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Diogo Pombo/Observador

Diogo Pombo/Observador

Ser saloio ou tartaruga. Para eles, ir à bola é isto

Uma parte encarnada, outra de verde e branco. O Observador passou 45 minutos com "saloios" que vão a todas as finais do Sporting e com uma família que, do norte, trouxe a casa às costas pelo Benfica.

Ainda não passaram dez minutos e já está assinalado o primeiro penálti. A equipa dos Saloios Leoninos entrou nervosa e meio atabalhoada, ainda sem perceber bem que lugares ocupar no campo. E, mais ou menos sem que se esperasse, o primeiro penálti. O sr. Fonseca foi à arca, inventou sozinho a jogada, sacou uma garrafa de verde e, zás, fez-se à falta. Rolha para fora, vinho no copo e foi tudo de uma assentada. Momento de viragem na partida – a dos adeptos que chegaram muitas horas antes da final da Supertaça ao Estádio do Algarve.

Anteciparam-se, jogaram pelo seguro. Não tanto quanto os vizinhos do lado, porque os Saloios Leoninos chegaram, deram voltas ao parque de estacionamento e deram descanso às rodas mesmo ao lado do lugar onde os Pereira montaram o estaminé. “Se eu viesse lá do quinto caraças de certeza que não me punha a jeito de ficar mesmo ao lado de uns sportinguistas”, lamenta Mário, o pai da família, 55 anos, trocando a mágoa pelo riso. A prudência é com eles, mas não lhes serviu para evitarem uma vizinhança verde e branca. Saíram de Paredes, perto de Penafiel, e fizeram-se à estrada a 1 de agosto. Só tiraram a chave da ignição no sábado, por volta das 18h. Estacionaram, prenderam as rodas do veículo cansado de tanta hora de viagem e adormeceram com vista para o estádio. Vieram de auto-caravana, com uma casa improvisada às costas, que nem uma tartaruga. Pai, mãe e filho, estão ali pelo Benfica.

A equipa dos Saloios Leoninos tem de tudo: jovens promessas, reforços do estrangeiro e referências de balneário. O plantel que veio até ao Algarve tem 16 jogadores, mas de vez em quando lá conseguem juntar 22 tipos para a festa. Objetivo: seguir o Sporting para todo o lado e não perder nenhuma final. “Nós começámos a ir a todas. Desde o Belenenses no Jamor [em 2007, vitória dos de Alvalade por 1-0], fomos a todas as finais em que o Sporting esteve”. Quem fala assim é o capitão da equipa, Marco Fonseca, filho do sr. Fonseca que fez o penálti. Apesar de liderar o grupo, tem a típica humildade de futebolista que diz que o conjunto é mais importante do que as estrelas. “Não, não, eu não mando nada”. O jogo avança.

"Os sportinguistas, por terem lá o Jorge Jesus, estão muito confiantes. Mas estão confiantes demais. Não é o Jesus que joga à bola."
Mário Pereira, o pai da família benfiquista

Mário, ali ao lado, é quem manda na família benfiquista. A primeira parte vai quase a meio e só aí a conversa começa a livrar-se da ferrugem da timidez. Aos 20’, mais coisa, menos coisa, a memória aviva-se dentro da cabeça de Mário. Lembra-se da história que uma vez lhes correu mal, há nove anos, quando a família se enfiou no comboio e, entre ele e a mulher, foi o pequeno Jorge, ainda bebé. Tinha dois anos e chegava a Lisboa para se estrear: Mário tinha no bolso bilhetes para “toda a família” entrar no Estádio da Luz. Mas assim que chegaram à porta, Maria José, a mulher, 52 anos, não tardou a chorar. Disseram-lhes que Jorge não podia entrar. Era um rebento, demasiado novo, não chegava ao mínimo de “três ou quatro anos” exigidos para qualquer pessoa entrar no estádio.

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Um segurança barrou-lhe a entrada, como um fiscal de linha que suspeita de um fora-de-jogo e levanta a bandeira quando o avançado tem a baliza aberta à frente. Na cabeça do pai e da mãe estava um rol de nomes para chamar ao segurança do estádio. “Olha, ele tinha dois aninhos, era bebé e não podia entrar no estádio. Comecei logo a chorar, arreliada porque ele não tinha para onde ir”, desabafa Maria José. As lágrimas corriam-lhe cara pela cara abaixo quando “um dirigente do Benfica” viu a família aflita e “reparou que se passava qualquer coisa”. Aproximou-se. “Viemos de longe, do norte, só para ver o Benfica, com a família toda”, disse-lhe Mário, feito pai empenhado em resolver tudo. Resultou, porque o dirigente fez-se de árbitro que ignora a bandeira do fiscal, deixou-os entrar. O jogo seguiu, Jorge (hoje com 11 anos) esteve no estádio, marcou golos na baliza da felicidade e “não parou de berrar pelo Rui Costa”. Era o único nome que os dois anos de Jorge tinham decorado.

Nome. Na altura em que tiveram de escolher um, os Saloios Leoninos optaram por este porque vêm da zona saloia, mais especificamente de Almargem do Bispo, concelho de Sintra. Para já, são amadores, mas querem profissionalizar-se. Que é como quem diz: de mero grupo de amigos que se juntam para comer umas bifanas antes dos jogos, querem passar a núcleo sportinguista oficial. Só que há dificuldades de secretaria. “O Sporting exige uma sede”, explica o capitão Marco, que repete que não é ele o responsável por este processo.

João Pedro Pincha/Observador

A estratégia dos Saloios parecia eficaz. “Isto é chegar, montar e já está”. Um grelhador enorme, bancos e mesas desdobráveis, batatas fritas, bifanas, entremeada, salsichas, cervejas e vinho verde. Não tem nada por onde falhar. Além disso, o grupo apostou forte na formação: o núcleo inicial de amigos cativou filhos e netos, agora já indispensáveis à equipa. O mais recente fruto das escolinhas é um rapaz dos seus oito ou nove anos, que passou uma semana na Academia de Alcochete a ver se tem jeito para a defesa. Parece que tem, diz o pai, Francisco, reforço de última hora dos Saloios, acabado de chegar da Suíça. Na final da Taça, quando o Sporting virou o resultado frente ao Braga, “o meu filho disse-me uma coisa que nunca mais vou esquecer”, conta. “‘Pai, sabes que eu nunca vi o Sporting perder. O Sporting vai ganhar.’ E ganhámos”.

Depois do penálti, os Saloios acalmam e começam a controlar o jogo. Já não se atropelam todos a falar, já sabem melhor os movimentos que têm a fazer. Por exemplo, depois da fatia de entremeada, marcha um cafezinho, mas à volta do estádio não há nada, o que obriga a redefinir a estratégia. Os quatro da linha avançada vão em busca do café e os restantes ficam a segurar o jogo. Um deles é António Ramos, uma espécie de Jorge Costa da equipa, a referência no balneário. Este moçambicano nascido na Mafalala, em Maputo (sim, o bairro de Eusébio), tem vagas parecenças com Shéu, mas nunca partilhou a preferência clubística com o compatriota. Quando ainda andava por terras africanas gostava mais de atletismo, mas depois descobriu o futebol e tomou o gosto pela posição 6, de médio-defensivo. Foi assim que saltou para a metrópole e que chegou a um sem-número de equipas distritais: o Livramento e o Pêro Pinheiro, por exemplo. As histórias são mais que muitas e ajudam a queimar minutos. “Se eu fosse escrever livros, eram best-sellers”.

"No Jamor, às 9h já estão milhares de pessoas. O Jamor é o Jamor, isto aqui não tem a mesma mística."
Marco Fonseca, um dos Saloios Leoninos

Não dava para escrever um livro, mas o Benfica também já deu a Mário Pereira uma história para quem a fosse ler. Há meses, quando o clube lhe deu um motivo para ir a Coimbra, comprou o bilhete, coincidiu o seu horário com os dos comboios e foi assistir à final da Taça da Liga. Levou o filho. Sentou-se na cadeira, vibrou, celebrou dois golos e pronto, foi-se embora. “Quando já estava fora do estádio lembrei-me que tinha deixado debaixo do banco o meu saco. Esqueci-me completamente”, conta, ainda preocupado com o episódio que já passou. O saco tinha documentos, dinheiro, chaves do carro e de casa, tudo. “Quase me dava um treque”, admite. Foi a correr até ao agente da polícia mais próximo.

Esse agente levou-o a outro, esse outro falou com outros quantos e Mário descobriu que a pessoa que estava sentada ao seu lado, no estádio, reparou no saco esquecido e entregou-o à PSP. “Horas depois já o tinha de volta”, resume, já a mostrar algum incómodo pelo desconforto que a “música aos altos berros”, vinda do estádio, lhe causa. São os sons acelerados, batida forte, para puxar pelos ânimos, que chegam do local onde se concentram as claques do Sporting. Jorge, o filho, o benfiquista mais efusivo, também não gosta. “Não é preciso festa, pá! Já te disse que o Benfica não precisa que fazer a festa para ativar os adeptos. Eu já lhes fiz frente. Há bocado pus aí o CD das canções do Benfica a tocar”, diz, sorridente, sentado à beira de uma mesa que montou ao lado da auto-caravana.

A família Pereira, bem-disposta, ainda espera pela chegada “de uns amigos de Coimbra”. Os mesmos que, a cada ida de Mário e Jorge a Lisboa, para verem o Benfica — Maria José prefere “o sofá que está à frente da televisão, lá em casa” –, fazem das duas, uma: ou vão “até à estação” e lhes dão um leitão para pai e filho comerem na viagem, ou, se houver tempo, fazem um convite para irem “lá a casa para uma leitãozada”. Por ano, Mário Pereira vai “a todos os jogos das competições europeias que o Benfica tem em casa”, mais “dois ou três do campeonato”. Só quando esses amigos ali chegarem, a meio da tarde, é que o “estágio” pré-final da Supertaça vai aquecer o carvão e dar brasa a uma churrascada em honra do Benfica.

O estágio dos Saloios Leoninos começou na quinta-feira, quando Marco Fonseca deixou tudo pronto para meter na carrinha. No sábado, véspera do jogo, foi só alinhavar as pontas soltas e, este domingo, a comitiva saiu cedo de Almargem do Bispo para não perder pitada. Chegaram às 14h, muitas horas antes do jogo a sério, mas não faz mal, sempre dá para habituar ao terreno. “Nunca falta nada a ninguém” aqui, diz um dos membros da equipa. E para quem acha que o futebol só move milhões, desengane-se: “Isto custa menos de 10 euros por pessoa”.

Pronto, quatro minutos de compensação depois, tudo controladíssimo, apito final. Os Saloios fizeram o gosto ao dente: levam do Algarve uma barrigada de golos (de cerveja e entremeada). Os Pereiras também não se podem queixar. Para já querem, acima de tudo, encarar o jogo com tranquilidade. Para uns e para outros, jogatana a sério só mais tarde, quando os rapazes de Jesus e Vitória subirem ao relvado. Aí é que se tiram as teimas. “Oh pai, como é que é aquela história do quem ri por último ri melhor? Se calhar ainda vamos fazer isso hoje. Nós e o Rui Vitória.” Logo veremos.

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