Podia ser apenas mais um aviso, entre o legal e o literário, como aqueles que aparecem depois dos créditos das telenovelas: “Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e não emitem opinião sobre eles”. Podia, mas não é. Até porque a autora desta advertência, que aparece ainda antes da primeira página de Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha (Tinta da China), a brasileira Tati Bernardi, reivindica a veracidade dos factos. Ou melhor, “não tem nada aqui que seja 100 por cento inventado”, diz, por zoom, a partir de sua casa, em São Paulo.
O termo é “autoficção”, e ela até dá um curso nisto de, a partir de uma base real e autobiográfica, atalhar caminho sem outros limites que não os da imaginação. Passados quatro anos de Depois a Louca Sou Eu, um assumido livro de memórias sobre “uma época de muita ansiedade”, Bernardi escreve sobre toda a ambivalência que a invadiu no momento em que se preparava para ser mãe pela primeira vez – e sobre a forma como aprendeu a abraçar esses sentimentos contraditórios.
Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha sai em Portugal numa altura em que a humorista e guionista de 42 anos, colunista do jornal A Folha de São Paulo, protagoniza o podcast-fenómeno “Calcinha Larga” (um dos oito mais ouvidos no Brasil), sobre maternidade, sexo e amizade, e também o fascinante “O Meu Inconsciente Colectivo”, em que se expõe em sucessivas sessões de psicanálise com alguns dos mais respeitados psicanalistas do Brasil. Todas estas derivas em torno do “eu”, assume, são o que lhe “dá tesão”. Mas está a tentar sair dessa “carência infantil” e passar a escrever sobre o outro. “Ainda não consegui, mas é uma busca.
Porque escolheu o caminho híbrido da autoficção, em vez da autobiografia ou da ficção?
Mesmo quando estou almoçando com amigos e estou a contar uma história – o parto da minha filha, por exemplo – esforço-me tanto por ter graça que, quando vou ver, estou fantasiando em cima da história verdadeira. O meu compromisso não é com contar exatamente o que aconteceu; o meu compromisso é com entreter, fazer rir, emocionar. Quando dou por isso está todo o mundo prestando muita atenção. Sou muito exagerada, mas de qualquer forma tendo a achar que tudo o que é autobiográfico é autoficção.
O que a atrai nesse papel?
Todo o escritor é meio carente. Quer ser ouvido, lido. O ganho com isso é conhecido: cativar as pessoas, ser amado. É essa a carência de todo o escritor.
Há muitas formas de receber atenção. No seu caso, escolheu os livros, as crónicas, os podcasts. Falando deste livro, Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha, como surge a ideia?
Li um livro chamado Afetos Ferozes, da Vivian Gornick [no original, Fierce Attachments – não está editado em Portugal], que é um livro autobiográfico sobre a relação da autora com a mãe. Isto foi há uns quatro anos, antes de engravidar. A minha filha tem três anos agora. Aí, eu falei: “quero escrever um livro sobre a relação de uma mulher adulta com a mãe, com briga, paixão, inveja, diferença de épocas.” Porque é esse o tipo de relação que eu tenho com a minha mãe. A gente briga, mas conversa o dia inteiro. A minha mãe é descendente de portugueses, eu sou descendente de portugueses e italianos. Há essa intensidade latina. Só que quando já tinha um terço do livro escrito, engravidei de uma menina. E fui atravessada por tantas emoções e sentimentos e medos que pensei, “não vai dar mais para escrever um livro do ponto de vista de uma filha. Vou ter de escrever um livro sobre uma mulher que é filha e mãe.”
Que está grávida.
A gravidez é um pouco esse limbo. Você ainda não é mãe daquele bebé porque ele ainda não nasceu, mas já não é só filha, porque já está grávida. Uma das coisas que eu pensei foi, “e se a minha filha nascer com a genética de loucura da minha família?” Na minha família, todo o mundo tem crise de ansiedade, mania de perseguição, TOC [transtorno obsessivo-compulsivo]. Eu, tendo uma filha, estou transmitindo essa genética de loucura. E então virou o livro de uma mulher grávida pensando na relação dela com a mãe, com as tias, com a família, e em como é que vai ser tornar-se mãe.
Foi um parto difícil?
O parto do livro foi quase mais difícil que o da minha filha. Com a minha filha estive dois dias com contracções e sem dilatação e acabei por fazer uma cesariana. Mas o livro foram dois anos. Tinha muito medo de escrever este livro, que a minha mãe ficasse chateada. E de facto ela ficou chateada.
Como é que se gerem as sensibilidades, num tipo de livro que assumidamente parte da realidade e em que se fala de forma tão íntima pessoas tão próximas?
A minha mãe ficou muito mal. A melhor parte foi que ela dizia que estava mal porque não era essa mãe – “Não sou eu” – e também porque era essa mãe – “Como é que você me expõe desse jeito?” Ela sempre ficou brava comigo. Desde que me tornei uma autora que se expõe que não me lembro de passar por dois, três meses sem a minha mãe estar uma semana sem falar comigo.
Isso também é a pedra de toque da relação da personagem principal do seu livro, a Karine, com a mãe: faça o que fizer, ela não consegue satisfazer a mãe.
É isso: fazendo algo pela minha mãe ou fazendo algo por mim, a minha mãe vai estar insatisfeita da mesma maneira. Então, com este livro, resolvi fazer algo por mim.
Este livro parece-me também dar corpo a um luto: há uma filha que está a deixar de ser filha para poder ser mãe da sua própria filha. Na sua opinião, alguma vez deixamos de ser filhas?
Engravidei com 38 para 39 anos, quase 40 anos. Durante a gravidez sofri muito com enjoos e ligava sempre à minha mãe. Era uma criança. Na semana passada, por exemplo, tive uma enxaqueca, mas a minha filha estava com dores de ouvidos e nem me lembrei de ligar para a minha mãe a queixar-me. O lugar daquela que cuida e de quem é cuidado mudou completamente. E mudou também o interesse da minha mãe: a minha filha, Rita, virou “a filha”. Hoje a minha energia está indo toda para teatralizar a adulta.
Este livro é um pouco o texto dessa peça? Ou seja, uma forma de ir trabalhando esse processo?
O Depois a Louca Sou Eu era 100 por cento eu. Quando ia dar entrevistas, as pessoas não perguntavam pelo livro, perguntavam por mim, pela minha vida. Essa exposição tão avassaladora deu-me uma certa angústia. Este livro foi uma tentativa de me aproximar um pouco mais da ficção. Ainda é um exercício difícil. Para mim ainda é mais fácil e mais prazeroso – e é onde está o meu drive, o meu “tesão” – escrever na primeira pessoa. Mas estou tentando sair um pouco de mim e pensar outras personagens. Amadurecer. É uma busca.
Louca, frenética e desbocada. Senhoras e senhores: Tati Bernardi
O que a atrai tanto nessa exposição?
Há um escritor francês que eu amo, que escreveu um livro chamado O Fim de Eddy, o Édouard Louis. E nesse livro ele é um menino que, literalmente, não pôde ter a sua voz. Gay, nascido numa família conservadora de uma cidadezinha do interior, era obrigado pelo pai a engrossar a voz em frente ao espelho. Uma vez disse numa entrevista, “eu não vejo razões para inventar um personagem. Estive tanto tempo sem poder ter a minha voz. A escrita libertou-me.” Eu não tive uma família assim, mas existe dentro de mim um desejo muito forte de reivindicar o meu lugar no mundo. Eu era uma criança muito invisível na escola, era um pouco invisível para a minha família – que tinha uma preocupação quase doentia com a minha saúde física, mas que não se preocupava com a minha subjetividade. A escrita para mim é uma maneira de existir, de mostrar a minha voz e de perceber que não estou sozinha, porque existe muita gente que se sente angustiada e vai ler os meus livros.
Quase no fim do livro, diz, “Eu acho que quero escrever os roteiros de cinema para poder dar um nome à angústia de toda a minha família”. Um pouco como se dar nomes às coisas lhes conferisse uma existência. No fundo, contar também a sua história através dessa angústia.
A minha família sempre foi atravessada por uma angústia meio paralisante, a que hoje em dia a gente chama “síndrome do pânico”, mas que já vem desde o meu bisavô.
Uma coisa que não tinha nome. Ninguém sabia o que era.
É. O meu avô começava a passar mal e a minha avó falava, está dando “o troço” nele. A minha mãe começava a passar mal, e diziam, está dando “o negócio” nela. Eu começava a passar mal, e diziam, está dando “a coisa”. Há uns seis anos que sou estudante de psicanálise, e a psicanálise fala muito na importância de dar nome às coisas. Eu queria, não só dar nome a essa angústia, mas transformá-la numa narrativa. A psicanálise também me fez querer perceber de onde vem essa ansiedade. Perceber que vim de uma mãe ansiosa, de uma avó ansiosa, de um avô com manias, de uma bisavó que veio grávida, num navio, de Portugal.
De Portugal, onde?
De Trás-os-Montes, atrás do seu amor, que estava no Brasil. Saber essas histórias é um pouco saber quem eu sou. Eu não sou um sujeito qualquer entre 200 ou 300 milhões; as minhas neuroses, as minhas angústias, elas têm uma narrativa. A minha avó portuguesa era uma sobrevivente. Eles eram muito pobres e tinham aquela coisa do emigrante que precisa de dar certo. Não mimavam os filhos. Não puderam ser crianças. A minha mãe com sete anos limpava a casa inteira. Os meus avós perderam um filho de dois anos por causa de um problema de coração. Tinham pavor de crianças doentes. E aí o que é que acontece? Tornamo-nos uma família muito hipocondríaca e neurótica. Por que razão é que eu, com 32 anos, me sinto impelida a fazer um check up total? Aí você entende.
Outro dos temas do livro é a solidão. É referido não só no título – numa referência muito ambivalente e “paralisante”, usando uma expressão sua – mas também em todas as descrições da protagonista sobre os relacionamentos familiares. Também a gravidez, ao contrário da ideia feita, pode ser um lugar muito solitário.
Quando engravidei e soube que era uma menina, liguei para a minha mãe. A primeira coisa que a minha mãe falou foi, “Uma menina! Você nunca mais vai ficar sozinha”. A minha mãe tem esse ideal – e desiludiu-se muito comigo – de que uma filha mulher é uma companhia 24 horas por dia para uma mãe. Quando ouvi isso, senti duas coisas muito fortes. Uma delas foi muito positiva, porque todo o mundo se sente muito sozinho. Eu cresci muito sozinha: não tinha irmãos, não podia sair à rua porque a minha mãe achava a zona perigosa, na escola não tinha muitos amigos. Acho que tudo isso fez de mim uma escritora…
Há uma diferença entre uma pessoa estar sozinha e até gostar de estar sozinha e sentir solidão. Este livro parece ser sobre solidão.
Tem muita solidão. Assim como estar solteira tem momentos pesados de solidão, o casamento tem uma falsa promessa de uma companhia. O teu marido, até por ser homem, não tem a menor ideia do que é estar grávida. Depois, você amamenta a madrugada inteira sozinha num quarto. Pode trocar mensagens com os amigos, mas está cada um no seu canto. Apesar disso, quando a minha mãe falou, “você nunca mais vai ficar sozinha”, fiquei apavorada. Eu gosto de estar sozinha. Eu preciso de estar sozinha. Acho que escrevo por causa da minha solidão. Imaginei-me com uma criança pendurada ao pescoço 24 horas por dia, sem dinheiro, sem projetos, desesperada. A primeira coisa que fiz foi alugar um escritório. Esse título, apesar de parecer que vou falar de uma maternidade fofa, é quase uma sentença macabra. Eu quis brincar com essa dualidade do que é a maternidade. Tem horas em que é uma delícia, mas outras em que é o inferno na terra. Justamente por isso é solitário: a mãe se culpa muito. E ninguém fala disso.
A dada altura, ainda a propósito dessa ambivalência, diz, “eu tive de deixar os meus pais para fazer o meu caminho”. Existe já uma preocupação com o dia em que também a sua filha a irá “abandonar”?
Acho que sim. Ontem estava a ler um livro para minha filha em que uma menina está triste porque o irmão de 18 anos vai sair de casa. A meio do livro explicam, “os adultos saem de casa”. A minha filha ficou desesperada: “mamãe, quando eu crescer, não vou mais morar com você?” E eu respondi, “Vai demorar muito. Mas se quiser ficar adulta e continuar morando comigo, pode continuar.” Ontem, domingo, fiquei o dia todo sozinha com ela. O meu marido é realizador de cinema e de publicidade e foi trabalhar. Eu queria que ela adormecesse para poder ler ou ver uma série. E aí, quando ela adormeceu, fiquei vendo fotos dela. É muito doido ser mãe. É um pouco o que a minha mãe sofreu quando eu saí de casa. Quase se jogou na frente do meu carro. Uma cena dramática, bem italiana.
O que leva esta mulher que tem uma relação tão cheia de conflitos com a mãe a querer ser mãe? Isto, num livro dedicado às mulheres da família – mãe, avó e filha — unidas por esse mesmo laço, o laço da maternidade.
A minha avó era uma mulher forte, muito brava e o meu avô era o bonzinho, meio bananão. A minha mãe era a mulher forte, muito brava, e o meu pai era o bonzinho bananão. E eu sou a mulher forte, muito brava, e o meu marido é o bonzinho bananão. Então a gente repetiu, o que tem um outro lado, que é um cansaço extremo. O feminismo pediu tanto para a gente ficar empoderada que os homens falaram, “beleza, então faz tudo sozinha”. Por isso, foi uma homenagem para a minha mãe e a minha avó. Mas eu ia falar outra coisa…
A pergunta era, o que é que leva uma mulher com uma relação tão ambivalente com a maternidade a querer ser mãe.
Eu acho que o que faltou para a minha avó e a minha mãe foi apoderarem-se da beleza da ambivalência. Eu fiquei muito assustada na minha gravidez com o quanto que eu estava feliz e o quanto estava de saco cheio. As mulheres não podiam falar sobre isso. Quem não estivesse sempre feliz com a maternidade era uma bruxa. O homem, sim, podia sentir ambivalência, podia querer ir ter com os amigos. Quando eu senti essa ambivalência pensei que era uma psicopata: “Será que vou conseguir ser mãe?” E a minha psicanalista me salvou: o amor é feito de ambivalência. Se não ensinar essa ambivalência para a sua filha, um dia que ela sinta raiva, que se sinta de saco cheio, vai assustar-se. A minha mãe, por exemplo, é uma pessoa que acabava as amizades se um dia se dececionava com uma amiga. E assim ela chegou aos 75 anos de idade sem nenhuma amiga. Ela nunca entendeu que a pessoa perfeita não existe. A maternidade fez-me entender que eu tinha de romper esse ciclo. E a minha filha já consegue distinguir. No outro dia falou para mim, “mamãe, eu estou ‘apaixobrava’ por você”. Estar apaixonada é isso: você quer tanto a pessoa que você odeia a pessoa, de tanto que você precisa dela. Achei maravilhoso. Estamos salvas: a gente vai para o topo da neurose e não da psicose.
Como se juntamente com a sua filha estivesse a rescrever a história da família, e “apaixobrava” fosse o primeiro termo do novo léxico familiar.
Isso.
E onde entra o humor no meio disto tudo? Tanto neste livro como em Depois a Louca Sou Eu, fala no humor como uma forma de controle: “enquanto for eu a gozar comigo, sou eu que controlo a narrativa”.
Eu sou muito controladora. Acho até que as minhas crises de pânico têm a ver com isso. E acredito que o humor é muito característico das pessoas controladoras. Se eu cair no meio da rua e fizer uma piada, estou no controle da piada. Como sofria bullying porque era esquisita, aprendi a juntar-me às pessoas que me faziam bullying para passar a pertencer à turminha que me sacaneava.
Como assim “esquisita”? Isso já é uma forma de humor?
Havia as meninas populares, de cabelo liso, as bailarinas. Eu usava óculos, botas ortopédicas, tinha os joelhos tortos, uma pancinha. Ia jogar volley e a bola batia nos meus óculos. Odiava tanto fazer deporto que aos sete anos pedi ao meu pediatra para me passar um atestado dizendo que era “cardíaca”.
O humor tornou-se o seu desporto?
O humor tornou-se a companhia que nunca tive. Era o irmão mais velho que me defendia na escola. No momento em que eu me ria de mim própria, mais ninguém se ria. Eu era tão boa a fazer piadas sobre os outros que me tornei popular. As pessoas passaram a respeitar-me, a ter medo de mim.
E hoje, o que representa o humor para si? Está em tudo aquilo que faz.
O humor seleciona quem vai ficar perto de mim. Eu não sou só uma pessoa que usa o humor para o bem. Eu também tenho uma capacidade de zoar com a cara dos outros que me ultrapassa. Às vezes uso o humor para o mal.
É uma coisa que toma conta de si?
É uma coisa que eu não controlo. Quando vou ver, sacaneei muito a cara de alguém que está “puto” comigo e vai ficar um tempo sem falar comigo. Isso é doloroso. Às vezes gostava de ser mais feminina, mais doce. Acho que facilita muito a vida amorosa, sexual. Facilita ser convidada para festas. Mas também foi o meu jeito de sobreviver.
Está a dizer que o humor é masculino?
Para a sociedade machista e patriarcal, é. Para mim, não. Já escutei de vários homens, “eu te acho bonita, mas eu não ‘transaria’ com você porque você é engraçada e eu não tenho tesão em mulher engraçada”. Acho que se fosse a “sonsa bailarina” estaria aí “pegando” muita gente.
Falando em machismo, comenta muitas vezes que até há pouco tempo não gostava de se assumir como feminista, mas que, entretanto, isso mudou. Teve a ver com a maternidade?
Essa nova onda do feminismo, que chegou há uns 10 anos, incomodava-me. Mas não era o feminismo; eram a minha limitação e a minha ignorância.
Como assim?
Porque eu, como os homens, vivia uma rotina dentro de uma realidade machista. Trabalhei a vida inteira em agências de publicidade. Nunca fui assediada tipo, “dá para mim que você sobe na carreira”, porque isso claramente é um crime, mas “levava cantada” o dia inteiro e era suposto achar isso legal. E então, já estava eu com 30 e poucos anos, começaram a chegar um monte de meninas de 20 anos, falando que tudo aquilo que eu tinha aturado nos últimos dez anos estava errado. E isso irrita um pouco: meninas que nunca tinham trabalhado sequer. Mas acho que esse é o papel: incomodar. E aí eu fui ler. Parei de falar como uma louca e escutei. E aquilo foi entrando em mim, foi-me dando milhares de gatilhos, recordou-me situações pelas quais não precisava de ter passado. O feminismo só foi doloroso porque me fez perceber que passei 35 anos da minha vida a viver de uma determinada forma e sem perceber o quanto era insuportável.
Entretanto, tem também dois podcasts, “Calcinha Larga” e “Meu Inconsciente Coletivo”. O que a faz estar nestes sítios todos?
O “Calcinha Larga” nasceu da necessidade de ser uma mulher que diz que as grávidas têm gases, que o casamento às vezes é ficar um ano sem “transar”, que depois de um bebé nascer vai ficar uma pança que nenhuma ginástica resolve. Ou seja, nasceu da necessidade de ser uma mulher sem pose. De desmistificar a ideia da maternidade linda e perfeita. E é um fenómeno. Está entre os oito podcasts mais ouvidos do Brasil. Sobre o “Meu Inconsciente Colectivo”, eu sou muito apaixonada por psicanálise e queria ter um espaço para entrevistar psicanalistas, mas com humor. Então é como se estivesse deitada no divã a falar da minha vida. E como eu sou a louca dos podcasts, inventei agora mais um, que é um resumo das notícias da semana, comigo, uma psicanalista e um advogado. [“Quem Lê Tanta Notícia”, com Vera Iaconelli e Thiago Amparo, estreia-se a 29 de Setembro]
Tati Bernardi e a psicoterapia para o povo em tempo de pandemia
Como é que arranja tempo para tudo?
Então… estou ficando louca. Além disto ainda tenho uma filha de três anos. Trabalho sábado, domingo, todos os dias até às 11 da noite. Sinto que estou a cinco minutos do burnout.
Qual é o seu drive? O que a leva nesse sentido?
Acho que tenho uma tendência para a compulsão. Como não ando desvairada a comprar roupa nem tenho nove namorados aos mesmo tempo, estou a encaminhar tudo para o trabalho. Mas estou a fazer terapia três vezes por semana, tentando travar isto. A verdade é que eu também amo trabalhar. Não paro de ter ideias. É ainda uma forma de fugir da depressão, da ansiedade. Com a cabeça ocupada você não fica pensando que o presidente é o Bolsonaro, que um monte de gente morreu por causa desse desgraçado, que não tem vacina…
Algum livro previsto agora?
Estou escrevendo um livro infantil chamado, O Mundo é de Todo o Mundo, especial para crianças filhas únicas que acham que o mundo é só delas.
Já é parte do seu percurso em direção a conseguir escrever sobre o outro?
Para adultos ainda estou sem ideias. Acho que provavelmente vai ser sobre a dificuldade da monogamia num relacionamento.