completamente a ideia de falta de democraticidade interna.
Nos últimos dias, à boleia da questão do vice-presidente da AR, voltou a discutir-se o papel do Chega em qualquer futura solução à direita. Perante os dados que hoje existem, a IL pode continuar a garantir que jamais fará qualquer tipo de entendimento com André Ventura?
Sim. E é uma posição que não vimos assumida de forma tão clara por outros partidos. Essa é a linha da IL. Temos um conjunto de dissonâncias, discrepâncias, de visão de sociedade e de visão de dignidade humana relativamente às propostas do Chega. Sejamos claros: propostas xenófobas, estatistas, chauvinistas, que exacerbam a dimensão nacional, que se apoiam num discurso do medo, estão nos antípodas daquilo que a IL defende. A IL é um partido que confia nas pessoas, não é um partido de mínimos nem de medo. É de confiança e de máximos.
Mesmo que isso signifique a continuidade do PS no poder?
Essa pergunta deveria ser feita ao Chega.
O PSD também usou essa estratégia nas últimas estratégias.
No dia em que o PSD e a IL tiverem condições para criar uma alternativa ao PS, o que é que o Chega faz não estando incluindo nessa solução? Viabiliza um governo PSD/IL ou prefere manter o PS no poder? Pergunto: que é que o Chega faz? A posição da IL está clara e não pode ser mais clara.
Há pouco dizia que não havia essa mesma clareza noutros partidos em relação ao Chega. Está a falar do PSD de Luís Montenegro? Isso pode prejudicar o espaço não socialista no futuro?
Não faço essas avaliações, nem me vou imiscuir na estratégia política do PSD. O que pretendo sublinhar é que há uma posição clara da IL.
Das declarações que tem ouvido de Luís Montenegro, o PSD está a ser suficientemente claro em relação ao Chega?
Não tenho visto essa clareza. Como já acontecia com Rui Rio, vejo aqui alguma atrapalhamento com a questão do Chega.
Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS, já desafiou a IL a apresentar um novo candidato a vice-presidente do Parlamento. Augusto Santos Silva já disse que se candidatarem um novo nome certamente será eleito. Porque é que não avançam?
Desde o início sempre dissemos que não estávamos interessados no exercício de cargos puro e duro. Apresentámos uma candidatura na altura, [foi chumbada] e entendemos que não estamos cá para ter essa ambição.
As condições agora mudaram.
Pois, mas não estamos de facto interessados em cargos. Essa candidatura era o cumprimento de um determinado ritual democrático, os partidos votaram como entenderam e nós agora entendemos que o momento não é de voltarmos a apresentar uma candidatura.
“Não estamos no Costaquistão. Estamos em Portugal”
Escreveu recentemente no Expresso que Marcelo Rebelo de Sousa está a “converter a Presidência no carro-vassoura (do regime?) que ampara os sucessivos erros da governação e encobre a relação cada vez mais difícil de António Costa com a verdade”. Preferia um estilo de Presidência mais próximo do de Aníbal Cavaco Silva?
Não é disso que se trata. Num cenário de maioria absoluta e num momento em que começam a ser evidentes alguns tiques de algum abuso de poder da maioria absoluta, preferia um estilo de presidência que fizesse salvaguardar questões como a liberdade e que fosse mais exigente para o Governo.
Nesse caso agrada-lhe mais a intervenção de Cavaco Silva do que tem sido a conduta de Marcelo?
Salientar a necessidade de crescimento do país, salientar a disfunção do Governo de António Costa, está mais perto da realidade.
Marcelo está fora da realidade ou não quer enfrentar o Governo?
Não consigo reconstruir o mecanismo psicológico que leva às decisões do Presidente da República. Agora que me parece-me claro que o posicionamento sistemático de Marcelo Rebelo de Sousa tem sido muito mais permissivo do que aquilo que o próprio interesse democrático justificaria.
Seja como for, com ou sem o ‘carro-vassoura’ Marcelo, acredita que António Costa vai concluir a legislatura?
Estamos perante um cenário de degradação muito grande num curto período de tempo. Não é normal que um Governo de maioria absoluta, que tem sete ou oito meses de vigência, apresente neste momento os rombos que existem. Temos ministros desautorizados, ministros demitidos, ministros desautorizados pelos seus próprios secretários de Estado, temos uma ministra a quem deveria caber a coordenação do Governo completamente ausente… É algo de muito estranho. É extremamente preocupante. Tal como eu não pensava há seis meses que fosse possível chegar a este momento com um grau de degradação, tenho que admitir que algures no tempo as condições de governabilidade se possam degradar. Continuo a achar que o cenário mais provável é que o Governo chegue ao fim da legislatura, mas não podemos excluir que evoluções surpreendentes, como esta da degradação muito rápida, possam levar a cenários alternativos.
Qual é o cenário alternativo? O Presidente da República agir e demitir o Governo?
Não seria a primeira vez que veríamos isso acontecer.
Na verdade dissolveu a Assembleia da República, não foi a demissão direta do Governo.
Certo. Uma dissolução da Assembleia da República já aconteceu, talvez na altura com motivos que não seriam muito distantes de coisas que já vimos durante estes governos de António Costa.
Está a falar do governo de Santana Lopes.
Sim. Acho que era um governo frágil e com críticas a fazer, mas quando é que vimos um ministro como o ministro Pedro Nuno Santos a aproveitar uma ausência do primeiro-ministro para aprovar dois aeroportos e a ser depois completamente desautorizado na opinião pública como o ministro foi? Onde é que vimos isto? Isto não é normal, de todo. A minha observação tem a ver com o facto de não conseguir prever neste momento qual é o grau de degradação a que o governo de António Costa vai chegar, sendo que os sinais são muito preocupantes. Em caso de degradação acelerada e consumada há mecanismos previsíveis que podem ser espoletados.
Se as coisas continuarem como estão Marcelo Rebelo de Sousa devia dissolver a Assembleia da República?
Não. O Presidente nesta fase devia assumir um papel de garantir o funcionamento regular das instituições.
A questão é qual é o limite para a Iniciativa Liberal.
O regular funcionamento fica prejudicado se houver uma persistência desta descoordenação e degradação e, por outro lado, se continuarmos a assistir a evidências de que este governo não aceita a divergência e o desafio democrático. E isso devia ser uma coisa que devia levar o Presidente da República a refletir. Nos últimos dias tivemos evidentes sinais da degradação também da democracia. Há sistematicamente ministros que não vão ao Parlamento porque a maioria do PS não permite. Tivemos uma tentativa de apagar a intervenção de um deputado com pedido de eliminação de registos e ainda ontem o primeiro-ministro a dizer que só ia responder porque o deputado Carlos Guimarães Pinto já não tinha tempo. Por muito que o primeiro-ministro gostasse, nós não estamos no Costaquistão, estamos em Portugal e temos que manter as instituições a funcionar.
“Confiaria o meu cão a António Costa”
Vamos entrar agora no segundo segmento do nosso programa, o “Carne ou Peixe”, onde só pode escolher uma de duas opções. Quem obrigaria a subir a escadaria do Bom Jesus do Monte: Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?
Obrigaria o ministro Pedro Nuno Santos porque sou um utilizador frequente da CP e chego sistematicamente a casa atrasado por causa do mau funcionamento da CP.
A quem confiaria o seu cão Floki: António Costa ou André Ventura?
Apesar de tudo ao primeiro-ministro António Costa porque tem experiência, já ficou com os filhos do João Miguel Tavares portanto trataria bem do meu cão.
Com quem preferia partilhar uma moamba de galinha: Marcelo Rebelo de Sousa ou Cavaco Silva?
Marcelo Rebelo de Sousa para lhe falar precisamente da necessidade de assegurar o funcionamento democrático do país.
Preferia festejar o São João de Braga ao lado de Pedro Passos Coelho ou do Almirante Gouveia e Melo?
Pedro Passos Coelho.