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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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São João da Madeira. A nova batalha política de João Almeida onde o PS quer encestar mais uma maioria

Antigo candidato a líder do CDS, João Almeida quer fazer da cidade onde vive "a melhor do país". Do lado oposto, o presidente Jorge Sequeira (PS) sonha com nova maioria. Reportagem nas campanhas.

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As grandes coincidências são por vezes como as bruxas do ditado castelhano: podemos não acreditar que existem “mas que as há, há”. Um exemplo? Domingo de manhã, 19 de setembro, 11h (mais ou coisa menos coisa), São João da Madeira.

Estamos no Parque Urbano do Rio Ul, um parque público que se agiganta a cada passo dado, onde existem mais de 50 espécies diferentes de árvores (identificadas estão 57) e que se situa naquele que é o concelho mais pequeno de Portugal continental em área geográfica, com perto de 8 km2.

Inaugurado há 14 anos (em 2007) e projetado pelo arquiteto sanjoanense Sidónio Pardal, que também concebeu o projeto do Parque da Cidade do Porto, tem uma dimensão equivalente a 30 campos de futebol: 300 mil metros quadrados. Ainda assim, uma só meia dúzia dos 300 mil metros quadrados do parque concentraria àquela hora matinal de domingo os dois candidatos que estão melhor colocados para ganhar as próximas eleições autárquicas em São João da Madeira.

De um lado está Jorge Vultos Sequeira, presidente da câmara municipal há quatro anos e que se recandidata agora a um segundo mandato, depois de uma vitória folgada em 2017. Num concelho governado há cerca de 40 anos pelos partidos à direita do PS, Sequeira conseguiu uma maioria absoluta depois de uma profunda divisão no PSD local, nítida nos dois anos anteriores (2015 e 2016), e também na sequência da decisão de não se recandidatar tomada pelo anterior autarca, Ricardo Oliveira Figueiredo, não filiado no PSD mas apoiado em 2013 pelos sociais-democratas.

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Do outro lado da luta autárquica está João Almeida, uma das figuras de proa do CDS e antigo candidato à sucessão de Assunção Cristas na liderança do partido (perdeu internamente para Francisco Rodrigues dos Santos). Deputado centrista, também antigo secretário de Estado da Administração Interna quando Passos Coelho era primeiro-ministro, João Almeida concorre com uma coligação apoiada em três partidos: o seu CDS-PP, o PSD e a Iniciativa Liberal.

O breve encontro entre os dois candidatos à câmara municipal de São João da Madeira.

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Ao contrário do que acontecera poucos dias antes em Coimbra, por exemplo, a passagem dos dois candidatos pelo mesmo local foi fortuita — o candidato apoiado por CDS-PP, PSD e IL não estava em ação oficial de campanha — mas os adversários cumprimentaram-se. Jorge Sequeira ria-se e dizia ao Observador: “Têm aqui um furo”.

A disputa autárquica é sadia, “aqui corre tudo muito civilizadamente”, mas há dois projetos em debate. E a campanha animou no fim-de-semana. Na véspera, sábado (18 de setembro), o candidato do PS tinha tido consigo dois ministros do atual Governo de António Costa em ações de campanha: de manhã, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação e sanjoanense, à tarde Graça Fonseca, ministra da Cultura. Já João Almeida tinha uma “arruada” pela cidade com um convidado ilustre: João Cotrim de Figueiredo, deputado e líder da Iniciativa Liberal.

A sede de campanha, uma caravana. E um Almeida cantor

Não fosse a presença do líder da Iniciativa Liberal e a ação de campanha de João Almeida no sábado de manhã pareceria de um movimento independente que não é suportado por partidos. Uma impressão que se manteria nas horas seguintes, enquanto a comitiva prosseguia a sua busca por votos já sem Cotrim de Figueiredo presente.

Apesar da presença de alguns elementos da Juventude Social Democrata (JSD) local na campanha, a participação é discreta. Contrariamente ao habitual não se canta rotineiramente por partidos ou pela “jota” e a comitiva segue sempre vestida com t-shirts verdes, uma cor que não por acaso não está associada a PSD (laranja) ou a CDS-PP e IL (em duas tonalidades azul).

Também não se veem bandeiras partidárias e João Almeida diz preferir a “mensagem positiva” à guerra político-partidária mais assumida. Nos encontros com os eleitores, as críticas feitas aos outros candidatos ouvem-se só residualmente e aos partidos que os apoiam ainda menos — a tónica está quase sempre não no que outros foram mais ou menos capazes de fazer mas na prometida capacidade para fazer ainda mais, ainda melhor. Debatem-se mais equipas e projetos do que conceitos ideológicos de governação pública, ainda que estes se vão ocasionalmente intrometendo na discussão.

É uma campanha sui generis, a de PSD, CDS-PP e IL em São João da Madeira. Por um lado, há um slogan ambicioso e arrojado: “A melhor cidade do país”, que é aquilo em que o candidato João Almeida diz querer transformar o concelho. Por outro, a equipa é pequena e a informalidade é grande: não há por exemplo um assessor de comunicação no terreno (embora a candidatura trabalhe com uma agência de comunicação) e a sede de campanha não é fixa, é uma caravana que vai viajando pelo concelho. “Se as pessoas não vão à sede de campanha, a sede de campanha vai até às pessoas. Quando nos perguntam onde é, respondemos: onde é que quer que seja?”, explicava o candidato centrista.

Até o hino de campanha é caseiro e com participação vocal do candidato. A música e letra da canção é da autoria de Pedro Neves, um multi-funções que é empresário, humorista e candidato da coligação PSD-CDS-IL à Junta de Freguesia de São João da Madeira. Se a cantoria e instrumentação são asseguradas por músicos locais, o candidato foi a estúdio (pela primeira vez na vida política) ajudar a entoar um refrão. Como aliás se comprova no vídeo do hino de campanha:

https://www.facebook.com/joaopinhodealmeida/videos/390271962507488/

Uma dupla JJ em arruada, entre o “Tonecas” e o “senhor Freitas”

Na manhã de sábado, a dupla JJ, João & João (Almeida e Cotrim), seguia na dianteira do grupo, abordando sanjoanenses num passeio pelas ruas do centro da cidade e entrando em lojas, papelarias, cafés e restaurantes. A abordagem ia variando entre entregar um jornal de campanha e fazer perguntas sobre o negócio ou sobre o que podia a câmara municipal fazer mais pelos comerciantes.

Uma das primeiras paragens mais demoradas, na Rua Visconde, bem no coração da cidade, servia para abordar um polícia, “os miúdos chamam-lhe Tonecas”, que vai regularmente às escolas do concelho falar sobre o que faz e para que servem as forças de segurança — e que, além de defender o programa Escola Segura, dizia ao candidato e ao líder da IL ter “gostado sempre de aturar a canalha”.

Na Agência de Jornais Ferreira, João Cotrim de Figueiredo ficava a conhecer Fernanda e a sua história de amor com o marido: “Olhe que até somos do mesmo signo e nascemos na mesma rua!”.  E uns metros adiante, o candidato à câmara municipal ouvia palavras de encorajamento, “força e que tenha sorte”, e respondia gracejando: “A força e a sorte ajudam mas os votos ainda são mais importantes”.

Na ponta final da “arruada”, aparecia mais uma coincidência de campanha: João Almeida encontraria um homem de 88 anos, o “senhor Freitas”, sentado num banco de jardim a ler o jornal da sua candidatura. O contrário — um eleitor a ler um jornal de campanha de Jorge Sequeira e do PS — ver-se-ia no café Pão Flôr, uns escassos dois minutos depois, com o candidato autárquico a aproveitar para uma ferroada nos socialistas: “Se está a ler a concorrência tem aqui o nosso, pode comparar, para nós é bom se for comparar”.

Cotrim de Figueirede acompanhou a arruada e almoçou com a comitiva de João Almeida.

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Estranhamente, o candidato do CDS-PP teve na campanha a presença de João Cotrim de Figueiredo, rosto maior da Iniciativa Liberal, mas não o presidente do seu próprio partido, Francisco Rodrigues dos Santos.

Em declarações ao Observador, João Almeida desvalorizava a ausência: lembrava que Francisco Rodrigues dos Santos fora a São João da Madeira “nas jornadas parlamentares” (da qual não tinha escapatória, já que quem encerra as jornadas é sempre o líder do partido), que “já foram feitas em espírito de pré-campanha”, e nessa altura manifestara “todo o apoio” à candidatura. Para o antigo governante centrista, “é suficiente” e a ausência “não é um assunto, acho perfeitamente normal e natural que tendo vindo cá em pré-campanha e tendo expressado aí o seu apoio, agora tenha outras candidaturas para apoiar pelo país”.

Questionado por que não convidara Francisco Rodrigues dos Santos, respondia: “Não fizemos convites. O João Cotrim de Figueiredo explicou que foi ele que fez questão de vir. A nossa campanha está muito virada para o local, não tivemos a preocupação de fazer convites. Quem quiser vir fazer campanha a São João da Madeira é sempre bem vindo e o Francisco [Rodrigues dos Santos] esteve cá na pré-campanha”.

Como nasceu uma coligação e a política local a sobrepor-se à nacional

No sábado, ainda acompanhado por Cotrim de Figueiredo, João Almeida faria uma visita à Oliva Criative Factory, um espaço que serve sobretudo de incubadora a empresas e projetos do setor das indústrias criativas e culturais.

Entre elogios ao candidato (à sua “capacidade política, competência técnica e integridade pessoal”) e à equipa que João Almeida juntou para formar as listas autárquicas, o líder da Iniciativa Liberal puxava a brasa à sua sardinha.

Para justificar o apoio do partido, Cotrim de Figueiredo fazia questão de deixar claro que a IL está com pressa não de “chegar a cargos” mas de “fazer vingar as ideias liberais”. E defenderia que o projeto que quis ir apoiar tem “pessoas capazes de levar para a frente um programa liberal, que é o que estrategicamente ficou sempre definido que queremos fazer”.

João Almeida sobre o apoio da IL: "Esta candidatura começou como uma ideia e um projeto para a cidade, houve três partidos que se juntaram e temos muito gosto que a IL nos apoie"

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João Almeida ouve e sorri, não contrapõe nem refuta que o seu programa tenha bem mais elos comuns com a IL do que as propostas políticas dos adversários. Mas não vai por aí. Age e fala como se preferisse falar das propostas concretas para os munícipes, como se estivesse concentrado em debatê-las e discutir a política municipal tema a tema, ao invés de recorrer aos chapéus de chuva ideológicos (“liberal”, “socialista”, “social-democrata”) da praxe.

A orientação ideológica pode até estar plasmada nas propostas, na forma de encarar a gestão autárquica e a governação municipal, mas não é credo. A convicção é de que não é travando um combate ideológico entre o socialismo e qualquer outro modelo de pensamento que se ganham votos em São João da Madeira. É como se houvesse uma alergia a discussões ideológicas abstratas, menos capazes de convencer os sanjoanenses do que medidas e propostas mais concretas.

A vantagem de Sequeira, o candidato-autarca que virou o jogo em São João

Jorge Sequeira tem uma vantagem que nenhum outro candidato a presidente da câmara municipal de São João da Madeira — além de João Almeida (CDS/PSD/IL), também concorrem Sara Costa (BE), Jorge Cortez (CDU), Pedro Lisboa (Chega) e Manuel Londreira (Nós Cidadãos) — se pode gabar de ter: é o presidente da câmara municipal em exercício.

Não é vantagem pequena: um estudo recente de uma académica da Universidade de St. Gallen, na Suíça, Mariana Lopes da Fonseca, estimou em 15 pontos percentuais a vantagem que à partida um presidente de câmara em exercício que se candidata a um novo mandato tem para os oponentes. O que tal significa, explicava recentemente a professora universitária e investigadora ao jornal Público, é que um incumbente parte com à partida mais 15% de votos expectáveis do que os que teria caso se estivesse a candidatar a um primeiro mandato.

Acresce que Jorge Sequeira não é um presidente de câmara qualquer. Por um lado, tem peso político em todo o distrito de Aveiro: é presidente da federação distrital do PS de Aveiro, sendo o segundo socialista do concelho mais pequeno de Aveiro a presidir consecutivamente à distrital (o primeiro fora o seu amigo e atualmente ministro Pedro Nuno Santos, a quem sucedeu). Por outro lado, tem um grande resultado obtido na mais recente corrida autárquica ao município: em 2017, foi eleito com 55,37% dos votos.

Se for tido em conta que para a presidência da câmara municipal os sanjoanenses elegiam há décadas, invariavelmente e ininterruptamente, os candidatos dos partidos à direita do PS, mais impressionante se torna o resultado de Jorge Sequeira em 2017. Somando a isso a vantagem com que um autarca recandidato já parte para a corrida eleitoral, percebe-se melhor o acordo entre CDS e PSD (que preferiu aderir à coligação a apresentar candidato próprio) para apresentarem uma figura com peso nacional este ano.

Este domingo, Jorge Sequeira tinha um programa de campanha mais relaxado — por um lado, porque à tarde tinha um concerto na Casa da Criatividade (equipamento cultural de São João da Madeira) em que tinha de marcar presença como presidente da câmara, por outro porque o dia anterior fora em cheio: recebera dois ministros num dia só.

A passagem de Pedro Nuno Santos pela sua cidade chegou a estar apontada para uns dias antes, mas ficou sem efeito devido à morte de Jorge Sampaio e consequente luto nacional de três dias decretado no país.  Sobre o amigo que conhece desde “os 14 anos, talvez”, Jorge Sequeira lembrava que “viveu toda a infância e juventude” na cidade e “reencontrou-se com muitas pessoas que conhecia”, sendo alguém “muito acarinhado por todos os sanjoanenses e que já foi vereador, presidente da Assembleia de freguesia e membro da Assembleia Municipal” na região.

Jorge Sequeira descrevia o seu antecessor na presidência da federação do PS de Aveiro, e de que foi vice-presidente, como “amigo íntimo há muitos anos” e lembrava que tinham feito juntos “um trajeto na Juventude Socialista (JS)”, tendo a chegado a ser seu “motorista de campanha, na primeira campanha do Pedro Nuno a secretário-geral da JS”. Temos sucessor de Costa? “A questão da sucessão não se coloca neste momento, o secretário-geral acabou de ser eleito há pouquíssimo tempo. Mas não vou fugir: obviamente que o Pedro Nuno Santos é uma pessoa que está preparada e posicionada na linha de uma futura sucessão. Tem todas as qualidades para isso”.

Maioria absoluta? “Creio que sim, é o que sinto”

O apoio do ministro Pedro Nuno Santos, que entrou na sua campanha com as vestes de dirigente do PS, foi mais um empurrão para uma possível repetição de vitória nas eleições autárquicas por maioria absoluta? Jorge Sequeira acredita. Quando o Observador o questionou sobre se estava confiante nesse resultado, apontou: “Creio que sim, é o que sinto. Há pessoas que abordo e dizem-me: ‘não vale a pena [apelar ao voto], gosto do seu trabalho’. Temos tido muitas experiências dessas”.

A maioria absoluta permitiria “garantir estabilidade e governabilidade” na autarquia, defenderia ainda, garantindo porém que foi exercida nos últimos quatro anos, e a repetir-se continuará a sê-lo, “sem arrogância e prepotência, respeitando escrupulosamente os direitos de todos” e acolhendo “propostas da oposição”.

A estratégia na campanha tem passado sobretudo pela defesa dos resultados do primeiro mandato. O autarca do PS defende que a cidade foi “muito mudada em muitos aspetos”, que vão desde “a habitação à cultura, do ambiente à eficiência hídrica”.

Nesta eleição, Jorge Sequeira tem um concorrente mais mediático mas julga que os eleitores “não vão escolher a pessoa A ou B por ser mais ou menos mediática”, está convicto que “vão avaliar o nosso trabalho, os nossos programas, as listas, as equipas e depois vão decidir”. E volta a reforçar: “Não creio que os sanjoanenses escolham o presidente de câmara em função do número de vezes que as pessoas aparecem nos jornais nacionais”.

A conversa acontecia durante um passeio pelo Parque Urbano do Rio Ul, numa manhã com muitos caminhantes, ciclistas e atletas dedicados a fazer exercício. Quando passou por quatro pessoas em concreto que se exercitavam, o autarca explicava que se trata vade um “programa da câmara, de running“, feito aos domingos com o apoio de um técnico.

Passeio do candidato apoiado pelo PS pelo parque urbano do rio Ul.

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Durante a caminhada Jorge Sequeira ia distribuindo bons dias, aproveitando também a passagem de Graça Fonseca pela campanha na véspera para falar da política cultural do município, dizendo que a autarquia “melhorou imenso a vida cultural” de São João da Madeira nos últimos quatro anos lançando iniciativas como “o ciclo de conferências Pensar o Futuro, o ciclo de atividades culturais Somos Nós, o festival Novembro Jazz, a possibilidade de visitas virtuais ao Museu da Chapelaria e Museu do Calçado e o ciclo Alternativo às Quintas” com talentos emergentes.

O apanhado das medidas do anterior mandato, que Jorge Sequeira aproveitava para recordar detalhadamente, ia da reserva de parte da lotação de espectáculos para “pessoas com dificuldades económicas” — um modo de “usar a cultura como ferramenta de inclusão social” — à oferta de consultas de dentista, passando pela gratuitidade do transporte municipal, pela oferta aos munícipes de contentores para reciclagem e pelas inevitáveis obras públicas: “Um tipo que é autarca apaixona-se pelas obras e pelos projetos”, dizia mesmo.

À saída do parque, o socialista deparava-se com um candidato pelo PSD a caminhar sozinho pelo passeio e ouvia um gracejo: “Olhe, não encontro a minha caminhada portanto vou com a vossa”. Orgulhoso “da obra”, ainda mostrava o pavimento da ciclovia que está agora a ser construída na longa avenida lateral ao parque.

Mesa de bar: o Pardal do PS, o Aldair da ADS e as memórias do pavilhão

Sentado à mesa de um bar de São João da Madeira, no sábado à tarde, João Almeida estava entre velhos conhecidos: de Jorge, funcionário do café-bar a quem graceja nunca ter “deixado ficar mal nos finos”, aos comparsas de candidatura. “Isto não foi propriamente feito numa lógica partidária, não houve propriamente grandes negociações de partidos. Nós aqui conhecemo-nos todos”, diz mesmo, acrescentando que grande parte do núcleo de campanha é feito por amigos, mais do que camaradas: “Encontramo-nos normalmente em jantares, no hóquei, em convívio social. Há relações familiares e de proximidade que são mais importantes do que o elo partidário”.

O candidato chega mesmo a dizer que a equipa de candidatura, que tem militantes de partidos mas também gente da área empresarial e social, está “muito desligada da lógica partidária nacional, que não se transpõe para aqui” e garante que localmente os partidos que suportam a coligação confiaram no projeto, mais do que o construíram.

Quando é por exemplo questionado sobre se a aparente satisfação com a governação nacional do PS — indiciada pelas sondagens — tem impacto nas eleições em São João da Madeira, admite que “não facilita” a sua tarefa mas logo acrescenta: “No contacto com as pessoas não se ouve falar de política nacional. Não é exagero dizer que durante a campanha ninguém me falou de política nacional na rua, nem bem nem mal, nem do CDS nem do Costa. Aqui vive-se muito a terra”.

João Almeida também garante que “vive muito a terra” e que não é de agora. Apesar de não ter nascido em São João da Madeira, os avós maternos são sanjoanenses e a mãe também, tendo sido uma das únicas irmãs a rumar a Lisboa — houve só uma outra que também saiu do concelho mas “que morreu muito cedo”. “Os meus primos estavam cá todos, o meu irmão e eu éramos os únicos que estávamos fora. Vinha para cá nas férias, no Natal, na Páscoa”, relata.

O candidato puxa pelas memórias de infância e recorda que a casa dos avós maternos “era mesmo em frente ao pavilhão” da Associação Desportiva Sanjoanense (ADS) e que teve nessa casa o seu quarto “durante muitos anos”. Daí que nunca se tenha esquecido “do barulho dos patins, dos sticks, das bolas a baterem na tabela, que gostava muito”.

Para além da ligação familiar, a ligação ao desporto local é grande — há cinco anos que é presidente do conselho fiscal da AD Sanjoanense, por exemplo, e entusiasma-se a falar do andebol que está na primeira divisão (contava ter ido no sábado anterior ao pavilhão do São Bernardo ver o jogo que permitiu à equipa manter-se na primeira liga), do basquetebol que está também na primeira e do hóquei em patins em que a ADS é um histórico e ainda hoje clube de relevo.

Nem por acaso, sábado era dia de jogo de futebol e no café-bar em que conversava com o Observador João Almeida ia espreitando pela televisão a transmissão do jogo de futebol do clube na Liga 3. Isto enquanto ia fazendo um teste de cocktails: um amigo trazia-lhe uma bebida dizendo-lhe “prova só” para ver se ele gostava, João Almeida começava por notar que “cheira a hortelã” e depois traçaria o veredito: “Epá, isto é bom”.

Se o antigo governante centrista está convencido com a equipa de candidatura, a fé na equipa de futebol que ia vendo na televisão era menos sólida. “A equipa este ano… já vi dois jogos no estádio e não foi famoso, mas pode ser que melhore”, apontava.

A conversa futebolística levava-o para outras paragens e de repente João Almeida lembrou-se de um encontro da véspera. Virando-se para um amigo, contou: “Olha, ontem dei um postal de campanha ao Aldair [futebolista brasileiro de 21 anos da ADS]. Mas nem sei se ele vota, não deu para falar muito”.

Naquele sábado, Aldair estava castigado e impedido de jogar. “Joga o Pardal, que é meu primo”, contava o aspirante a autarca, sorrindo e detalhando a relação familiar: “O pai dele é primo direito da minha mãe”. Anda a angariar votos no balneário? “Não que ele é do PS! Há quatro anos foi o mandatário da juventude do PS [ri-se]. Aqui cruzamos tudo”.

Na televisão a coisa não corria bem: uma notificação recebida no telemóvel de João Almeida revelava um golo adversário que a televisão só mostraria uns segundos depois. Para a semana há mais, até lá atirava-se uma piada para o balcão para desanuviar a tensão: “Ó Jorge, liga aí o VAR”.

O “Chico” Silva do andebol e a vida “totalmente concentrada” em São João

O sábado estava enguiçado: no futebol a Associação Desportiva Sanjoanense perdia por 2-0 em Oliveira de Azeméis (quatro jogos, uma vitória, três derrotas e o 10º e antepenúltimo lugar da zona Norte da Liga 3), no andebol derrota caseira contra o Póvoa por 21-22, num jogo que esteve sempre renhido e taco a taco e que João Almeida foi ver ao pavilhão. À entrada, ouvia uma palavra de incentivo: “Isto é que é um presidente que se preocupa com o clube!”

Primeira jornada do campeonato de andebol e primeira derrota da Associação Desportiva Sanjoanense, que a inspiração de Francisco Silva (o “Chico”, como tratado na bancada, promissor central e organizador formado no clube), do lateral brasileiro recém-contratado Jackson Souza e do guarda-redes Lucas Santana não foi suficiente para evitar.

Associação Desportiva Sanjoanense acabou por perder o jogo pela margem mínima de um golo.

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João Almeida tem tido várias oportunidades para ir ver o andebol, o hóquei, o basquetebol ou o futebol da ADS — tal como o futsal do Dinamo Sanjoanense, por exemplo. Ao Observador, conta que é em São João da Madeira que vive “de há bastantes anos para cá parcialmente e de há seis anos para cá de forma mais fixa”. Hoje em dia, conta, já não tem sequer casa em Lisboa, a vida está “totalmente concentrada aqui” e tem uma “vontade muito grande de fazer” da sua terra uma cidade “liderante, central e com uma ambição muito grande”.

No final da noite desse sábado, depois de uma sessão em que ouviu perguntas e sugestões de jovens sanjoanenses maioritariamente ainda sem idade para votar — pediu-lhes que lhe dissessem o que gostariam de mudar na cidade e o que sentem que falta a “São João” oferecer a jovens como eles  —, o candidato confessava uma coisa: estava “feliz” e “cansado” mas “muito tranquilo. Diria mais: estava a “divertir-se à brava” com a campanha.

Quer mais lugares de estacionamento? “Vote no outro”

Mais estacionamento no centro. Não é a única proposta eleitoral da oposição que Jorge Sequeira critica. O autarca socialista, por exemplo, não faz mira a muitas das propostas da candidatura da coligação PSD-CDS-IL, mas há algum que lhe tocam num nervo e servem para o despique eleitoral.

Uma das que o incomoda é a promessa de devolver dois milhões de euros de impostos pagos aos sanjoanenses: “A candidatura de direita propõe isso. É absolutamente impossível”, refere, acrescentando: “Se a câmara se privar de dois milhões, ou deixa de recolher o lixo ou corta os subsídios a todas as instituições da cidade ou apaga a iluminação noturna. Não estou a ver outra forma”.

Há porém uma proposta eleitoral que tem estado no centro de debate entre as duas candidaturas mais colocadas para vencer: uma proposta da coligação de direita para a criação de 50 lugares de estacionamento no centro da cidade até ao Natal.

Percebe-se que é um tema delicado na campanha do PS. Por um lado, não se fomentar o estacionamento ao ar livre no centro da cidade é um dos eixos centrais da gestão da autarquia na área da mobilidade, que procurou reforçar a oferta de transportes públicos coletivos numa política mais verde coerente com as propostas do PS nacional. Por outro lado, parece haver alguma irritação de munícipes quanto à oferta de estacionamento — efetivamente existente no centro da cidade — estar muitas vezes circunscrita a parques subterrâneos.

Essa irritação originaria mesmo um momento de tensão no domingo, mas antes disso Jorge Sequeira andaria pelo requalificado parque de basquetebol do Parque Municipal Ferreira de Castro a tentar encestar para uma vitória eleitoral no dia 26, calcorrearia a pé as zonas da Mourisca e do Parrinho e confessava ter o objetivo de “fazer o funeral destes contentores” apontando para inscrições de lixo indiferenciado (porque não uma cerimónia de enterro?).

Há quatro anos Jorge Sequeira (PS) teve 55,7% dos votos.

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O ambiente e a necessidade de combater as alterações climáticas e a falta de eficiência energética são eixos centrais do discurso do autarca e (re)candidato do PS. Mas não é disso que Jorge Sequeira fala com a “dona Fernanda”, uma senhora que sorriu quando se apercebeu que o “presidente” ainda se lembrava dela e do nome, depois de há quatro anos se terem conhecido na campanha.

“Não só não me esqueci dos nomes como também não me esqueci das compotas — posso-vos garantir que a dona Fernanda faz as melhores compotas e marmeladas de Portugal”, ia dizendo Jorge Sequeira, lembrando o licor que bebeu com a munícipe e prometendo, depois de ser desafiado para isso, que ainda lá passará (“está prometido”) para receber uma garrafinha.

Numa viagem de carro, o presidente da câmara municipal e candidato do PS a um segundo mandato socialista aproveitava para mostrar mais obra: dos blocos de prédios recuperados na zona do Orreiro para habitação social à escola básica da zona de Fundo de Vila que está recuperada.

A habitação tem um peso importante nas campanhas socialistas por todo o país e em São João da Madeira não é diferente: acusando os antecessores do PSD de terem “alienado dezenas e dezenas de fogos”, uma política “em boa justiça, travada pelo último presidente de câmara apoiado pelo PSD” (Ricardo Figueiredo), Jorge Sequeira sublinhava que defende que “a habitação social deve estar sempre no Estado, faz muita falta até porque temos uma taxa muito reduzida de habitação pública inclusivamente por comparação com países do norte da Europa”.

O autarca voltava a aludir ao trabalho feito: garantia, por exemplo, que a autarquia tinha conseguido nos últimos quatro anos garantir habitação a “80 famílias [em dificuldades], 48 das quais monoparentais”, dizia já ter “praticamente pronto o regulamento para a habitação acessível” e congratulava-se por São João da Madeira ter sido “um dos primeiros 25 municípios do país a fazer uma estratégia local de habitação, já assinámos inclusivamente um acordo de financiamento”.

Jorge Sequeira não se livraria, porém, de ficar com as orelhas a arder, ao encontrar um munícipe indignado pelo estado do piso das estradas — que considera que fazem o concelho regressar “ao tempo das carroças” — e por não haver estacionamento no centro de São João da Madeira exceto em parques subterrâneos. “Em quatro anos só gastam dinheiro onde não deviam”, acusaria, inflamado mas a dizer que “também a oposição, coitadinha, vai buscar uns gajos do CDS…”.

Quando o interlocutor se queixava de que “não há lugares de estacionamento”, a resposta era pronta: o estacionamento existe, nos parques subterrâneos. Mas e para ir aos correios? “Olhe, carros em frente aos correios não haverá. Se for para isso, vote no outro”, responderia Jorge Sequeira.

O “outro” é João Almeida, que diz também querer incentivar o uso de transportes públicos — e propõe “autocarros escolares” que transportem alunos a partir de paragens localizadas fora do centro da cidade, para o trânsito não entupir com os pais que levam os filhos à escola nos seus carros próprios — mas que promete mais 50 lugares de estacionamento até ao Natal.

As grandes cidades, contapõe Jorge Sequeira, “estão todas a retirar o estacionamento e a circulação de carros no centro, em Madrid por exemplo nas zonas em que há parques subterrâneos já nem sequer é permitido o estacionamento ao ar livre”. São João da Madeira quer seguir o exemplo, “temos de fomentar o uso do transporte coletivo e as deslocações a pé” diz o autarca, mas bicicletas elétricas partilháveis que contribuam para haver menos carros ainda não existem.

Num concelho habitualmente com perto de dez mil eleitores votantes (de um total de perto de 22 mil residentes), uma questão tão simples mas tão delicada quanto onde colocar o carro e que oferta de transportes existe pode ajudar a resolver uma eleição. Dia 26, perceber-se-á se a noite cai para o PS e para o autarca ou para o mediático deputado e ex-candidato a líder do CDS — e quantos lugares de estacionamento terá São João da Madeira este Natal.

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