A toda-poderosa Reserva Federal mantém o rumo. Com mais uma subida de 75 pontos-base na taxa de juro, o banco central dos EUA confirmou que não está iminente a suavização do aperto monetário que os mercados financeiros começaram a adivinhar em julho – esperanças abaladas, depois, pelo discurso duro (contra a inflação) que Jerome Powell fez na convenção anual de Jackson Hole. Mas perante riscos de recessão cada vez mais óbvios, sobretudo na Europa, até onde podem os bancos centrais subir as taxas de juro e até quando vão manter os nervos de aço?
Na conferência de imprensa após o anúncio da subida dos juros, o terceiro consecutivo de 75 pontos, o presidente da Reserva Federal (Fed) indicou que as taxas vão continuar a subir nos EUA. É preciso agir de forma “empenhada” no combate à inflação, mesmo sabendo que isso levará a um crescimento mais fraco e alguma deterioração no mercado de trabalho. Porquê arriscar? Porque, a prazo, seria mais perigoso “abandonar de forma prematura a trajetória” de subida dos juros.
As taxas de juro subiram, assim, para 3,5%. E a expectativa é que a política monetária vai continuar a apertar não só nos últimos meses de 2022 mas, também, em 2023. Segundo as novas projeções da Fed, a previsão mediana do banco central é que a taxa de juro em 2023 rondará, em média, os 4,4% – um nível que nesse ano irá conviver com uma taxa de inflação que, segundo a Fed, rondará os 2,8% (depois de fechar 2022 em 5,4%).
EUA. Reserva Federal sobe a taxa de juro em 75 pontos-base, pela terceira vez consecutiva
Com eleições intercalares marcadas para daqui a poucas semanas, 8 de novembro, o tema da inflação tornou-se politicamente explosivo para Joe Biden, que indicou que conforme o resultado das intercalares irá, depois, decidir sobre se se recandidata a novo mandato, nas eleições de 2024.
Os cidadãos (eleitores) sentem na pele a subida dos preços e a pressão pública subiu de tom no dia 13 de setembro, quando saíram os dados oficiais sobre a inflação de agosto. Se vários analistas antecipavam uma redução ligeira da inflação, aconteceu exatamente o contrário: a inflação subjacente saltou de 5,9% para 6,3% e continuou a subir na comparação com o mês anterior. Resultado: as bolsas afundaram e o dólar deu novo salto.
“A inflação parece, de facto, estar a ser mais pegajosa do que pensámos”, reconhecem os economistas do banco holandês ING. Porém, os economistas continuam a acreditar que, mais tarde ou mais cedo, a pressão sobre os preços vai atenuar-se: “há sinais encorajadores de que as expectativas de inflação não estarão tão enraizadas na economia como os mercados financeiros estão, neste momento, a recear”.
Olhando para 2023, “não estamos entre aqueles que antecipam que as subidas das taxas de juro vão continuar ao longo de todo o ano”, diz o ING, enumerando “o contexto geopolítico, o abrandamento na China, o risco de racionamento energético na Europa, a cotação elevada do dólar e a fragilidade nos mercados acionistas e no imobiliário” como “indicadores de que a recessão é mais provável“. Aí, o banco antecipa alguma moderação por parte do banco central, porque “esse risco de recessão será ainda maior se a Fed for agressiva e apertar mais rápido a política monetária”.
A vice-presidente da Fed, Lael Brainard, reconheceu que “a dada altura”, o banco central poderá reequacionar a trajetória caso venham a surgir sinais de que a política monetária está a apertar em demasia. Se os dados mostrarem que, de facto, a inflação está a caminhar para valores mais condicentes com a meta de 2%, a Reserva Federal poderá moderar um pouco o ritmo de subida dos juros. Powell, esta quarta-feira, admitiu que a Fed poderá, a dada altura, fazer “uma pausa” para dar tempo à economia para reagir às medidas tomadas pelo banco central.
E é isso que a Fannie Mae acha que acabará por acontecer. A agência norte-americana de crédito hipotecário indicou que a sua projeção é que o pico das taxas de juro, neste ciclo, se fixará no intervalo entre 3,5% e 3,75% – menos do que os 4,00%-4,25% que são a projeção mais consensual. Na opinião da Fannie Mae, esse pico acontecerá no início de 2023, um ano em que a Fannie Mae antecipa uma quebra de 0,5% no PIB e onde deixa em aberto que na segunda metade do ano poderá haver, mesmo, descidas da taxa de juro.
Mesmo num horizonte mais alargado, olhando para a negociação de futuros de taxas de juro, neste momento antecipa-se que entre dezembro de 2023 e março de 2024 a Fed poderá baixar as taxas em cerca de 50 pontos-base. Em julho, esta mesma negociação apontava para o dobro da redução dos juros, o que significa que os investidores estão cada vez mais convencidos de que as taxas de juro vão continuar elevadas por mais tempo.
Mas conseguirá a Fed manter os nervos de aço, subindo as taxas de juro mesmo que os dados do PIB estejam, a determinada altura, a mostrar uma recessão? O especialista do UBS AM sublinha que, mesmo que essa recessão exista, para já “o desemprego continua muito baixo” e o mercado de trabalho “está a manifestar muito poucos, ou nenhuns, sinais de que esteja a arrefecer”. Enquanto assim for, a Fed vai continuar neste rumo, diz o UBS AM.
As três fases dos bancos centrais: pânico, perseverança e paciência
Tanto a Reserva Federal como o BCE estão a apostar no chamado “frontloading” para tentar que as suas subidas de juros tenham o maior impacto possível na inflação – ou seja, estão a concentrar uma grande porção da subida das taxas logo nos primeiros meses do processo. É por isso que o UBS AM chama à fase atual uma “corrida de 100 metros”. “Jerome Powell já deu a entender que subir as taxas de juro é uma corrida de 100 metros, ao passo que trazer a inflação para níveis menores será uma maratona“, afirma a gestora de fundos.
O BNP Paribas tem uma análise semelhante, mas usa metáforas diferentes. Para o banco francês, os bancos centrais viveram, em primeiro lugar, uma fase de “pânico” – foi quando tiveram de virar o discurso da inflação “transitória” que foi mantido ao longo de quase todo o ano de 2021, quando pelo menos desde a primavera desse ano várias vozes avisavam que a subida dos preços seria tudo menos transitória.
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Em “pânico”, com a credibilidade ferida, os bancos centrais foram do oito ao oitenta – primeiro a Reserva Federal no final de 2021 e, depois, o BCE, no início de 2022. Depois das primeiras subidas rápidas das taxas de juro, diz o economista William De Vijlder, do BNP Paribas, estamos agora a entrar na fase da “perseverança” – em que as taxas de juro continuam a subir a um ritmo elevado na aproximação ao pico do atual ciclo de subida de taxas.
“A fase da perseverança será seguida por um longo período em que, depois de chegar ao nível desejado das taxas de juro, os bancos centrais irão adotar uma atitude de esperar-para-ver”, diz o economista do BNP Paribas, chamando a essa fase a da “paciência“. Aí, o banco central vai monitorizar de perto a forma como a inflação evolui e se poderá avaliar o efeito pleno das medidas anunciadas meses antes.
Mas o que acontece se, entretanto, a economia tropeçar e – pior ainda – o desemprego começar a subir? Aí, a “paciência” da Reserva Federal será testada. “Quando a política monetária se tornar mais e mais apertada, o enfoque das famílias, das empresas e dos investidores vai começar a mover-se, a partir do próximo ano”, afirma William De Vijlder, economista-chefe do BNP Paribas, que acrescenta que “à medida que se forem reduzindo os receios relativamente à inflação, vão começar a ser dominantes os riscos negativos para o crescimento económico“.
Na zona euro, o quadro é ainda mais difícil do que nos EUA. Esta quarta-feira, os economistas do Deutsche Bank agravaram drasticamente as suas previsões acerca da recessão que o corte do fornecimento de gás russo irá provocar na Europa. Se, em julho, os mesmos economistas apontavam para uma contração de 0,3% na economia da zona euro em 2023, agora passou a estar projetada uma quebra de 2,2% no PIB da zona euro no próximo ano. O PIB alemão vai cair quase o dobro, dizem os economistas: 4%.
Mesmo com esta recessão mais forte, o Deutsche Bank acredita que o BCE irá terminar o primeiro trimestre de 2023 com a taxa de juro dos depósitos em 2,5%. Está em causa, especificamente, a taxa dos depósitos – atualmente em 0,75% – que se tornou, nos últimos anos, a principal ferramenta de política monetária usada pelo BCE, no que diz respeito às taxas de juro.
Essa taxa dos depósitos diz respeito àquilo que os bancos recebem quando depositam liquidez excedentária no banco central (quando essa taxa esteve negativa, em vez de receber, os bancos pagavam para parquear dinheiro no BCE). A outra taxa de juro, aquela que define aquilo que o banco central cobra pela liquidez que cede aos bancos, já está em 1,25% – o que significa que, a manter-se o chamado “corredor” (a diferença entre as duas taxas), isso poderá significar que a “taxa diretora” do BCE poderá terminar o primeiro trimestre de 2023 em 3%.
Com uma recessão mais provável – e mais profunda – na Europa do que nos EUA, será, então, mais difícil para o BCE continuar a subir as taxas de juro? A presidente do BCE, Christine Lagarde, garantiu na terça-feira que o banco central está disposto a subir as taxas de juro para um nível que contribuirá para restringir a atividade económica. Isto para assegurar que a taxa de inflação regressa a níveis mais próximos do objetivo de 2%.
Porém, Christine Lagarde deu parte da resposta na última conferência de imprensa em Frankfurt, quando disse que a inflação não é algo que possa controlar totalmente. Num desabafo, a francesa lembrou que o BCE não tem meios para baixar os preços da energia nem não consegue acabar com a guerra. “Esse é um trabalho que tem de ser feito por outras pessoas, não por nós“, atirou, antes de rapidamente dar a ressalva: “Nós iremos, porém, fazer o nosso”.
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