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Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Santa Casa retira 54 milhões ao valor dos imóveis registado nas contas de 2021 e 2022

Correções vão agravar prejuízos de 2021 para 60,1 milhões de euros e transformar os resultados positivos de 2022 em prejuízos de 3,1 milhões. Operação internacional pode afetar também contas de 2024.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) prevê corrigir em baixa o valor dos imóveis registado nas contas de 2021 e 2022. Esta correção terá por base as conclusões de uma auditorias às contas desses anos, da responsabilidade da anterior gestão e que não foram ainda aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social.

A referência é feita no plano de atividades e orçamento para este ano (elaborado ainda em 2023) na qual são apresentadas estimativas de correções para o ano de 2021 — de 40 milhões de euros — e de 2022 — 14 milhões de euros — o que totaliza 54 milhões de euros. Estas correções vão pesar nos resultados relativos a esses anos, agravando os prejuízos de 2021 — para 60,1 milhões de euros, e transformando os resultados positivos de 2022 — 11,9 milhões de euros — em prejuízos de 3,1 milhões de euros.

A estas correções do valor justo dos imóveis de rendimento, junta-se uma outra correção a fazer em 2023, relativa a perdas registadas em participadas no valor de 36,7 milhões de euros, que se reportam sobretudo às operações internacionais da Santa Casa. É com base nesta estimativa que este plano e orçamento previa um prejuízo (resultado integral negativo) de 62,3 milhões de euros em 2023, número noticiado esta quarta-feira pelo Correio da Manhã com base no mesmo documento.

Santa Casa. Auditoria encontra indícios de crime económico e práticas ilícitas no negócio brasileiro

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Estas correções têm como fundamento os relatos preliminares dos auditores relativos às contas por aprovar da Santa Casa e que foram apresentadas pela anterior mesa dirigida por Edmundo Martinho. O Observador tem a informação de que este plano e orçamento, assinado pela presidente da mesa, Ana Jorge, será de novembro e que alguns números estarão já desatualizados ou foram corrigidos, mas não obteve nenhum comentário oficial da instituição.

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Os auditores concluíram que os critérios adotados para valorizar as propriedades de investimento (os imóveis que a Santa Casa pode rentabilizar no mercado e que não são usados nos seus serviços) “não tiveram em consideração o valor de mercado dos imóveis no estado em que se encontram, nem os rendimentos gerados pelas rendas associada aos contratos em vigor”.

No documento já citado é referido que estes imóveis foram valorizados tendo por fundamento os “rendimentos potenciais decorrentes de eventuais beneficiações futuras, bem como da negociação de novos contratos de arrendamento, antecipando assim benefícios futuros cuja ocorrência é de elevada incerteza”. Esta prática terá conduzido “ao reconhecimento indevido, em 2021 e 2022, de ganhos de justo valor indevidos que irão muito provavelmente ser objeto de correção”.

O diagnóstico preliminar realizado pela atual gestão à situação financeira da Santa Casa com foco na execução orçamental (e com data de junho de 2023) identificou previsões excessivas nos orçamentos de receitas. Essas previsões seriam sustentadas em vendas de imóveis de valor elevado, “que permitiam inscrever dotações de despesas sem cobertura em disponibilidades reais, o que contribuiu para agravar défices de tesouraria: entre 2021 e 2022, estes défices implicaram uma diminuição de 90 milhões de euros do saldo de tesouraria”.

O plano de atividades revela ainda que poucos meses depois de ter entrado em funções, em junho do ano passado, a nova administração alertava para uma “preocupante situação económica e financeira que ameaça a sustentabilidade financeira” da Santa Casa. E admitia até como provável uma rutura de tesouraria com um défice de 25 milhões de euros no final do ano passado, o que passava pela necessidade de “reforço de 55 a 65 milhões de euros para satisfazer compromissos inadiáveis, nomeadamente despesas com pessoal”. Esse défice de 25 milhões de euros surge nas estimativas de resultados para o final de 2023, ao qual é somada a perda com as participadas.

O Observador questionou a Santa Casa sobre se este défice de tesouraria se verificou, mas não obteve resposta.

Perdas com operação internacional (Brasil) vão afetar negativamente contas de 2023 e 2024

Além das correções sobre os valores dos imóveis, outro tema sensível que suscitará correção às contas da SCML são as participadas, com os auditores a considerarem que o esforço financeiro já feito e as garantias prestadas não está devidamente refletido nas contas de 2021 e 2022, que “não refletem o risco associado a tal exposição que decorre da informação disponível nessa data.” Em causa estão as operações da Santa Casa Global com foco no Brasil e, mais concretamente no Rio de Janeiro. Esta atividade foi alvo de uma auditoria específica que apurou já perdas potenciais de 50 milhões de euros.

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Em junho do ano passado, a nova administração alertava para uma "preocupante situação económica e financeira que ameaça a sustentabilidade financeira" da Santa Casa

Corbis via Getty Images

Neste plano, é referido a propósito das contas da Santa Casa Global que “é possível antecipar igualmente perdas de valor significativas no investimento efetuado pela SCML, a que poderão acrescer responsabilidades adicionais decorrentes de garantias e outros compromissos assumidos, já percetíveis à data de reporte destas demonstrações financeiras, que poderão conduzir a correções expressivas nas respetivas demonstrações financeiras e, consequentemente, aos ajustamento do valor desta participação que se encontra refletido nas contas da SCML, a que poderá acrescer a necessidade de constituição de provisões para acautelar riscos decorrentes de compromissos assumidos com esta participada”.

Para além dos impactos nas contas do passado, esta situação do Brasil pode traduzir-se num esforço adicional para a Santa Casa, o que pode obrigar a reforçar o orçamento de 2024 em cerca de 40 milhões de euros, refere ainda o documento que assinala igualmente que haverá outras atualizações aos principais números em função das conclusões finais das referidas auditorias. No caso da operação internacional, a conclusão da auditoria foi sucessivamente adiada, mas já terá sido entregue à ministra da Segurança Social.

Segundo noticiou já o Observador, a auditoria forense encontrou indícios de crimes económicos e práticas ilícitas na gestão de empresas criadas para os negócios no Brasil. No entanto, as suas conclusões não são públicas e o ex-provedor Edmundo Martinho tem contestado esta abordagem, considerando que a marcha atrás na internacionalização está a causar mais perdas à instituição portuguesa.

Ex-provedor diz que auditoria “afundou” investimentos no Brasil gerando perdas para a Santa Casa

O Observador sabe que a mesa da Santa Casa gostaria que as contas por aprovar ainda fossem reconhecidas pelo atual Governo em gestão, mas dado os números negativos, a sensibilidade do tema e o facto de já se terem realizado as eleições que apontam para uma mudança política , é provável que Ana Mendes Godinho deixa esse legado para o novo Governo. O Observador questionou o Ministério da Segurança Social sobre que decisão irá tomar, mas ainda não obteve resposta.

Santa Casa tem menos 63 dirigentes

A provedora Ana Jorge já tinha traçado o objetivo de reorganizar a estrutura orgânica da Santa Casa e acabar com alguns cargos de dirigentes, que seriam reenquadrados noutras funções, ao abrigo de um processo de reestruturação lançado em junho de 2023. O documento revela que, no ano passado, o número de cargos dirigentes caiu 18% face ao ano anterior, de 344 para 281. São menos 63 dirigentes, que foram realocados internamente em postos de trabalho que “estavam em aberto”.  Para este ano, espera nova diminuição, para 279 dirigentes.

Nas chefias diretas também houve um corte, de 110 para 102 postos de trabalho, valor que deverá manter-se em 2024. Já os diretores de estabelecimento mantiveram-se nos 107 desde 2022.

No ano passado, a Santa Casa tinha 6.074 trabalhadores, menos seis do que no anterior, e espera manter o número em 2024, ainda que admita proceder a uma reestruturação orgânica para compensar a existência de “novos projetos em curso”. “Essas medidas poderão permitir a realocação interna dos trabalhadores a novas atividades/projetos”, lê-se.

Para isso, “a aposta passará por uma política de recrutamento baseada no talento interno e, em alguns casos, em políticas de formação (upsilling e reskilling) que potenciem a integração dos trabalhadores nessas novas funções”.

O documento também refere que é “urgente” que “sejam tomadas medidas destinadas à diminuição e racionalização do número de trabalhadores, que nos permitam assegurar parte dos valores necessários” para acomodar o novo acordo de empresa. O Observador questionou a Santa Casa sobre se isto significa que haverá rescisões, e quando, mas não obteve resposta. O relatório de atividades sublinha que “o recurso à contratação de novos trabalhadores” face a 2023 “terá sempre um caráter excecional”.

Nas contas da Santa Casa, os gastos com pessoal aumentaram em 2023, de 146 milhões de euros para 160 milhões, segundo a estimativa para o ano passado. Já em 2024, deverão ascender a 162 milhões euros, valor influenciado, inclusive, pelo novo acordo de empresa que prevê um aumento salarial médio de 6,5%. “Os gastos com pessoal continuam a representar uma parte muito significativa dos gastos totais, cerca de 60%, e os fornecimentos e serviços externos e custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas representam 24,3%”, indica o documento.

Perante o atual quadro, a Santa Casa pretende elaborar no primeiro semestre de 2024 um plano estratégico que vai substituir o aprovado em 2021 “num contexto interno e externo e com perspetivas, propósitos e opções muito diferentes das atuais”.

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