Foi com surpresa que os economistas receberam a informação que a economia portuguesa tinha crescido ligeiros 0,1% no segundo trimestre face ao primeiro trimestre, colocando o crescimento homólogo nos 1,5%. Os valores ficaram abaixo do que se esperava e um travão face ao crescimento do primeiro trimestre, o que coloca a trajetória para o conjunto do ano abaixo dos 2%. E há ventos contrários a soprar no exterior.

“O crescimento homólogo de apenas 1,5% mostra o quão difícil será para a economia nacional almejar um crescimento acima dos 2% em 2024“, diz Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, e autor do livro Da Grande Recessão à Guerra na Ucrânia, realçando que “seria preciso um segundo semestre bem melhor do que os primeiros seis meses do ano para superar um crescimento anual de 2%”.

Neste momento apenas o Banco de Portugal tem uma projeção de 2% para o crescimento deste ano e apontava para um crescimento do segundo trimestre (em cadeia) de 0,6%. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, citado pelo Now, prefere olhar para os dados “aquém” do segundo trimestre numa perspetiva mais longa, dizendo que não são suficientes para “alterar a nossa projeção de médio prazo”.

O Governo, nas projeções apontadas no Programa de Estabilidade, está com o valor estimado mais baixo, de 1,5% de variação homóloga para o ano, mas Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, até já admitiu crescimento de 2%. 

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O Banco BPI refere ao Observador que, com dados já referentes a dois trimestres, o ano “deverá situar-se num patamar intermédio”, do intervalo entre 1,5% e 2%, “dado que antecipamos que o segundo semestre seja mais favorável, assente no mercado de trabalho robusto, aceleração da execução do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e maiores certezas quanto descida dos juros e aproximação da inflação aos 2%.”. O Banco BPI tem uma projeção para o ano de crescimento de 1,8% e até assume que “um crescimento homólogo estável em torno de 1,5% acaba por ser uma boa notícia dado seguir-se a um período de forte aumento das taxas de juros (cujos efeitos são prolongados e desfasados no tempo), efeito cumulativo de inflação expressiva e, sobretudo, tendo em conta a debilidade dos parceiros europeus, com a zona euro a cortejar a recessão nos últimos trimestres”.

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Também para a Católica, que aponta para os 1,8%, “estes dados confirmam uma deterioração da conjuntura na zona euro com destaque para a Alemanha”, com as economias ibéricas a evoluírem de “forma distinta, bons dados em Espanha e fracos em Portugal”, cujo “crescimento para a totalidade deste ano está numa trajetória abaixo de 2%”.

No primeiro trimestre a economia tinha subido em cadeia 0,8% e em termos homólogos os mesmos 1,5%. O que, na altura, foi mais positivo do que o antecipado, e que também acaba por contribuir para o maior travão do segundo trimestre.

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O primeiro trimestre tinha trazido baixos níveis de investimento, tendo os valores então reportados sido garantidos por um dinamismo nas exportações. No segundo trimestre as variáveis ter-se-ão invertido, com base nos dados preliminares revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). O organismo vai apontando para uma aceleração no investimento no segundo trimestre, e um contributo negativo da componente externa, com uma “variação nula das exportações de bens e serviços”. 

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A componente externa teve uma estagnação das exportações e uma subida das importações acima. No lado das exportações, Paulo Monteiro Rosa recorda que “as elevadas taxas de juro penalizam não só a procura interna portuguesa, sobretudo o investimento e o consumo privado, mas também a procura externa, especialmente da Zona Euro, o principal destino das exportações nacionais, sendo, assim, difícil imaginar um crescimento económico nos últimos seis meses do ano melhor do que o primeiro semestre”.

As perspetivas não melhoram com a Alemanha, um dos principais parceiros nacionais, a registaram uma queda do PIB no segundo trimestre, em cadeia, de 0,1%. O economista do Banco Carregosa aponta “a inesperada contração da economia germânica” como “um importante revés nas expectativas para o PIB português no segundo semestre do ano”. “Uma economia aberta como a nossa e muito dependente da economia europeia, tende a ser cada vez mais penalizada pela crescente perceção do ‘homem doente’ [quando uma nação apresenta problemas económicos] da Europa, fenómeno que é cada vez mais uma realidade, a deterioração da economia alemã, a qual como motor da economia europeia teima em fragilizar as restantes economias europeias”.

“Os riscos para a atual previsão [de crescimento anual] revelam-se equilibrados, sendo que os negativos estão essencialmente associados a fatores externos de carácter geopolítico”, considera também o Banco BPI.

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O que está a puxar pelas importações?

Se as exportações estagnaram, as importações foram superiores às vendas ao exterior. Sem que o INE ainda tenha decomposto os contributos para o crescimento económico, refere, no entanto, já que “o contributo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB foi negativo, após ter sido positivo nos dois trimestres anteriores, tendo as importações de bens e serviços acelerado de forma mais acentuada que as exportações de bens e serviços”.

Há dois fatores apontados para este comportamento. Paulo Monteiro Rosa recorda, por um lado, que “Portugal é dependente de importantes importações, tais como os combustíveis fósseis”. Mas por outro lado recorda-se que os investimentos subiram (não sendo ainda referido se foi o investimento público ou privado), o que também poderá trazer importações. “O contributo da procura externa líquida foi negativo, por via de uma aceleração das importações de bens e serviços (muito provavelmente associadas à aceleração do investimento) superior à das exportações”, aponta o Banco BPI, que, ao Observador, confirma a leitura de que o investimento pode estar a arrastar importações. “O comportamento das importações nominais de bens e serviços (cerca de 10% no trimestre), o crescimento yoy [homólogo] das importações de bens de capital disponíveis até maio (6% yoy face a -0,4% no primeiro trimestre) aponta para que a dinâmica das importações tenha justificado grande parcela da desaceleração” da componente externa.

Paulo Monteiro Rosa admite, no entanto, que a variação positiva do investimento no segundo trimestre “não significa que sejam gastos mais elevados das empresas, sobretudo em importações”. Na realidade ainda não dá para perceber de que investimento é que estamos a falar. Os dados detalhados serão divulgados a 30 de agosto.

Consumo privado, o que esperar?

A procura interna teve, segundo o INE, um contributo positivo para o crescimento homólogo do PIB no segundo trimestre, apontando o organismo para “uma aceleração do investimento e do consumo privado”. No entanto, na análise em cadeia (segundo trimestre em comparação com o primeiro), na procura interna temos um crescimento do investimento e uma desaceleração do consumo privado.

Como referido o investimento parece estar a descolar, tendo recuperado alguma dinâmica, “sendo previsível que mantenha um comportamento positivo no resto do ano, na expectativa de que a execução do PRR possa acelerar um pouco e os custos de financiamento comecem a reduzir gradualmente”, aponta o BPI. O Plano de Recuperação e Resiliência, à medida que se aproxima a sua data de finalização (2026), tende a ter maior execução. Além disso, o BCE já promoveu em junho a primeira descida das taxas de juro, sem se comprometer no timing de novas reduções.

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O efeito ainda não se fez sentir no segundo trimestre, esperando-se que, no entanto, a segunda metade do ano possa trazer fatores positivos ao consumo privado. “O consumo privado continua forte, apesar do abrandamento da componente dos bens duradouros, refletindo a robustez do mercado de trabalho e os sinais de melhoria do rendimento disponível”, aponta o Banco BPI, acrescentando que, “internamente, os riscos parecem mais enviesados em sentido positivo, predominantemente relacionados com a possibilidade de que a procura interna se revele mais forte do que o antecipado”.

“Apenas a aquisição de bens duradouros poderá ter atingido um plateau dado o comportamento das vendas de automóveis, em máximos históricos mas aparentemente estáveis”, aponta o BPI, dizendo que a desaceleração no segundo trimestre (em cadeia) “não nos parece preocupante”. Até porque no trimestre anterior tinha crescido 1% em cadeia. Em Portugal, o primeiro trimestre foi marcado pelas eleições legislativas, que aconteceram a 10 de março, tendo o segundo trimestre trazido novo Governo, que tomou posse a 2 de abril.

No terceiro trimestre há algumas classes profissionais, na função pública, que vão registar subidas remuneratórias por via de aumentos em complementos salariais ou, no caso dos professores, reposição de parte do tempo de serviço que tinha ficado congelado. Por outro lado, setembro deverá também trazer mais rendimento mensal (pouco em euros) por via da nova tabela de retenção na fonte do IRS que o Governo já prometeu fazer aplicar em setembro e com retroativos a janeiro. Mendonça Mendes, deputado socialista, admite à Rádio Observador que esses efeitos não serão materiais para fazer mudar o ponteiro anual.

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