O caos nos aeroportos tem sido um tema deste verão. A retoma mais acelerada do que inicialmente previsto das viagens apanhou aeroportos e companhias de aviação desprevenidas. Com a consequência de haver atrasos e cancelamos de voos.

Segundo dados compilados pela consultora Mabrian, e considerando os voos que estavam previstos a 14 de junho e a 5 de julho com os efetivamente realizados entre 1 e 15 de julho, Portugal registava um total de 116 voos cancelados, o equivalente a 1,25% das ligações. Dos países analisados só Espanha registou uma percentagem inferior.

Fonte: Mabrian

O caso alemão é o mais problemático, com mais de 6% dos voos cancelados. Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, revelou na sua audição parlamentar na quarta-feira que os cancelamentos na TAP estavam nos 2,8%, um “nível que compara francamente bem”.

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De acordo com a mesma Madrian, que revelou as 10 companhias com mais cancelamos — nas quais não consta a TAP –, a Easyjet estava no topo com 1.394 voos não realizados (5,46%), mas em termos percentuais foi a Turkish Airlines que mais cancelou.

Fonte: Mabrian

Ao Jornal de Notícias, a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, declarou estar focada em julho e em meados de agosto “por causa do pico”, dizendo esperar que em meados de agosto a situação esteja mais estabilizada. Também no Brasil, para onde voo para assinalar o aumento de voos entre o Porto e São Paulo, esta semana, a gestora reafirmou que “quando olhamos para os nossos voos previstos e para todos os fatores em jogo vemos que atingimos o pico. Já não precisamos de esperar por agosto, porque o nosso pico começou em julho e o mesmo aconteceu a todas as companhias devido às regras das ‘slots’, cuja regulamentação e regras tardaram”disse, citada pela Lusa.

TAP. CEO acredita que “pico” de cancelamentos de voos nos aeroportos já foi atingido

Segundo dados do Turismo de Portugal, houve um pico de chegadas de estrangeiros, com base nos bilhetes dia 9 de julho, esperando movimento acentuado, mas menores, em agosto.

Fonte: Turismo de Portugal

Tanto a TAP como o Governo vão realçando que os problemas nos aeroportos são generalizados em todo o mundo, mas a transportadora já fez saber que está a implementar medidas para tentar colmatar algumas falhas. A TAP está, no entanto, sob um plano de reestruturação que obrigou à redução de 1.200 trabalhadores em 2020 e 2021, nomeadamente pela não renovação de contratos temporários, segundo foi aprovado por Bruxelas.

No âmbito da reestruturação foram tomadas medidas de redução salarial, sendo o corte transversal em 25% dos salários fixos acima dos 1.330 euros (valor que foi revisto este ano passando para 1.410 euros) entre 2021 e 2023 e 20% em 2024. Para os pilotos, o corte foi de 45% em 2021, com o acordo de reduzir, gradualmente, até aos 35% em 2024, tendo os tripulantes e os trabalhadores da manutenção aceitado uma redução adicional de 15% nas suas horas de trabalho em 2021, até chegar em 2023 aos 5%. Nestes três casos o objetivo era não ter de reduzir em número de trabalhadores tantos quantos os que seriam necessários para atingir a mesma poupança de custos com pessoal.

Ao mesmo tempo, o plano prevê a redução da frota para 88 aeronaves, face às 108 que tinha em 2019.

Segundo foi descrito pela TAP, as projeções que estiveram na base do plano de reestruturação “indicavam que os números de atividade de 2019 só seriam alcançados novamente em 2025”.

Face à recuperação nos passageiros e ligações acima do previsto e redução da capacidade operada durante a pandemia de Covid-19 e na sequência do plano de reestruturação, a TAP teve de avançar com medidas de contingência, que vão sendo noticiadas a conta gotas e sem explicações por parte da transportadora. O Observador contactou a TAP, mas não obteve respostas.

O que anunciou a TAP?

Num comunicado enviado aos trabalhadores, divulgado pelo Negócios, e já consultado pelo Observador, a TAP dizia, a 11 de julho, que “para fazer face a esta situação foi criado um grupo de trabalho interno, com o objetivo imediato de identificar as principais ações a tomar e estreitar o contacto com todos os stakeholders, para que rapidamente possamos melhorar o nosso serviço e a satisfação dos nossos clientes”.

Nessa carta interna, a TAP divulgava oito medidas:

  • Reforço da operação com 70 tripulantes de cabina até ao final do verão, para fazer face ao pico de absentismo e consumo de recursos pela disrupção atual;
  • A Groundforce desencadeou um plano de contingência para reter e recrutar mais trabalhadores e equipamentos;
  • A NAV e a Força Aérea Portuguesa implementam hoje um protocolo para a otimização do uso do espaço aéreo e consequente redução dos atrasos por ATC;
  • A entrada em regime de full time dos nossos colegas da manutenção e engenharia está em discussão e também permitirá reforçar a operação;
  • Será lançado um programa para premiar o esforço dos trabalhadores operacionais da TAP;
  • Contratação de um ACMI com a Hi Fly durante um mês para operar nas rotas de Punta Cana (rota sazonal), Varsóvia e Viena (potencial adicional de carga); desta maneira, iremos libertar avião para recuperar atrasos e cancelamentos;
  • Ajustes de capacidade em alguns destinos;
  • Bloqueio de vendas adicionais, por forma a ter espaço para reacomodar os passageiros com voos cancelados.

O acordo com a Força Aérea

Algumas das medidas não foram tomadas pela TAP. Desde logo a que respeita ao handling (Groundforce, ainda que a transportadora seja acionista da empresa). Mas também a do espaço aéreo.

A 8 de julho a NAV fazia o comunicado de que tinha feito uma nova carta de operações com a Força Aérea Portuguesa para otimização do espaço aéreo de Lisboa. “No âmbito da cooperação, no quadro do OCEA –  Órgão Permanente para a Coordenação da Gestão e Uso do Espaço Aéreo, do qual fazem parte integrante a ANAC, a AAN, a NAV Portugal e a Força Aérea Portuguesa, foi estabelecida uma carta de operações para o período do Verão IATA 2022, que permite uma otimização da conciliação da atividade militar e a aviação civil, nos serviços de navegação aérea”, que prevê cedências de espaço em períodos temporais nas áreas militares de Monte Real e de Sintra, “contribuindo positivamente para a redução de atrasos das aeronaves e na maior otimização da capacidade da área terminal e das aproximações ao aeroporto Humberto Delgado.”

A NAV explica ao Observador que, na prática, esta carta de operações “permite controlar de forma mais expedita os fluxos de tráfego vindos de norte que têm como destino o Aeroporto de Lisboa e que normalmente utilizam rotas que coincidem com a área reservada de Monte Real. Com esta cedência de área por parte da Força Aérea Portuguesa, evita-se o estrangulamento na APP (aproximação ao Aeroporto de Lisboa), permitindo fluxos mais expeditos de tráfego e, com isso, eventualmente reduzir os atrasos e até nalguns casos aumentar o número de movimentos”.

Mas no caso das áreas militares terem de ser ativadas durante o período de vigência da carta, “o seu impacto na operação civil será residual”, ainda assim, “numa operação normal num aeroporto há possíveis ocorrências, (bird strikes, aproximações falhadas, imobilização na pista, condições de baixa visibilidade decorrentes de mau tempo, etc.), que obriga muitas vezes a divergência de aeronaves e consequentes atrasos”.

Na carta da TAP, assinada pela comissão executiva, 40% dos atrasos da companhia era atribuídos ao “controlo de tráfego aéreo (ATC) e ao handling, não só em Lisboa, mas noutros aeroportos europeus”.

A NAV não comenta estas declarações. Mas vai dizendo que em junho deste ano e citando dados do Eurocontrol (que tem a função de gestão dos fluxos de tráfego aéreo na Europa), a operação da NAV terá contribuído com 3% do total de número de minutos de atrasos registados no aeroporto de Lisboa, sendo de 0% os registos de julho. “Estes atrasos devem-se a causas imprevisíveis decorrentes da normal operação (as condições meteorológicas, os bird strikes e outros) que podem originar atrasos e obrigar o controlo de tráfego aéreo a fazer regulações, com impacto na capacidade de gestão do tráfego”. No entanto, acrescenta fonte oficial, “é de sublinhar que ainda assim a NAV Portugal não reduziu a sua capacidade declarada de 40 movimentos por hora no Aeroporto de Lisboa”.

Em declarações ao Observador, a NAV explica ainda que a situação de “grande parte dos aeroportos e operadores europeus” — a que se juntaram paralisações e greves — “dificulta as operações e provocam atrasos em toda a Europa”. O aeroporto de Lisboa “face à sua localização a Oeste da Europa, acaba por ser prejudicado com os designados atrasos reacionários, resultantes das operações de outros aeroportos europeus, o que pode contribuir para uma maior penalização nos movimentos no nosso espaço aéreo”. Em Lisboa, ainda houve problemas com a verificação de passaportes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

O meu voo vai ser cancelado?

TAP faz acordo com Hi Fly

Uma das medidas para mitigar as consequências do que se está a passar nos aeroportos foi a realização do acordo com a Hi Fly, que resulta num contrato em regime de ACMI (que inclui aluguer de avições, tripulação, pilotos, manutenção e seguros). Será esta empresa a fazer, pelo menos durante um mês, as rotas de Punta Cana (sazonal),  Varsóvia e Viena (potencial adicional de carga), libertando “avião para recuperar atrasos e cancelamentos”, segundo se explica na referida carta, noticiada primeiramente pelo Negócios.

A Hi Fly, liderada por Paulo Mirpuri (que tinha estado à frente da Air Luxor, diz ter uma frota com vários modelos Airbus e que trabalho no aluguer de aviões.

Não foi revelado o valor do contrato. Tal como também não foi dito pela TAP, questionada pelo Observador, quais os ajustes de capacidade que pretendia fazer nem como iria proceder ao bloqueio de vendas adicionais.

O que tem estado a acontecer com os trabalhadores?

A TAP também não revela qual será o programa “para premiar o esforço dos trabalhadores operacionais da TAP”, mas já foi, entretanto, revelado — numa outra carta da comissão executiva aos tripulantes — que a transportadora decidiu “a atribuição de um pagamento adicional a todos os tripulantes quando, excecionalmente, alguém aceite voluntariamente trabalhar em dia de folga ou de férias”, acrescentando que “a necessidade prevê-se reduzida, ainda assim, deverá ter em conta a devida distribuição/equitatividade”.

O pagamento “de natureza extraordinária e temporária” estará em vigor até ao final do Verão IATA e “corresponderá a 10% da retribuição base atual” — não incluindo anuidades e senioridades — “por cada dia de trabalho em folga ou férias”.

Os tripulantes que também aceitaram reduzir salários acima dos 25% de corte transversal já viram ser reposto os 15% adicionais, conforme informou a TAP esta segunda-feira, 18 de julho.

Segundo essa informação, “neste momento, temos todas as categorias com o corte transversal exceto os pilotos que têm 10% adicionais”, pelo que os “tripulantes de cabina e técnicos de manutenção tinham um part time de 10% – redução do tempo de trabalho com o consequente corte adicional — que lhes foi retirado pois ambas as categorias voltaram a full time“.

Na manutenção, após realização de plenário e respetiva votação dos associados, o SITEMA – Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves “decidiu aceitar a proposta da TAP para o regresso dos técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) ao regime de horário full time”, segundo avançou em comunicado a estrutural sindical.

“Com a decisão de terminar o part time, o SITEMA e os 666 TMA que representa na TAP levantam também a greve às horas extraordinárias que estava em curso desde agosto de 2021”, mas mantêm a exigência de reposição dos cortes salariais de 20%, que “são totalmente despropositados e estão a tornar-se um forte entrave à normal operação da TAP e a levar a que cada vez mais TMA abandonem a companhia”. Até porque, acrescenta o sindicato, “temos um número de voos próximo do que existia em 2019, temos novas aeronaves e temos cada vez menos técnicos. A saída de colegas devido à falta de condições e ao ambiente vivido na empresa continua a um ritmo muito elevado. De tudo isto resulta um défice claro de TMA”.

No caso dos pilotos — que marcaram, conforme noticiou o Eco, um plenário para o próximo dia 19 de julho (o anterior plenário não foi realizado porque a administração da TAP não autorizou) que ainda não teve resposta da gestão, segundo sabe o Observador — já houve uma redução do corte dos salários em 10 pontos, o que foi decidido de forma unilateral pela empresa, conforme fez questão do SPAC (sindicato que representa esta classe) de dizer.

TAP revê salário mínimo para 1.410 euros e reduz unilateralmente corte salarial dos pilotos em 10%

Aliás, foi durante esse ajustamento e depois da recusa de plenário que o SPAC admitiu avançar para greve, o que levou Pedro Nuno Santos a reunir-se com a estrutura sindical. Depois desse encontro, o SPAC garantiu que não iria avançar para uma paralisação, para não ser “bode expiatório”.

Pilotos da TAP não avançam para greve justificando que não querem ser “bode expiatório” para insucessos

Ou seja, além dos 25% de corte transversal, os pilotos continuam em julho com um corte adicional de 10%.

Nos últimos dados trimestrais, a TAP dizia que tinha 6.698 trabalhadores. Em 2020, eram 8.106 empregados.

(Notícia corrigida segunda-feira, 18 de julho, com a informação da TAP de que os tripulantes já tinham o corte adicional totalmente eliminado. A TAP tinha sido questionada antes da elaboração da notícia, mas só deu esta informação três dias depois da sua publicação)