O Governo já anunciou a intenção de injetar mais 150 milhões de euros do Fundo Ambiental para as tarifas de eletricidade, mas, para evitar um provável aumento extraordinário para quase um milhão de consumidores domésticos que estão no mercado regulado, terá de operacionalizar a decisão nas próximas semanas.
Tal como confirmou ao Observador fonte oficial do regulador, “a aplicação do mecanismo de revisão trimestral é automática”. E acontece “sempre que a diferença de preços de aquisição de energia elétrica for superior a 10 euros por megawatt/hora” ao custo médio de aquisição previsto para todo ano, quando a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) definiu as tarifas para 2022.
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Neste caso, aplica-se “uma atualização das tarifas reguladas de venda a clientes finais”. E esse “eventual ajustamento será sempre feito no início de cada trimestre”, acrescenta a ERSE. Para entrar em vigor a 1 de abril, a regra é anunciar a variação em meados do mês anterior, neste caso até 15 março, embora não seja uma regra incontornável. Para evitar um provável aumento — que estaria limitado a 5 euros por MW/hora (o mesmo aplicado em julho e outubro de 2021) — será necessário que a intenção anunciada pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e confirmada pelo secretário de Estado João Galamba, se traduza em iniciativas legislativas nas próximas semanas.
O Observador questionou o Ministério do Ambiente e Ação Climática sobre a operacionalização e calendário desta transferência, mas não recebeu resposta.
Quando fixou as tarifas elétricas de 2022, a ERSE estimou um custo médio de compras de energia por parte do comercializador de último recurso — a empresa do grupo EDP que fornece os clientes do sistema regulado — de 105,5 euros por MW hora. Este custo médio resulta de várias contratações de energia que incluem contratos a prazo (com preços mais baixos face aos atuais) e leilões de capacidade renovável, fatores que permitem dar alguma estabilidade aos custos de abastecimento. O sistema elétrico também tem produção com preços garantidos de algumas eólicas e da Turbogás (central a gás que ainda tem contrato de aquisição de energia), mas está a importar mais de Espanha e dificilmente ficará totalmente protegido do que se passa no mercado elétrico.
Basta olhar para as cotações das últimas semanas do Mibel (mercado ibérico de eletricidade) para ver que o preço médio intradiário tem estado sistematicamente acima desse valor. Até ao final de janeiro, o preço médio intradiário foi de 201,8 euros (quase o dobro) e esta tendência altista que já vinha de trás tem estado a ser inflamada pela guerra na Ucrânia.
Muito por causa da crise do gás natural que tem levado a sucessivos aumentos de preço. O índice holandês para entrega em abril tem registado valores máximos perto dos 200 euros MW. Na mesma linha, o mercado ibérico de eletricidade bateu também o seu recorde perto dos 400 euros por MW hora, com a particularidade do preço mais alto, 400 euros por MW, ter sido alcançado do outro lado da fronteira. Em Portugal atingiu os 383 euros por MW, tendo entretanto aliviado.
E se, quando foram atingidos recordes no final do ano passado, havia a expectativa de que o gás natural iria começar cair depois do inverno, a partir do segundo trimestre, essa previsão foi ultrapassada pela situação na Ucrânia e a Comissão Europeia já reconheceu que os preços altos na energia podem ficar até ao final do ano.
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O regulamento tarifário prevê que, no caso de o desvio a compensar ser igual ou superior a 10 euros, a revisão das tarifas terá o valor fixo de 5 euros por MW hora na componente de energia para os clientes do mercado regulado. Esta será uma correção à diferença entre o custo previsto e o custo efetivo da compra de eletricidade ao longo do ano, mas a avaliar pela crise que se vive nos preços da energia na Europa dificilmente uma correção de apenas 5 euros por MH/h chegará. O que abre a porta a nova revisão extraordinária das tarifas em julho, como aconteceu no ano passado em que a fatura das tarifas reguladas da baixa tensão subiu duas vezes: 3% em abril e 3% em julho.
O facto de o aumento extraordinário estar limitado aos 5 euros por MW/hora no próximo trimestre poderá também levar o Governo a deixar que essa subida ocorra para já — o que não será surpresa para a maioria — , intervindo mais tarde. Mas se esta decisão não terá grande impacto nas famílias, mesmo as que estão no mercado liberalizado têm alguma estabilidade nos tarifários, o mesmo não se pode dizer nas empresas que estão mais expostas a variações no mercado grossista e cujo custo da energia tem um peso maior na fatura final.
Para contrariar um aumento da tarifa regulada já em abril, o Governo teria de operacionalizar a transferência de 150 milhões de euros Fundo Ambiental nas próximas semanas. O cheque seria dirigido à redução das tarifas de acesso ao sistema, para compensar o inevitável aumento do preço da energia. Mas o corte das tarifas de acesso teria de ser passado pelas elétricas aos seus clientes, incluindo os mais de cinco milhões de clientes do mercado liberalizado, famílias e empresas. E algumas comercializadoras poderiam aproveitar esta margem para compensar a subida dos custos da compra de energia elétrica sem ter que aumentar o preço dos contratos em vigor.
Isso que foi feito no ano passado em larga escala quando a ERSE fixou as tarifas para 2022, que tiveram de acomodar já um aumento muito significativo no preço da eletricidade sentido desde o verão do ano passado. Na altura, foi transferida uma “almofada” de mais de 800 milhões de euros para amortecer o impacto do agravamento do preço da energia nos preços finais, à custa da descida extraordinária das tarifas de acesso ao sistema, sobretudo daquelas que são pagas pelas empresas. Só que esse mega-cheque passado ao sistema elétrico contou em grande medida com recursos acumulados ao longo de vários anos pelos fundos que foram integrados no Fundo Ambiental e que tinham, em alguns casos, saldos de gerência significativos para transferir.
Menos de três meses depois dessas transferências produzirem efeito — os preços do mercado regulado caíram 3,4% em janeiro face a dezembro —, o Governo tenciona voltar a abrir a torneira do Fundo Ambiental para cima das tarifas da eletricidade. E a mais provável fonte de receitas para essa nova operação é de forma indireta o próprio sistema elétrico, ou pelo menos as centrais térmicas que usam e pagam (ao Estado) as licenças de CO2 que precisam para emitir gases de efeito estufa. E o aumento das cotações do CO2 que também ser verifica, associado a uma maior utilização das centrais a gás para compensar os efeitos da seca, está dar mais receitas ao Estado. Será desta gaveta que provavelmente sairão os próximos 150 milhões de euros.
O ministro João Pedro Matos Fernandes não indicou prazo para essa operação ser aprovada, mas esta segunda-feira referiu que seria necessário mexer em alguns decretos-lei, sem precisar se essa alteração estaria operacional ainda com o Governo em funções (a tomada de posse do novo Executivo só deverá acontecer no final do mês ou início de abril).
Esta transferência adicional não precisaria em princípio de ir ao Parlamento, sobretudo no caso das licenças de CO2, uma receita que já é alocada ao sistema elétrico há quase 10 anos. É uma operação já bem oleada. Mas o Fundo Ambiental absorveu vários fundos com orgânicas e regras distintas e limites e podem precisar da autorização do Ministério das Finanças para realizar transferências para fora do Estado. O facto de o país estar a viver em regime de duodécimos também poderá ter alguma implicação.