No Hospital de Santa Maria a agitação não abranda em pleno verão. Dezenas de pessoas, entre profissionais e utentes, saem e entram em diversas direções, denunciando a agitação do maior hospital do país. Será esta unidade, com mais de 6 mil trabalhadores, a referência para acudir a qualquer problema de saúde que o Papa Francisco possa ter durante a Jornada Mundial da Juventude.
Por isso, foi montado um circuito próprio para receber o Papa, em caso de necessidade, e que, por questões de segurança, ainda será avaliado pelo Vaticano. Não haverá somente uma equipa dedicada em exclusivo durante os dias da JMJ, mas sim várias pessoas a fazer a ligação do hospital que, consoante o nível de cuidados exigidos para o Sumo Pontífice, irão acionar as equipas mais adequadas e que estiverem de serviço nesse momento, explica ao Observador, o enfermeiro-diretor do Hospital de Santa Maria e coordenador da resposta assistencial do hospital ao Papa Francisco, José Alexandre Abrantes.
No plano, trabalhado ao detalhe, há, ainda assim, uma pedra na engrenagem: o heliporto. A infraestrutura, inoperacional há anos, pode não estar pronta para receber voos de emergência médica a tempo da visita de Jorge Mario Bergoglio a Portugal — a segunda visita do Papa Francisco a território nacional, depois de ter estado presente nas comemorações do centenário de Fátima em 2017.
O circuito ‘VV VIP’ só para o Papa
Mas comecemos pelo circuito preparado em Santa Maria, que ainda poderá ser alterado. José Alexandre Abrantes não entra em pormenores mas garante que “há um circuito de entrada previamente definido” e que “consoante as necessidades de saúde que [o Papa] venha a ter, será alocado um espaço indicado dependendo da situação clínica que apresente”. Trata-se, em linguagem hospitalar, de um circuito VV VIP, neste caso “só dedicado ao Papa”. As questões de segurança, diz o responsável, impedem o hospital de detalhar as zonas de entrada e de passagem, uma vez que, explica, o mesmo itinerário é acautelado também para dar resposta a eventuais problemas de saúde de outras “altas individualidades” que visitam Portugal.
Ainda assim, o enfermeiro-diretor de Santa Maria adianta que haverá uma “zona híbrida, que pode dar para vários níveis de cuidados”. “Se for cuidados mais extremos, provavelmente teremos um plano B”, sublinha. O que está certo é a rapidez do atendimento, que será “imediato”. “O circuito do Papa é tão rápido consoante a situação que o traga cá. Uma coisa é ele ser atendido num quarto, outra coisa é ele chegar e precisar de fazer uma ressonância. O atendimento é imediato mas temos de pensar em eventuais MCDT [meios complementares de diagnóstico e terapêutica] que precisem de ser feitos”, explica José Alexandre Abrantes.
Em consequência disso, o responsável admite que uma eventual admissão do Papa no hospital poderá implicar um aumento do tempo de espera para os restantes doentes mas frisa que essa é uma situação comum nos hospitais sempre que chegam doentes considerados graves. “Se [o Papa] precisar de fazer uma TAC, precisamos de libertar uma sala de TAC, que vai ficar imobilizada durante o tempo do exame. Mas isso acontece com qualquer outro doente. Se aparecer um doente crítico, passa à frente dos outros. E não podemos deixar altas individualidades perdidas no circuito da urgência”, diz o enfermeiro-diretor, sublinhando ser necessário “ter um circuito com rapidez, até por questões de segurança”.
“Neste momento, o que temos é uma solicitação do INEM para atendermos Sua Santidade. Ou seja, temos de estar preparados para qualquer resposta que nos seja exigida”, garante.
Ainda assim, e apesar de já definido, o circuito que o Papa percorrerá, em caso de necessidade, ainda poderá ser modificado pela equipa de segurança do Vaticano, que fará uma visita ao hospital antes do começo da JMJ. O Observador sabe que o percurso a percorrer pelo Papa no Hospital de Santa Maria deverá ser idêntico ao delineado em 2017, estando previsto que, em caso de necessidade, o Papa seja encaminhado para o hospital através das rampas de acesso ao piso 2 e não pela zona da urgência, no piso abaixo. “Acredito que o plano atual, para este ano, não seja muito diferente”, realçou, em entrevista ao Observador, o responsável do INEM pelo Papa na visita de há cinco anos, o intensivista Rui Costa.
Durante o evento, o Santa Maria juntará o circuito VV VIP a outros dois circuitos: o da urgência, percorrido por todos os que se deslocam ao serviço de urgência; e um outro, também VIP, para outras individualidades. “É um circuito VIP para cardeais, bispos, chefes de Estado, filhos de chefes de Estado, e que implica o atendimento fora do circuito normal porque aparece a segurança própria, que não pode estar no meio das outras pessoas”, realça o enfermeiro-diretor no Santa Maria, no cargo desde fevereiro, quando a administração do hospital foi substituída.
O Hospital de Santa Maria não irá ter uma equipa fixa de prevenção destinada apenas ao Papa Francisco. Em vez disso, o hospital optou por “elos de referência, que por sua vez têm equipas”. Ou seja, “as pessoas serão alocadas a Sua Santidade à medida que for necessário no momento em que for necessário”. Cada responsável tem “identificado, em cada turno, quais as pessoas responsáveis para atender Sua Santidade”, consoante a gravidade do problema em causa, diz José Alexandre Abrantes. “Se tiver uma indisposição, a quantidade de pessoas que terão de ser alocadas é totalmente diferente em relação a uma situação extremamente grave”, explica, acrescentando que “por uma questão de segurança, quanto menos pessoas estiverem, mais seguro é para todos”.
Heliporto pode não estar operacional a tempo da JMJ
No entanto, um hipotético transporte do Papa por via aérea até Santa Maria é uma questão ainda à espera de ser clarificada. O processo de certificação da infraestrutura junto da Autoridade Nacional de Aviação Civil estende-se há anos e não há garantias de que o heliporto fique operacional até ao início de agosto. “O heliporto está encerrado para emergência médica há alguns anos, por contingências que estamos a tentar resolver há alguns anos. Pode ser que haja uma autorização especial para esta altura [JMJ]”, diz José Alexandre Abrantes, admitindo que “não está garantida ainda [a operacionalidade do heliporto] para emergência médica”. “Estamos em negociações com a ANAC, há alguma luz no final do túnel”, adianta, esclarecendo não conhecer os pontos que estão a atrasar o processo.
No entanto, o responsável sublinha que o Papa “nunca virá num helicóptero do INEM”, sendo que “todo o transporte aéreo será feito pelo EH[-101] da Força Aérea, que”, admite, “não pode aterrar no meio de uma cidade, e num heliporto como o de Santa Maria” devido à sua dimensão. “Se a Força Aérea tiver um helicóptero mais pequeno dentro do dispositivo, poderá vir de helicóptero para Santa Maria”, dado não precisar de qualquer certificação para aterrar.
Apesar de garantir que “o transporte aéreo será o mais seguro e o mais rápido”, o enfermeiro-diretor do Santa Maria sublinha que, dentro da cidade de Lisboa, “é muito mais rápido chegar por via terrestre do que por via aérea”. “Só o tempo de autorizações de voo, descolar e aterrar… Essa questão põe-se nas deslocações do Santo Padre, nomeadamente a Fátima”, admite. E aí o transporte, caso o Papa tenha um problema de saúde, deverá ser feito para o Hospital de Leiria, como estava previsto acontecer em 2017. Nessa visita, houve apenas uma ligeira indisposição a registar, o que não obrigou ao acionamento de nenhum circuito hospitalar.
Santa Maria não vai reforçar equipas mas tem profissionais de prevenção
Quanto à JMJ, e sendo o hospital de Santa Maria o mais próximo da zona oriental da cidade, onde vão concentrar-se centenas de milhares de peregrinos, a unidade hospitalar espera um aumento da afluência. “O aumento de procura da urgência está dentro de um plano de contingência, que começámos a preparar em março, sabendo que é uma altura de férias”, revela José Alexandre Abrantes. O hospital está preparado para um reforço de 50% nas equipas, aumentando a capacidade de resposta, caso seja necessário. “Consoante o tipo de profissionais e de serviços, alguns profissionais estão em presença física, outros estão em escalas de prevenção — o que permite ter a certeza de que, quando ligo, aquela pessoa me atende o telefone e tem meia hora para chegar ao hospital”, diz o responsável.
“Estarmos a reforçar as equipas e depois não acontecer nada, é perder dinheiro. [Teriam de ser pagas] horas extraordinárias. Se tiver as pessoas em prevenção, já estão a ser ressarcidas de alguma forma e tenho a garantia, em caso de necessidade, de conseguir aumentar o staff em 50%”, garante o enfermeiro-diretor do Santa Maria, apesar de assumir que o planeamento foi feito sem dados.
“Não há dados sobre que ocorrências de saúde houve [nas JMJ anteriores] , que tipo de ocorrências e qual o número de pessoas. Calculamos que tenha havido um aumento da afluência hospitalar mas não sabemos quanto. Estamos a tentar que Portugal seja o primeiro país a ter os dados de saúde da JMJ para ajudar as próximas organizações”, revela.
Em pleno mês de agosto, o que será expectável “serão casos de insolações, gastroentrite, pequenos traumas, entorses”. Muitos dos casos poucos graves serão tratados, diz, pelos meios do INEM no terreno. “O INEM tem um dispositivo altamente blindado com vários postos médicos avançados e dois hospitais de campanha. Numa situação normal, é expectável que 90 a 95% das situações sejam tratadas lá e não precisem de vir ao hospital”, antecipa.