Dizem que desenham desde que se conhecem e que é através dos rabiscos que melhor comunicam e se fazem entender. Quem o afirma praticamente em uníssono são os ilustradores que venceram as edições anteriores do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce, e o mais provável é que muitos dos que estão neste momento a ler este artigo sintam exatamente o mesmo. Pessoas para quem desenhar é tão natural como respirar e uma paixão desde sempre. Certo? É exatamente para quem respondeu “sim” a esta pergunta que este prémio se dirige. A proposta é simples: ilustrar o conto que venceu a fase de texto da 7.ª edição do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce e concorrer. No dia 5 de maio foi anunciada a história vencedora e esta quarta-feira, dia 13 de maio, os ilustradores podem entrar em ação. O prémio — no valor de 25 mil euros — é apelativo e uma excelente justificação para que os artistas possam dedicar o tempo mais alargado de que agora dispõem em casa para fazerem o que mais gostam: criar.
Como e quando concorrer
↓ Mostrar
↑ Esconder
As candidaturas para a fase de ilustração começam esta quarta-feira, dia 13 de maio, e decorrem até 1 de julho, através da página do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce. Os interessados deverão solicitar o texto vencedor através do e-mail premioliteraturainfantil@pingodoce.pt ou de carta enviada para a morada Rua Actor António Silva, n.º 7, 10.º piso, 1649-033 Lisboa, devendo o pedido ser feito ao cuidado da Organização do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce. No dia 29 de julho será anunciado o vencedor da fase de ilustração, estando prevista para novembro a publicação da obra. Do júri que fará a avaliação das ilustrações concorrentes, fazem parte figuras como os ilustradores André Letria, Jorge Nesbitt e Jorge Silva, bem como a artista e professora Paula Tavares.
Poder voltar ao prazer da ilustração foi precisamente um dos motivos que motivou a participação de Luís Belo, vencedor da primeira edição do prémio, com a ilustração do livro De onde vêm as bruxas?. “No ano em que o prémio foi lançado, o foco do meu trabalho estava a fugir cada vez mais da ilustração”, conta em entrevista ao Observador Lab, justificando que “profissionalmente a fotografia e o design gráfico eram mais rentáveis e, por isso, inevitáveis”. E acrescenta: “Quis usar a oportunidade de ilustrar uma história para mergulhar novamente na ilustração e experimentar uma linguagem nova, colorindo com poucas cores, digitalmente”. E assim foi. “Durante três dias fiz as várias ilustrações que acabaria por enviar, sem qualquer expectativa de vencer, afinal o propósito delas já estava cumprido: aproximar-me do desenho”, remata o ilustrador que se identifica integralmente com o que dissemos a iniciar este texto: “Ilustrar foi algo que cresceu comigo. Quando era pequeno era bastante tímido, conversava bem melhor com uma folha de papel”.
Dos livros da Anita aos bancos da faculdade
Também a paixão de Mara Silva pela ilustração surgiu na infância, quando ainda nem sequer sabia ler. “Mergulhava nas ilustrações para imaginar a história à minha maneira”, confessa a vencedora da 4.ª edição do Prémio, com o livro Há Monstros no Túnel. “As minhas ilustrações favoritas eram as de Marcel Marlier, o ilustrador dos livros da Anita. Foi ele que me deixou o desejo de um dia me tornar ilustradora”.
Pedro Velho não nos disse quem lhe despertou o gosto pela ilustração, até porque desenhar sempre foi para ele algo “muito natural”. Mas sabe que o bichinho o acompanha “desde miúdo” e, por isso mesmo, passava o tempo a tentar encontrar formas de se expressar criativamente, pelo que “acabava por estar sempre a desenhar ou a fazer teatro com fantoches”. Mais tarde, já a estudar Design Gráfico, foi quando o vencedor da 6.ª edição do galardão — com o livro O Protesto do Lobo Mau — começou a “explorar o potencial da ilustração na comunicação”, conta. “Foi aí que percebi que acabava sempre por me sentir atraído por trabalhar com elementos de ilustração”, recorda, ainda que o fizesse a sentir-se “tímido e inseguro”.
Um caminho idêntico foi percorrido por Elias Gato e Ana Granado, vencedores da 2.ª e 5.ª edição do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce, respetivamente, que decidiram experimentar a cadeira de ilustração nos cursos que frequentavam… e renderam-se. Se a Ana Granado fascinou sobretudo “o desafio da síntese e de como com uma imagem se podia contar tanto”, já a Elias Gato terá sido a possibilidade de ali conseguir expressar-se mais integralmente: “Agora que olho com algum distanciamento, percebo que os motivos que pintava em tela já ia buscar algum do imaginário da ilustração”.
Objetivo: ter obra publicada
Poderia ser a lengalenga dos sonhos para cumprir na vida — o livro, a árvore e o filho —, mas não. Publicar um livro é, para quem pretende fazer da ilustração carreira, algo diferente e com um propósito muito concreto, já que significa enriquecer um portefólio. Elias Gato, que ilustrou o conto vencedor Orlando — O Caracol Apaixonado, explica que esse foi precisamente um dos fatores por que concorreu, a que se soma o valor do prémio: “A decisão de participar surgiu pela oportunidade de ver o meu trabalho publicado, e neste sentido, chegar a mais público. Mas também o prémio monetário pesou na minha decisão, claro, pois a nossa área requer algum dinheiro para investir em materiais e criar novos projetos”. Quando tomou a decisão de concorrer, já só tinha duas semanas pela frente, que, diz ele, foram de “autêntico frenesim à volta das ilustrações”.
Os prazos apertados perseguem os criativos em geral, sabe-se disso, e com Ana Granado não foi diferente. Tendo decidido participar igualmente pela possibilidade de publicar e pelo montante do prémio, recorda que quase não avançou naquela que foi a segunda vez que concorreu: “Estive mesmo para não concorrer. Na altura, só me lembrei do prémio já ele ia a meio, e como estava cheia de trabalho e com um bebé em casa, equacionei se não seria um esforço desnecessário. Mas à medida que fazia o storyboard e ilustrava [o livro O Narciso com Pelos no Nariz], comecei a entusiasmar-me e a achar que a proposta poderia ter potencial. Acabei por concorrer e valeu bem a pena.”
Prémio que ajuda a seguir em frente
Além das razões apontadas pelos colegas para concorrer, Mara Silva viu no Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce uma oportunidade de perseguir o “grande sonho de ter a ilustração como profissão”, até porque na altura estava sem emprego e o caminho livre. “Vencer este prémio deu-me a oportunidade de finalmente arriscar na minha carreira como ilustradora. Contribuiu também para o meu portefólio ganhar maior destaque e ser requisitada para mais trabalhos nesta área”, sintetiza.
O mesmo tipo de reconhecimento tem vindo a ser notado por Luís Belo, segundo o qual as suas ilustrações “passaram a ser consideradas para outros trabalhos” depois do galardão: “Atualmente, tenho vários livros publicados em diferentes editoras, algo que não aconteceria sem o De Onde Vêm As Bruxas?. E depois o prémio monetário — muito generoso — foi essencial para sair de casa dos pais e arriscar totalmente numa carreira enquanto artista gráfico, sem receio”.
O investimento na carreira é outra dimensão que passa a poder ser explorada pelos vencedores. Ana Granado, por exemplo, diz que foi graças ao dinheiro do prémio que pôde frequentar uma pós-graduação em ilustração e Elias Gato não só conseguiu “investir em bons materiais”, como ainda montou o seu próprio ateliê, onde agora desenvolve o seu trabalho de ilustração, impressão e edição de autor, e onde também desenvolve oficinas criativas.
E depois há ainda a imensa aprendizagem que ganhar este prémio específico permite. Quem o sublinha é Pedro Velho, que admite ter participado sem qualquer expectativa, mas ao ganhar acabou por viver “uma experiência excelente”, refere. “Decidimos, logo no início, que faria todo o sentido que, além de ilustrar, fizesse também a paginação e o design editorial, para que tudo fluísse e pertencesse ao mesmo universo. Foi o meu primeiro trabalho enquanto ilustrador e designer editorial, não tinha muita experiência e fui muito por impulso. Fiquei bastante surpreendido, não fazia ideia de que iria gostar tanto.”
Conselhos para ilustrar e ganhar
↓ Mostrar
↑ Esconder
Estes são os conselhos de quem já participou — e venceu — o Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce na área de ilustração:
Ana Granado
“Sejam autênticos, mas estejam atentos ao que se anda a fazer. Peçam opiniões a quem é da área e vejam como os outros artistas solucionam ‘problemas ilustrativos’ parecidos com os vossos, para poderem aprender.”
Elias Gato
“Arrisquem. Não fiquem com dúvidas, as dúvidas são castradoras. Eu próprio arrependo-me de não ter arriscado mais quando ainda era estudante. Não nos podemos colocar no topo da montanha, mas também não nos podemos subestimar e pensar que a sorte e o sucesso só acontecem aos outros. Trabalhem. Tudo requer trabalho e persistência.”
Luís Belo
“Aos que gostariam de participar no prémio recomendo que o façam primeiro para si. Ilustrem de forma livre, deixem o vosso estilo fluir e melhorar. Só sendo únicos nos poderemos destacar. Aos que pretendem editar o seu próprio trabalho, atentem na mensagem. Uma história bem contada é essencial para que os desenhos possam brilhar.”
Mara Silva
“Façam um trabalho a acreditar que vai ser o vencedor. Deem o vosso melhor e acreditem nas vossas capacidades. Eu fiz isso, mas com o compromisso de que não iria ficar triste ou desmotivada se não ganhasse. Esta não foi a única vez que participei no prémio, houve uma outra anterior.”
Pedro Velho
“A única coisa que posso dizer, que no meu caso foi importante, é que arrisquem. Tentem procurar formas interessantes de complementar e adicionar camadas ao texto. No fundo, trata-se de expandir a possibilidade de interpretações e significados. É importante que o texto e as ilustrações dialoguem entre si e possam expandir o universo que estamos a tentar dar ao leitor. Torna a descoberta muito mais rica e interessante.”
Quando se abraçam livros
Orgulho, felicidade e certeza do caminho escolhido. Estes são alguns dos sentimentos que emergem quando os ilustradores encontram as obras que desenharam nas mãos de alguém. Pedro Velho destaca como algo especial “a forma como aquele objeto comunica com quem o está a descobrir”, ao ponto de haver quem o contacte, através das redes sociais, para lhe falar do livro — “acho sempre bonito que alguém decida fazer isso”.
Já para Luís Belo, “é enternecedor ver a forma como as crianças abraçaram — algumas literalmente — este livro”, e coleciona histórias de pais que lhe falam da sua “falta de paciência para ler o mesmo livro pela quinquagésima vez, porque os filhos, esses, nunca se cansam”. “Então os próprios pais, inspirados pelos desenhos, a cada dia contam uma história diferente e aquele livro torna-se, nas suas mãos, uma janela para a imaginação correr livre”, remata. Este é, afinal, um dos principais estímulos da profissão, até porque, como o próprio sublinha, “trabalhar como ilustrador em Portugal é algo que se faz, manifestamente, por paixão. Todos os dias são uma batalha e a expressão pessoal é frequentemente abafada por escolhas comerciais”. Daí entender que “este prémio do Pingo Doce dá a oportunidade de criar sem qualquer filtro, e aos seus vencedores dá, mais do que um trampolim, asas. Não só me lançou num primeiro momento, como permitiu que voasse sustentadamente”. Nas suas palavras, o valor do prémio “vem criar um equilíbrio essencial com o dia a dia do ilustrador precário, que encontra nestas oportunidades o sonho de continuar”.
Saiba mais em
https://observador.pt/seccao/premio-literario/