A subida das taxas de juro Euribor deixou de ser apenas uma hipótese relativamente longínqua e já se tornou praticamente uma certeza que, a breve trecho, irá colocar uma pressão adicional sobre os orçamentos familiares. Por essa razão, embora já não fique tão barato quanto era há poucos anos, ainda pode fazer sentido comprar casa contratando com os bancos uma prestação que ficará sempre igual, quer esteja a fazer um novo crédito ou a pensar transferir o crédito que já tem. Um banqueiro já veio “aconselhar” os portugueses a “ponderar vivamente” essa opção – quais são as vantagens e desvantagens, em que casos faz mais sentido e quais as melhores ofertas disponíveis na banca?
Embora não tenha “nenhuma previsão de subida forte das taxas de juro” para o horizonte imediato, o presidente do BPI defendeu, na apresentação dos resultados anuais em início de fevereiro, que essa é uma opção que deve mesmo ser equacionada. “No caso do BPI, hoje em dia já contratamos perto de 30% dos créditos em taxa fixa”, afirmou João Pedro Oliveira e Costa, acrescentando que é um modelo de crédito que “é uma boa forma para quem tem um orçamento relativamente estável, de também estabilizar a prestação”.
“Temos aconselhado bastante a que as pessoas estudem bem os seus orçamentos para não terem surpresas”, notou o banqueiro. Entre taxa variável e taxa fixa, “num crédito à habitação por um período como 30 anos é muito difícil prever se é melhor uma coisa ou outra, mas nas condições atuais eu aconselharia a ponderar vivamente fazer um crédito à habitação com taxa fixa”.
Portugueses aderem pouco à taxa fixa (mas isso tem vindo a mudar)
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As declarações do líder do BPI indicam que estará a haver uma mudança numa tendência muito portuguesa que é a opção pelas taxas variáveis. Segundo o último Relatório de Estabilidade do Banco de Portugal, “comparativamente com a área do euro, o sistema bancário português apresenta um maior peso dos empréstimos com taxa variável” e desde 2003, em média, cerca de 90% dos novos empréstimos tinham taxa variável, o que compara com 71% na área do euro. “Esta diferença é maior nos empréstimos à habitação, 87% versus 32%”, sublinhou o Banco de Portugal.
Nos últimos anos, com as taxas Euribor em níveis negativos (desde 2015), esta tem sido a opção óbvia sobretudo para quem tem como prioridade pagar ao banco a “renda” mais baixa possível. Em muitos casos, a opção pela taxa variável – por ser, nesta conjuntura, mais barata que a taxa fixa – também terá sido a única forma de conseguir que o crédito não excedesse os níveis máximos de taxa de esforço (o que pode ser preocupante num cenário em que a Euribor suba).
Embora nessa altura não se falasse tanto na iminência de subida de juros, no final de 2019 os “indexantes” que são usados para calcular as taxas fixas em prazos longos tocaram os níveis mais baixos de sempre na zona euro – até o midswap a 30 anos chegou a zero, sendo este o instrumento financeiro ao qual os bancos somam o spread (a sua margem de lucro do crédito) para calcular a taxa final que é cobrada ao cliente. Na altura, em 2019, a preocupação na zona euro era o risco de deflação – entretanto, veio a pandemia e a guerra na Ucrânia e é, agora, o perigo de inflação que preocupa os bancos centrais.
Perante avisos claros de que está iminente a subida das taxas de juro por parte dos bancos centrais, esses instrumentos já se afastaram dos níveis historicamente baixos que atingiram nessa altura. Nas últimas semanas, o mesmo midswap de referência na zona euro, a 30 anos, já se afastou de zero e tem oscilado em torno de 1%. Por essa via a taxa fixa já não sairá tão barata como dantes, porém é possível compensar esse efeito com o facto de os spreads pedidos pelos bancos terem baixado ainda mais, em comparação com esse final de 2019.
Como se calcula a prestação a pagar na taxa fixa?
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Tal como na taxa variável, para calcular a prestação é preciso incluir dois elementos principais: um determinado indexante e, por outro lado, o spread, ou seja, a margem de lucro que o banco aplica conforme o perfil de risco do cliente ou do financiamento, que os bancos atenuam se o cliente se comprometer com outros produtos ou serviços associados, como seguros, domiciliações de ordenado, cartões de crédito, entre outros. É da soma destes dois que resulta a prestação mensal que o cliente paga.
Se sobre o spread não há muito a dizer — depende da concorrência entre os bancos e caberá a cada pessoa negociar com o banco o melhor spread possível — sobre o indexante sabemos que, no caso da taxa fixa há bancos mais transparentes na altura de dizer ao cliente como se calcula a prestação.
Alguns apenas indicam uma TAEG global, opaca, ao passo que outros negoceiam o spread e dizem ao cliente que o segundo elemento — o swap — será aquele que estiver no mercado internacional no dia da escritura.
Se quisermos avaliar uma oferta de taxa fixa, devemos olhar para indicadores como o TAEG (taxa anual de encargos efetiva global) e o MTIC (montante total imputado ao consumidor), tal como é importante perceber exatamente as condições necessárias para se obter uma bonificação no spread e, ainda, conhecer as características dos seguros associados.
Se o consumidor escolher a modalidade de taxa fixa, a prestação fica acordada entre ele e o banco e irá manter-se inalterada ao longo do prazo do empréstimo. Ou seja, aconteça o que acontecer, o cliente pagará sempre a mensalidade que ficou estabelecida no contrato (atenção, porém, que os seguros tornam-se mais caros à medida que se envelhece — mas isso também acontece com a taxa variável).
Mas faz sentido fugir à Euribor? Ao contrário do que alguns previam, mesmo com o impacto da guerra na Ucrânia, o BCE acabou por acelerar ainda mais a retirada dos estímulos monetários, aumentando a expectativa de que também as taxas de juro irão subir em breve. Segundo a Bloomberg, os participantes do mercado de derivados de taxas de juro estão a prever que o BCE suba as taxas de referência quatro vezes nos próximos 12 meses – ou seja, aumentando-as num total de um ponto percentual – o que terá um impacto inevitável nas prestações de crédito indexadas à Euribor.
Neste contexto, até que ponto faz sentido fixar a taxa de juro (e a prestação) naquela que é, para muitas pessoas, a maior transação financeira em que se verão envolvidas em toda a sua vida — isto é, a compra de casa própria? Com a ajuda da plataforma de comparação de produtos e serviços ComparaJá.pt, o Observador comparou os custos das ofertas com taxa variável face às ofertas que existem no mercado com taxa fixa, que um número cada vez maior de bancos está a comercializar.
A Marta e o João devem optar pelo crédito a taxa fixa ou taxa variável?
Para perceber se compensa mais fazer um crédito à habitação com taxa fixa ou variável, o Observador apresentou ao ComparaJá.pt o perfil de um casal, a Marta e o João, ela com 33 anos e ele com 34. Estão os dois efetivos e empregados por conta de outrem, são quadros intermédios de empresas na área do marketing e publicidade. O rendimento anual líquido do casal é de 36.000 euros.
A Marta e o João estão a viver, neste momento, numa casa arrendada e têm despesas mensais fixas a rondar os 750 euros. Não têm qualquer outro crédito e estão a pensar comprar um apartamento perto de Lisboa que foi construído em 2015. O apartamento tem uma área bruta de 100 metros quadrados e está avaliado em 215.000 euros. O casal prevê comprar o apartamento por 200.000 euros e precisa, para isso, de um empréstimo no valor de 150.000 euros. O prazo de reembolso que definiram foi de 30 anos.
Para obter bonificação no spread, a Marta e o João estão dispostos a domiciliar os salários no banco que lhes vai dar o crédito; ter conta bancária na instituição, com descoberto contratado; contratar cartão de crédito e de débito; ter ordens de pagamento permanentes ativas; e, ainda, subscrever o seguro de vida e o seguro multirriscos propostos pelo banco.
Veja a tabela abaixo, que sumariza as propostas dos principais bancos a operar em Portugal.
Esta é uma análise feita a partir dos cálculos do Comparajá, que sublinha que a consulta da tabela não dispensa um acompanhamento constante e personalizado de um intermediário no momento de contratar um crédito habitação, já que se trata de uma simulação de um caso específico (o casal imaginado pelo Observador) e pode haver alterações significativas de caso para caso.
Ainda assim, a primeira conclusão é que num primeiro momento as poupanças mensais para quem opta pela taxa variável podem ser de largas dezenas de euros. No Novo Banco, por exemplo, um crédito a taxa variável levaria a uma prestação mensal de pouco mais de 460 euros, ao passo que na taxa fixa todos os meses vão ser debitados 570,31 euros. São cerca de 110 euros de diferença, ou 24%.
Isto significa, continuando com o exemplo do Novo Banco, que o crédito poderá acabar por custar menos de 191 mil euros no total – ao passo que na taxa fixa no final do crédito a Marta e o João terão pago ao banco mais de 232 mil euros. Essa importante diferença no Montante Total Imputado ao Consumidor (MTIC), porém, só se confirmaria caso as taxas Euribor continuassem nos níveis historicamente baixos em que se encontram, o que ninguém está a prever que possa acontecer ainda mais num período de tempo tão longo – e quanto mais subir a Euribor, mais aumenta o MTIC na opção pela taxa variável.
O cenário não muda muito mesmo que a Marta e o João vão a outro banco. A prestação de 450,30 euros no BPI, com spread de 1% em taxa variável, salta para 554,43 euros na taxa fixa (o BPI, tal como outros bancos, não especifica spread nem indexante e prefere condensar tudo numa Taxa Anual Nominal – TAN – de 2%). Mas o que acontece, por exemplo, se o indexante subir para zero (algo que a maioria dos analistas acredita que vai acontecer a breve trecho)? A prestação subirá para 482 euros, elevando o MTIC para até 205 mil euros.
Ainda assim é menos do que na taxa fixa, mas e se a Euribor subir para 1%? Aí, a prestação mensal salta para 554 euros – e, conforme a fase do crédito em que isso acontecesse, uma Euribor de 1% poderia fazer o MTIC aproximar-se de 230 mil euros, ou seja, muito próximo do custo da taxa fixa.
Vários bancos (ainda) não aceitam ficar a taxa durante todo o empréstimo
Para já, nem todos os bancos comercializam taxa fixa a 30 anos – vários apenas aceitam fixar a taxa durante uma parte do crédito mas não se comprometem com uma taxa fixa ao longo de toda a vida do empréstimo. Nos casos-tipo da Marta e do João, o Santander só fixa a taxa ao longo de 10 anos, com os restantes 20 anos em taxa variável; o Millennium BCP é exatamente o contrário, fixa até 20 anos mas os 10 finais ficam sujeitos à evolução da Euribor. O Banco CTT faz, no máximo, 15-15 e o Bankinter vai até aos 25 anos de taxa fixa mas introduz taxa variável nos últimos cinco anos do empréstimo.
Uma forma de tentar evitar pagar esses últimos cinco anos de taxa variável, no caso do Bankinter, é acumular poupança que permita amortizar o crédito antes da mudança. Atenção, porém, que por regra os empréstimos em taxa fixa incluem uma penalização por amortização antecipada de 2% – quatro vezes mais do que os 0,5% que são a regra nos créditos a taxa variável.
Até que ponto as taxas mistas podem ser uma boa aposta? Como reconheceu o presidente do BPI, num prazo tão longo é impossível antecipar o que pode acontecer aos indexantes de crédito, mas o risco quando se fala em modalidades de taxa fixa nos primeiros anos (e variável nos últimos) é que se esteja a pagar um pouco mais para fixar a taxa nos próximos anos quando esse “seguro” pode ser desnecessário – sublinhe-se que, apesar de tudo, o BCE promete uma subida gradual dos juros. E, por outro lado, acaba por se estar exposto ao risco de uma Euribor eventualmente mais elevada nos anos seguintes, o que poderia levar a um ajuste brusco potencialmente dramático, na transição de um modelo para o outro.
Por outras palavras, embora seja impossível dizer o que será financeiramente mais vantajoso, o que acontece com créditos de taxa fixa apenas nos primeiros anos (e variável nos últimos) é que o cliente não está realmente a “comprar” a tranquilidade de saber que irá pagar sempre a mensalidade que ficou estabelecida no contrato – sem prejuízo, é claro, de se saber que os seguros se tornam mais caros à medida que se envelhece, mas isso também acontece com a taxa variável.
Mas quando é que a Euribor pode subir? E que impacto teria?
Com uma taxa de inflação perto de 6% na zona euro, as últimas decisões do BCE têm surpreendido por serem mais audazes do que os analistas estavam à espera, em cada momento. Isso é um sinal de que o banco central está a levar os perigos de inflação mais a sério do que levava há alguns meses, pelo menos a avaliar pelo que era dito publicamente. Assim, é cada vez maior o consenso entre os especialistas que deverá haver (no mínimo) uma subida da taxa de juro de referência na zona euro, antes do final do ano de 2022.
O próprio governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, já sinalizou várias vezes que estamos no início de uma trajetória de subida das taxas – que é “natural” e “bem-vinda” depois de tantos anos com juros baixos ou negativos. Portugal, por ter rendimentos médios comparativamente mais baixos e uma maior prevalência de créditos à habitação de taxa variável, pode estar especialmente vulnerável entre os países da zona euro. Mas Mário Centeno destaca a redução da dívida – por famílias e empresas – que foi conseguida nos últimos anos como um fator que dá maior tranquilidade.
Se assumirmos que com uma taxa Euribor (a 12 meses) um pouco acima de 1% já poderá começar a ser mais barata a taxa fixa do que a variável, o que é que isso significa historicamente na zona euro? Segundo os dados oficiais da Euribor-Rates.eu, uma taxa Euribor de 1% significaria, basicamente, um regresso à taxa que existia no início de 2012, momento em que o italiano Mario Draghi assumiu as rédeas do BCE e vestiu o fato de “bombeiro” contra o desmembramento da zona euro.
São cerca de 10 anos com taxas Euribor abaixo de 1%, um período longo que poderá ter criado algum efeito de habituação na dinâmica económica. Mas, tendo em conta que o objetivo do BCE é manter a taxa de inflação nos 2%, no médio prazo, é natural que os indexantes de crédito também possam subir para patamares semelhantes – basta, aliás, recuar até 2011, para encontrar taxas Euribor (a 12 meses) de 2%. Essa foi a regra até à crise financeira de 2008.
Nesse caso, as prestações de taxa variável que hoje rondam os 450 euros podem saltar para 630 euros e o MTIC já poderá superar os 260 mil euros, conforme a fase do crédito em que essa taxa Euribor se verificasse. A confirmar-se esse cenário, a opção pela taxa fixa já se revelaria vantajosa para quem está hoje a fazer um novo crédito.
E se um nível de 2% na Euribor seria normal, historicamente, alguns portugueses irão lembrar-se que as taxas de juro superaram os 5% em 2008 e também em 2000/2001, nos primeiros tempos da moeda única. Embora não seja algo que se prevê para o horizonte próximo, o que aconteceria caso a taxa Euribor voltasse a esses níveis de 5%? A mesma prestação saltaria para quase 900 euros por mês.
Mas taxas Euribor tão elevadas não significaria, também, boas notícias do lado dos rendimentos? Em teoria, sim: se as taxas Euribor subirem isso poderá significar que a economia também estará melhor, que estaremos todos mais sólidos ao nível do emprego e a ganhar mais salário ao fim do mês. Mas isso pode ser uma ilusão.
Basta recuar até 2007/2008 para recordar que Portugal e outros países já estavam a entrar em crise, com as taxas de desemprego a subir, mas, por força de fatores como a subida dos preços do petróleo, a taxa de inflação estava em níveis elevados e os bancos centrais subiam as taxas de juro para tentar travar a subida dos preços. E precisamente quando Portugal estava, no início de 2011, em grave crise económica e a pedir um resgate internacional, o BCE (na altura liderado por Jean-Claude Trichet) subiu as taxas de juro duas vezes, em abril e junho desse ano.
Nada garante que existirá sempre um equilíbrio perfeito entre as condições económicas e o nível de taxa de juro. E esse desequilíbrio pode ocorrer, como aconteceu em 2011, numa fase em que os preços das casas estão em queda, o que complicaria ainda mais a vida de quem tenha de vender a casa por não conseguir pagar as prestações.