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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Sem marcação, Francis ficou à porta, ao vento e ao frio. Kelum esperou dois anos por um "dia feliz". O arranque da mega-operação da AIMA

O novo centro da AIMA abriu em Telheiras para recuperar mais de 400 mil processos pendentes. Kelum deverá receber o cartão de residência em quatro meses, Francis segue à espera por uma marcação.

Francis Pinho não se conforma. Está sentado num banco que trouxe de casa à entrada do novo centro de atendimento de migrantes da Estrutura de Missão da agência para as migrações, que esta segunda-feira abriu portas no centro da Comunidade Hindu, em Telheiras. Foi o primeiro a chegar, era meia noite e meia, quando o vento frio soprava. São 8h30 e continua ali plantado. Num dos braços carrega um molho de documentos relativos ao seu processo, na mão uma caneta pronta a anotar o que for preciso e, pendurada no bolso das calças, traz uma pequena bandeira do país de origem, o Brasil. Não o deixam entrar.

O homem, de 35 anos, é um entre dezenas de migrantes que durante a manhã foram chegando ao centro de operações montado pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para resolver os mais de 400 mil processos pendentes. Vão entrando a conta-gotas todos aqueles que receberam ao longo da semana passada emails da AIMA a agendar uma marcação. Ficam à porta todos os que, sem saber que era preciso agendamento prévio, tinham esperança de chegar cedo e conseguir uma vaga para serem atendidos. É o caso de Francis, que está em Portugal há dois anos e meio e desde essa altura espera uma marcação.

“Vi nos noticiários que iam fazer uma mega-operação, uma task force para tratar dos casos dos imigrantes. Então, eu fui o primeiro a chegar. Sentei, peguei esse frio, esse vento, e tive a informação agora de que só vão atender quem tem agendamento“, lamenta, em declarações ao Observador. Ainda assim, não arreda pé e vai contando a história aos jornalistas que ali passam.

Afastado da confusão de microfones e câmaras, Kelum Indhi aguarda pacientemente a chegada da sua advogada. Nasceu no Sri Lanka, trabalhou em países como o Dubai e Qatar e há dois anos chegou a Portugal para começar uma vida nova com a família. Apesar de, ao contrário de muitos que se juntam em frente à Comunidade Hindu, ter marcação, para as 9h30, está receoso com o que o espera lá dentro. “Esperei muito. Esta marcação veio e estou com algum receio. Não sei o que vai acontecer”, admite.

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Sem marcação, dezenas de migrantes ficaram à porta do novo centro

O centro da Comunidade Hindu, na Avenida Mahatma Gandhi, onde durante dois anos funcionou um dos principais pontos de vacinação contra a Covid-19 na capital, foi o local escolhido para acolher o primeiro centro da mega-operação da AIMA. Até à abertura, que o Governo diz estar para breve, de mais 30 centros de atendimento no país, continuará a receber diariamente, em horário alargado, das 8h00 às 22h00, dezenas de pessoas. Só são atendidos os requerentes que apresentaram pedidos de legalização através de manifestações de interesse até junho de 2024 e que receberam um email de agendamento.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Esta manhã juntaram-se à entrada, voltada para o Hospital das Forças Armadas, migrantes da Índia, do Brasil, do Cazaquistão, de Angola e muitos outros países. Houve quem chegasse várias horas mais cedo para conhecer o espaço novo e garantir que não se atrasava. Assim que as portas se abriram, pelas 8h, um funcionário da agência começou a filtrar entre as cerca de três dezenas de migrantes os que tinham ou não tinham marcação para esse dia. O grupo dos que não tinham — ou porque não sabiam que era necessária marcação ou porque queriam esclarecer dúvidas ou desbloquear processos em curso — era o maior e foi-se afastando com visível desilusão.

Irredutível, Francis Pinho foi o único que se demorou, mesmo depois de o funcionário da agência das migrações lhe ter dito que devia dirigir-se à loja AIMA LISBOA II, nos Anjos, que funciona sem agendamento e exclusivamente para informações. O homem recusou-se a ir lá. Já esteve nesse e noutros centros, muitas vezes também lá chegou às primeiras horas do dia enquanto esperava uma vaga, e diz saber o que o espera: “Mais respostas genéricas.”

“[Nas lojas da AIMA dizem]: ‘Mande um e-mail, aguarde, ligue’. E fica nisso, então tem atendimento, mas não quer dizer que esse atendimento seja eficaz.“
Francis Pinho, migrante a residir em Portugal há dois anos e meio

“‘Mande um e-mail, aguarde, ligue’. E fica nisso, então tem atendimento, mas não quer dizer que esse atendimento seja eficaz“, critica. “Disseram que eu tenho que ir em Anjos, só que no site da AIMA está dizendo que o atendimento será exclusivo para a informação. E eu penso: se eu estou numa task force e eu estou aqui com todos os documentos, eu próprio sei o meu caso porque tenho que levar minha informação para lá, eu não posso tratar aqui?”, questiona.

Foi sozinho que chegou a Portugal há dois anos e é sozinho, ao contrário de alguns migrantes, que se fazem acompanhar de advogados, que trata do processo para receber a Autorização de Residência. “Eu não coloco advogado porque eu envio dinheiro para o meu irmão, que faz medicina na Argentina. E pagar um advogado significa que eu tenho que deixar de enviar um ou dois meses de valor”, explica. E acrescenta: “Eu sou o próprio especialista do meu caso. Eu tenho tempo, energia e eu próprio quero tratar de forma independente.”

Francis chegou a Portugal há dois anos e meio e ainda aguarda a marcação para receber cartão de residência

LUSA

Só ao final da manhã se despede dos que por ali ouviram a sua história, cansado depois de uma noite inteira de plantão. Só o faz já depois de um funcionário da AIMA vir ao local de propósito para lhe falar. O assunto está longe de estar resolvido, ainda não tem marcação, mas mostra-se mais otimista. “Agora vou descansar”, atira ao partir.

Na sequência da confusão que se gerou em torno das marcações, a AIMA já veio publicar um comunicado na sua página em que alerta que o centro de atendimento funciona “exclusivamente através de agendamento prévio”. Uma declaração reforçada pelo ministro da Presidência em declarações aos jornalistas, após uma visita ao local. “Deve cá vir e tinha de ser avisado para cá vir quem tinha marcação (…). Não há nenhum serviço público que vá avisar todos os portugueses para não irem onde não têm vaga ou atendimento para ir”, defendeu António Leitão Amaro.

Os mais de dois anos à espera por uma marcação que durou 15 minutos

A marcação de Kelum Indhi demorou dois anos e meio a chegar. O homem de 46 anos, que nasceu no Sri Lanka, chegou a Portugal com um visto Schengen, que entretanto expirou. Veio acompanhado da mulher e pouco tempo depois celebravam o nascimento de uma filha. Foi só ao fim de dez meses, ao longo dos quais foi trabalhando em part-time em hóteis, que conseguiu arranjar trabalho a tempo inteiro. Atualmente, é funcionário da embaixada norte-americana, trabalho que conseguiu à custa da longa experiência neste ramo e que o viu passar pelo Dubai e Qatar.

Grupos de migrantes esperaram em frente ao centro da Comunidade Hindu pelo horário da sua marcação

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Assim que arranjou trabalho, que lhe permitiu manter-se em situação regular, ainda que lhe tenha travado as saídas do país sob risco de não poder reentrar, Kelum fez a aplicação da manifestação de interesses — mecanismo extinto pelo novo Governo que permitia aos trabalhadores estrangeiros pedir legalização em território nacional. Só há uns meses recebeu um email da AIMA a notificá-lo para uma marcação na segunda-feira passada num dos centros de Lisboa. Marcação que acabou por ser desmarcada pela agência por email, com a indicação de uma nova data e local: segunda, 9 de setembro, às 9h30, precisamente no mega centro de operações montado pela agência para resolver os 400 mil processos de regularização pendentes.

Já tinha enviado todos os documentos exigidos pela AIMA: o documento de identificação, o registo criminal, o contrato de trabalho, o comprovativo de alojamento e de capacidade económica. Ao Observador, assume que está ansioso, mas ainda assim esperançoso. “Estou muito feliz hoje (…) E espero que corra tudo bem”, diz, enquanto espera a chegada da advogada, que acompanha o seu caso há cerca de três meses.

“Estou muito feliz hoje (…) E espero que corra tudo bem.”
Kelum Indhi, migrante que só ao fim de dois anos e meio teve marcação para receber cartão de residência

Cá fora há também quem espere pelos familiares e amigos. É o caso de Francisco Amorim, de 28 anos, que veio “dar apoio” à namorada, que se mudou da Macedónia para Portugal. “Há quase dois anos pediu residência em Portugal. Só agora, nos últimos meses, é que o processo avançou”, explica, sentado de pernas cruzadas no muro da Comunidade Hindu.

À semelhança de Kelum, foi marcado um agendamento para as 9h30 e cancelada a marcação num outro centro, onde, por via das dúvidas, acabou por se dirigir à mesma. “Nós somos muitos desconfiados e não acreditámos, por isso fomos lá na mesma”, explica o jovem. Antes disso já tinham recebido e-mails falsos enviados em nome da AIMA — a agência alertou, em agosto deste ano, para a circulação de mensagens “fraudulentas”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Esta segunda-feira, a desconfiança voltou quando receberam chamadas, que garantem ser de números oficiais da AIMA disponibilizados online, a adiar a marcação desta manhã para as 16h30. “Chegámos aqui para confirmar era verdade ou não, mas ninguém falou de nada. Ela entrou e parece que está a correr muito bem”, refere. No interior é recebida por um dos cerca de 100 funcionários, entre trabalhadores da AIMA e mediadores socioculturais contratados por organizações da sociedade civil, como o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS). Recolhem os dados biométricos, tiram fotografias e reanalisam a documentação que cada imigrante fez chegar à AIMA através do portal.

Uma espera de 90 dias a quatro meses pelo aguardado cartão de Autorização de Residência

Durante a manhã os jornalistas não foram autorizados a entrar no centro onde os migrantes estavam a ser atendidos. A única descrição do local foi sendo providenciada por aqueles que iam saindo, que foram explicando como lhes era pedido para não gravar ou tirar fotografias do local. Ao Observador é descrito um ambiente atarefado, mas “organizado”. Só durante a tarde, com a visita do ministro da Presidência, foram autorizadas câmaras.

O governo anunciou que no novo centro da AIMA vão estar a trabalhar 100 funcionários, entre funcionários da agência e mediadores de várias associações

LUSA

O centro foi dividido por várias zonas numeradas a que os migrantes se tinham de dirigir conforme o email. Espaços “interligados” onde estavam a trabalhar cerca de 100 funcionários, sentados ao computador em mesas cobertas com toalhas púrpuras. A única falha aparente, nas palavras de uma advogada que preferiu não ser identificada, foi o facto de não ser dado nenhum comprovativo que provasse que as pessoas tinham comparecido na data da marcação.

À saída do centro, na maior parte dos casos feita através de uma garagem nas traseiras do edifício, várias pessoas mostram-se otimistas com a receção desta segunda-feira. A advogada Guillianna Ottoni, que de manhã acompanhou um migrante do Bangladesh e durante o resto da semana estará com outros clientes no novo centro, destaca um atendimento rápido e pontual.

"Vimos uma boa organização. Esperámos cerca de meia hora, mas não tem nada a ver com os atrasos anteriores."
Carla Valente, advogada

Carla Valente, advogada de Kelum Indhi, corrobora, explicando que demorou apenas cerca de 15 minutos. Relata uma boa organização e apenas um atraso inicial. “Esperámos cerca de meia hora. Mas não tem nada a ver com os atrasos anteriores”, sublinha. “Acho que desta vez fizeram um bom trabalho”, resume também Kelum.

Os funcionários da AIMA informaram Guillianna Ottoni de que os documentos vão agora para análise e que dentro de 90 dias chegará o cartão de residência do cliente. Kelum Indhi terá de esperar um pouco mais, cerca de quatro meses. “Se resolverem isto em quatro meses é uma maravilha, especialmente para quem esperou dois anos e meio”, diz a sua advogada.

Ao Observador, uma responsável do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) disse que os mediadores da organização estão "entusiasmados" e que o arranque lhe tem sido descrito como "positivo".

O Observador questionou a AIMA sobre o número de processos que foram atendidos ao longo do dia e sobre o arranque da mega-operação. Até à publicação da reportagem não chegaram respostas, apenas um comunicado enviado às redações a sublinhar que, “em vista a eficácia do processo e a otimização de recursos, não serão atendidos casos sem agendamento neste centro de atendimento”.

O único balanço chegou do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), pelas palavras de Carla Belforte, que foi acompanhando o início das operações à distância. Em declarações ao Observador, por telefone, disse que os mediadores da organização, que receberam formação para trabalhar junto da AIMA, estão “entusiasmados” e que o arranque lhe tem sido descrito como “positivo”. Na sexta-feira passada o presidente da JRS já tinha dito ao Observador que estava otimista, apesar de salientar que a decisão do organismo se juntar foi muito ponderada e que em primeiro lugar se trata de uma responsabilidade do Estado. “É uma situação extraordinária, mas que merece toda a colaboração da sociedade civil”, sublinhou.

Também em jeito de balanço, o ministro da Presidência afirmou a partir das novas instalações que a nova estrutura já está a dar resultados. “Só hoje [segunda-feira], no primeiro dia, aumentámos 25% a capacidade de resposta da AIMA“, sublinhou. Leitão Amaro garantiu que o Governo vai cumprir o prazo previsto e que até junho de 2025, altura em que se prevê que o novo centro seja encerrado, estejam resolvidos os mais de 400 mil processos pendentes.

 
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