Acossado pelas acusações de “cobardia política”, Francisco Rodrigues dos Santos carrega no acelerador. Recorda a passagem pelo Colégio Militar, acusa os críticos internos de o verem como um “usurpador”, queixa-se de ter ouvido o pior (“chamaram-me garoto, disseram que não tenho pedigree para ser presidente do CDS”), diz que Nuno Melo está apostado em “esfrangalhar o partido” e não recua. “Mas tenho medo de alguma coisa? Com 31 anos propus-me a liderar o CDS com todos eles a dizerem cobras e lagartos de mim.”
Em entrevista ao Observador, na sede do partido em Lisboa, o líder do CDS defende a decisão que o Conselho Nacional tomou de adiar as eleições internas para depois das legislativas e garante que não há margem para recuos. “Não podemos desperdiçar três semanas em peixeiradas como aquela que estamos a ver desde que Nuno Melo decidiu ser candidato”, diz.
Quanto ao futuro, Rodrigues dos Santos deixa três ideias: Telmo Correia, líder parlamentar e o único deputado do elenco original que ainda não disse se está ou não disponível para ser candidato na próxima legislatura, não tem lugar cativo na equipa principal que vai a votos; não “adora” a solução encontrada à direita nos Açores, mas tudo dependerá dos resultados nas próximas legislativas; e não está à espera do ‘ok’ do PSD para formar uma coligação pré-eleitoral. “Se não houver coligação, faremos o nosso caminho autónomo. O CDS não está em standby.”
[Pode ouvir e ver aqui os melhores momentos da entrevista de Francisco Rodrigues dos Santos ao Observador:]
“Este nível de conflitualidade não é bom”
Um vogal da sua direção, Miguel Mattos Chaves, escreveu a seguinte frase a propósito das saídas de Adolfo Mesquita Nunes e de António Pires de Lima: “O partido é finalmente gerido por pessoas e não por grupos globalistas, LGBT, etc…”. Também acha que antes de si o CDS era gerido por grupos “globalistas e LGBT”?
O dirigente nacional que cita pertence à Comissão Política Nacional do partido e não à direção propriamente dita. Miguel Mattos Chaves já pertenceu a direções de Paulo Portas, já foi secretário-geral adjunto do nosso partido.
Mas concorda ou não?
Não tenho essa visão sobre o passado do CDS. Foram cometidos alguns erros de gestão política, prova disso foram os piores resultados de sempre em legislativas e em europeias, mas creio que esse tipo de revisionismo histórico ou reinterpretações dos erros do passado não acrescentam nada na projeção do partido para o futuro.
Não vê nenhum problema com a globalização nem com os direitos LGBT?
Claro que não tenho. Acho importante defendermos o nosso país, a nossa soberania, no quadro da União Europeia e globalização, entendida enquanto mecanismo harmonizador do desenvolvimento equitativo dos países, parece-me uma coisa positiva desde que não dilua a voz do país nas instâncias internacionais. Do ponto de vista dos direitos LGBT, acho que o partido tem um património consolidado.
Distancia-se de Miguel Mattos Chaves?
Evidentemente não subscreveria essa crítica. Mas não me parece razoável que se procure a partir dela extrapolar uma posição do partido na exata medida em que ela só vincula o próprio. A vida dos partidos é feita deste tipo de contraste e, de facto, as posições no CDS estão muito extremadas nesta altura. Este nível de conflitualidade não é bom e propicia que haja uma escalada de agressão verbal que não beneficia o partido e que só tem um único beneficiário: o PS, que já está em campanha eleitoral.
Saídas do Parlamento? “Não vejo como uma calamidade”
Dos cinco deputados iniciais do CDS, dois deixaram o mandato a meio e outros dois já anunciaram que não se recandidatam. Numa entrevista ao Observador, o senhor disse que tinha uma “relação boa” com o grupo parlamentar. Se tem uma relação boa, porque é que não consegue reter essas pessoas?
Não sei que contas fez.
Ana Rita Bessa saiu. João Gonçalves Pereira saiu. João Almeida anunciou que vai sair. Cecília Meireles anunciou que vai sair.
No limite, podem sair todos se houver uma renovação a 100% da bancada parlamentar.
Saíram sem vontade de voltar. Podemos concordar nesta formulação. Porque é que não conseguiu reter esses quadros?
Não vejo como uma calamidade, nem uma catástrofe, que haja pessoas que interrompam os seus mandatos e abram espaço à renovação dentro do partido. João Almeida lembrou que era deputado há 20 anos. Telmo Correia é deputado há 30 anos no partido. Cecília Meireles, que reputo como a melhor deputada do Parlamento, também já é deputada há um tempo significativo.
Não vê, portanto, a indisponibilidade dessas figuras para se candidatarem novamente como uma calamidade?
Não vejo como uma calamidade. A história do nosso partido demonstra isso mesmo: há entradas e saídas do Parlamento, há espaço para a renovação de protagonistas que refresquem o nosso partido. O nosso CDS está a precisar disto há muito tempo. Desde que fui eleito, não consegui projetar ainda na cena política a ideia de um partido renovado, com um novo friso de protagonistas capaz de representar a ideia da estratégica política da minha direção do partido. E eu já disse: Cecília Meireles só não continuará no Parlamento se assim não o quiser.
“Telmo Correia não é caso único dentro do CDS”
E Telmo Correia?
Não podemos ignorar algumas declarações que tem tido enquanto líder parlamentar que são impróprias de um líder parlamentar. Não compreende uma tese que é básica: não é o grupo parlamentar que tem um partido, é o partido que tem um grupo parlamentar. A procura incessante de entrincheirar a sua liderança de bancada como uma plataforma de oposição à direção do partido é errada e não trouxe vantagens nenhumas à direção do CDS. As últimas jornadas parlamentares foram um comício contra a direção do partido. Fui brindando com um comício de pré-anúncio da candidatura de Nuno Melo no jantar que antecedeu a minha ida às jornadas parlamentares. Como líder do partido, não posso ignorar esta circunstância.
Para ser absolutamente claro: não conta com Telmo Correia para as próximas listas à Assembleia da República?
Não disse isso. O que disse é que Telmo Correia tem dado sinais de que não conta com a direção do partido.
A direção do partido também uma opinião sobre isso. Conta ou não com Telmo Correia?
Contamos com todos, não excluo ninguém. Não vou fazer saneamentos.
Vai ter um lugar de destaque nas listas?
Esse é um debate que terá lugar em Conselho Nacional do partido. Sendo certo que acho que estas legislativas são uma oportunidade para apresentarmos um CDS renovado que conte com todos para que o partido uma cara lavada. Temos de admitir: bem ou mal, não tenho espaço mediático para lançar novas caras. Nos programas mais conhecidos de televisão, não há uma única pessoa que me seja próxima ou que possa repetir a estratégia do partido. Pior do que isso: são pessoas que sempre estiveram contra a minha direção. Isto não pode continuar como está.
Descreveu Telmo Correia como “um dos melhores tribunos da nossa Assembleia da República, um político experimentado e altamente experiente”. Deixou de achar isso sobre Telmo Correia?
Não, de maneira nenhuma. Reitero essas qualidades.
No entanto, precisa de dar espaço a outros.
Se me perguntar: só temos um excelente tribuno no CDS, só temos um político experiente, alguém para elevar a fasquia do discurso político ao nível de Telmo Correia? Ele não é caso único dentro do CDS. Já disse: não excluirei Telmo Correia; agora, a ordenação das listas do partido terá de ser discutida em Conselho Nacional.
Falou de pessoas que sempre o criticaram. Mas houve muita gente que não o criticou e que até o apoiou. Por exemplo, Filipe Lobo d’Ávila saiu do último congresso como seu vice-presidente, mas demitiu-se em janeiro de 2021. Agora, diz que o adiamento do congresso é um sinal de “enorme fraqueza política”. Não o preocupa ter perdido esse apoio?
O Filipe Lobo d’Ávila foi meu concorrente e teve cerca de 15% dos votos. A minha primeira preocupação foi, num clima de conciliação e de união do partido, convidar aqueles que tinham sido candidatos contra mim a juntarem-se a este processo.
E Filipe Lobo d’Ávila aceitou e depois desiludiu-se.
Decidiu desvincular-se da direção do partido. Em termos estritos, esse apoio já teria perdido em janeiro.
Precisamente, não conseguiu manter esse apoio.
Claro, e está a ser coerente com a posição de desvinculação que fez das posições da direção do partido. Agora, Lobo d’Ávila não tem uma posição hostil relativamente à direção do partido.
Não conseguiu mantê-lo ao seu lado.
Exatamente, mas isso é uma evidência. Mas já a ultrapassei há muito tempo. Umas pessoas não estavam comigo na altura do Congresso e agora estão; e outras que estavam, deixaram de estar. É normal.
“Mas que medo é que tenho? Tive formação militar”
Outro apoio importante nesse Congresso foi o de António Lobo Xavier. Como apareceu como um dos senadores do partido que o apoiavam…
Foi o único.
… mas que agora também critica duramente o adiamento das eleições internas. Até diz que não tem nenhuma vontade de aconselhar o voto no CDS. Mais uma pessoa que o apoiou e que agora o deixou de apoiar. Não é preocupante a quantidade de apoios que tem vindo a perder?
Não gostaria de quantificar os apoios que tenho ou não no partido. De acordo com as votações expressas nos órgãos próprios do partido, a adesão à minha liderança está a crescer desde que fui eleito. Venci uma moção global que teve 47% dos votos, a minha moção de confiança apresentada em janeiro teve quase 60% e as votações sob proposta da direção que aconteceram no Conselho Nacional situam-se na casa dos 60%. Sobre António Lobo Xavier: é uma pessoa pela qual tenho muita amizade e muita estima e verifiquei que havia uma discrepância de opinião relativamente à data do congresso. Mas ele tem o cuidado de dizer que não imputa responsabilidades apenas à direção do partido mas a um clima de conflitualidade e de guerra interna no qual não se revê. Atendendo a este quadro, ele sente-se desaconselhado a propor o voto no CDS.
O único ponto é que as críticas não vêm só dos críticos de sempre.
É sempre como aquela máxima do copo meio-cheio ou meio-vazio. Filipe Lobo d’Ávila tem uma posição divergente e expressou-a. António Lobo Xavier também. Agora, o que é certo é que os partidos devem ser geridos com base no princípio da democracia interna. As maiorias devem respeitar as minorias e as minorias devem acatar a autoridade democrática das maiorias expressas em Conselho Nacional. E o que se demonstrou é que o Conselho Nacional do partido, com cerca de 60% dos votos, decidiu cancelar o Congresso. Podemos discordar, mas não dá direito a nenhum de nós ter estados de alma sobre as decisões dos órgãos do partido.
Acontece que Lobo Xavier não desaconselhou o voto no CDS apenas por causa do clima interno. Lobo Xavier disse que o presidente do CDS está a revelar “cobardia” por fugir à clarificação interna e que está a mergulhar numa “situação de fragilidade brutal”. Era uma crítica feita diretamente a si.
Há, de facto, essa parte que se refere especificamente a mim. Mas se continuar a ler verificará que ele faz essa observação. Não imputa essa responsabilidade apenas a esta direção.
Lobo Xavier acusou-o de “cobardia”. Isso não é uma crítica direta?
Isso é. Mas eu vou responder a essa e a todos os que me acusam de cobardia política. Movo-mo por convicções, não me movo por ocasiões. Gostava de saber onde estavam há dois anos todos aqueles que agora me criticam.
Lobo Xavier estava a apoiá-lo.
Tudo bem, mas reproduziu uma crítica que não lhe é originária, repete uma teoria que agora algumas alas do partido têm procurado deitar para fora. Digo o seguinte: quando o CDS teve o pior resultado de sempre em europeias e legislativas, depois de estar em falência técnica, de ter cinco deputados e dois novos partidos a concorrer no seu espaço, dei a cara pelo meu partido. E conduzi o CDS a um bom resultado nos Açores, reduzi 55% da dívida que herdei, nas autárquicas o partido cresceu e governa mais câmaras em coligação com o PSD, e consigo chegar aqui dizendo que entrego o CDS mais forte e mais representativo. Não virei a cara à luta. Onde é que estavam os outros que agora me acusam de cobardia?
João Almeida estava a concorrer contra si.
Tem razão. João Almeida é o único que tem legitimidade.
Filipe Lobo d’Ávila também.
Muito bem. Esses dois sim.
Nuno Melo estava no Congresso.
A fazer o quê?
Apoiou uma das candidaturas. Telmo Correia também.
Também. Mas assumiram a responsabilidade de ser candidatos a presidente do partido naquela altura crítica ou escudaram-se num princípio de coerência basilar de que enquanto forem eurodeputados não tinham condições para ser presidentes do partido?
Arranjaram uma candidatura, personificada em João Almeida, e concorreram contra à sua.
Claro, mas eu apresentei-me. Não me escondi. Nunca pedi autorização a ninguém para ser presidente do CDS. À exceção de António Lobo Xavier, tive todos os notáveis, os “barões do partido”, acerrimamente contra mim. Não tenho medo rigorosamente nenhum.
O ponto não era esse. Não lhe merece reflexão que o único senador que o apoiou faça uma crítica não violenta agora?
Aceito as críticas todas, posso é não concordar com elas. Nunca tive problemas de coragem em liderar o CDS. Tenho uma nomenclatura anterior que, desde que fui eleito, procura sabotar, e minar a minha liderança. Tenho-me mantido firme e procurado bons resultados neste quadro excecional. Agora teria medo de ir a Congresso? Fui eu que pedi a antecipação do Congresso. Era a minha oposição interna que não queria a antecipação do Congresso, que precisavam de tempo e que era uma compressão da democracia interna do partido… Mas que medo é que tenho? Tive formação militar. Entrei no Colégio Militar aos dez anos. Desde pequenino que aprendi a lidar com exigência e responsabilidade. Mas tenho medo de alguma coisa? Com 31 anos propus-me a liderar o CDS e estou a dar a cara com todos eles nas televisões todos os dias a dizer cobras e lagartos de mim. “Cadelas apressadas parem filhos cegos”. Sabem de quem é esta frase?
António Pires de Lima, no Expresso.
Tenho medo de quem? Do Nuno Melo? Por amor de Deus.
“Não podemos ter peixeirada como aquela que estamos”
A decisão de adiar as internas foi tomada antes de conhecida a data das legislativas. As eleições legislativas foram marcadas para 30 de janeiro. Porque é que não há tempo para fazer um Congresso do CDS?
Todos os partidos políticos têm de apresentar listas daqui a seis semanas. Gastar três semanas, metade deste tempo, com guerras internas, com esta escalada de violência de agressão verbal, a que Nuno Melo e os seus apoiantes votaram o partido, é fazer um frete ao PS. Neste momento, devíamos estar todos empenhados em construir o programa, definir a estratégia eleitoral, num clima de pacificação interna e de conciliação, darmos o nosso melhor para falar ao país.
Se o PSD consegue fazer eleições internas, porque é que o CDS não consegue? Qual é diferença entre os dois partidos?
Como sabem, o próprio presidente do PSD queria adiar eleições internas. O Conselho Nacional teve outra interpretação. Agora, o Conselho Nacional do CDS achou que fazia mais sentido dedicar-nos exclusivamente a construir esta alternativa, o programa, bons protagonistas, a adquirir financiamento e a virar o partido para fora. E não desperdiçar tempo. Na situação em que está, o CDS não pode continuar virado para si próprio. Gastar três semanas com guerras internas é um absurdo. É uma questão de bom senso. Estarmos todos divididos, com ameaças, com degradação do ambiente interno, para depois o quê? No final de novembro, temos o Congresso e esta debandada toda ir acontecer na altura? Alguém acha que estes problemas todos ficariam resolvidos no Congresso? Ouço-os dizer: ‘Vamos a votos e quem ganhar ganhou e quem perder respeita’. Porque é nunca fizeram isso desde que fui eleito? Agora, é que vão todos respeitar o veredicto do Congresso? O que eles queriam fazer era criar este caos daqui a um mês. O partido não estava em condições de suportar uma coisa destas.
Já vimos que o PSD tem eleições a 27 de novembro. O Livre vai realizar primárias até 28 de novembro. O Chega tem congresso a 28 de novembro. A Iniciativa Liberal tem eleições a 11 de dezembro. Todos conseguem menos o CDS, é isso?
Não: o CDS tomou uma opção diferente.
Os outros tiveram falta de bom senso?
Não comento a vida dos outros partidos, comento as decisões do CDS. Primeiro ponto: não é uma decisão do Francisco Rodrigues dos Santos — é uma decisão do Conselho Nacional do partido, que teve 60% dos votos a favor do cancelamento do Congresso.
Posição que o líder e a direção do CDS abençoaram e patrocinaram.
Propusemos. Mas, antes disso, recebemos uma carta de 13 presidentes distritais mais o presidente da região autónoma dos Açores a pedirem o cancelamento do congresso. E, em função desta missiva que nos chegou, reunimos os órgãos do partido e convocámos o Conselho Nacional para deliberar sobre esse assunto — e o Conselho Nacional decidiu. Eu posso dizer: o CDS tem uma posição altamente diferenciadora na nossa democracia. Enquanto os outros partidos estão a discutir internamente quem são os seus líderes, o CDS está virado para fora. Na situação em que está o nosso partido, não nos podemos comparar com os outros, temos de olhar em frente. Não podemos desperdiçar três semanas em guerras para depois termos um partido ainda mais esfrangalhado depois de uma peixeirada como aquela que estamos a ver desde que Nuno Melo aceitou ser candidato. O CDS mostrou responsabilidade.
“Para os meus críticos, eu não passo de um usurpador”
Usou a expressão “peixeirada” e há pouco falou na “escalada verbal”. Mas sabe quem disse esta frase: “Sei bem do terrorismo que vocês conseguem criar na comunicação social. Da falta de vergonha que têm”.
Fui eu que disse.
Acha que isto é combater uma “escalada verbal” e contribuir para a pacificação do partido?
Eu disse essa frase no Conselho Nacional do CDS. E é lamentável que declarações do Presidente do partido feitas dentro de casa saiam para fora. Há logo ali uma violação de um princípio de lealdade institucional — que, de resto, acontece desde que fui eleito presidente. Aquele grupinho…
Acontece em todos os partidos, talvez só não no PCP.
O facto de ser uma prática que está democratizada nos partidos não faz com que deixe de ser censurável do ponto de vista ético. Com essa declaração, quis pôr cobro a uma escalada de violência na comunicação social que procurava condicionar os órgãos do partido e acusar a minha direção dos maiores impropérios por ter tido o discernimento de remeter aquela decisão para o Conselho Nacional.
A questão aqui é a linguagem. No Conselho Nacional, também se referiu aos seus críticos como “calimeros”, “luminárias” e “virgens ofendidas”. O ponto é se está a cumprir aquele que entende ser o seu papel, que é o de evitar esta “escalada verbal” ou se está a contribuir para ela.
Ainda assim há uma grande diferença. Aquilo que dizemos dentro de casa é num foro restrito. E eu permito excessos de linguagem num Conselho Nacional desde que fiquem num ambiente controlado. E eu aí, no Conselho Nacional, confesso que levei um bocadinho mais longe a linguagem tradicional que uso, sobretudo fora do partido. É verdade que o fiz. Mas foi porque ouvi dos maiores impropérios possíveis. Ouvi apoucarem a idade que tenho, chamarem-me garoto, dizerem que não tenho pedigree para ser presidente do CDS, que sou um inútil… Se as pessoas soubessem aquilo que tenho suportado por ser presidente do CDS nas circunstâncias em que herdei o partido, sobretudo por ter contra mim, constantemente, aquele grupo restrito que se julgava dono do partido, se calhar percebiam melhor o contexto em que estas afirmações são feitas. De facto, concordo que não são declarações que acalmem o ambiente, é verdade. Mas estão inseridas num contexto e foram proferidas à porta fechada. Muitos dos que me criticam acham que eu nunca tive legitimidade para ser presidente do CDS. E não era um congresso que ia resolver este problema. Acham que eu não passo de um usurpador que não tem qualificações para exercer estas funções e que está aqui transitoriamente. Sempre fui vítima disso.
Queixa-se dessa falta de reconhecimento. Se fosse a votos num Congresso não resolveria de vez essa questão?
Não. O problema da minha legitimidade, na cabeça dessas pessoas, não se resolve com um novo Congresso, tal como não se resolveu com o Congresso de há dois anos. Já havia anúncios de debandadas que estão a acontecer agora. Depois de ter um bom resultados nos Açores, de ter um bom resultado nas autárquicas, de ter recuperado a dívida do partido, continuam a apoucar-me e a não me reconhecer como líder legítimo do partido. Era depois de um Congresso, com listas de deputados para fazer, que me iam reconhecer? O que estes senhores estão a fazer é uma tentativa de assalto desesperado ao poder para me tirarem de cena em véspera de legislativas porque a única coisa que os preocupa é evitar que eu alguma vez tenha a possibilidade de fazer as listas de deputados. Tenho de ser cru e duro na forma como digo isso. Porque não há nenhum choque de ideias, só há golpes, injúrias e impropérios à direção.
“Conselho Nacional de Jurisdição está a deliberar de forma irregular”
As próximas eleições legislativas são a 30 de janeiro. Em que dia acaba o seu mandato enquanto presidente do CDS?
Acaba no dia em que houver um congresso que eleja um novo líder.
Congresso que deve ser realizado de dois em dois anos.
Pode ser realizado de dois em dois anos, mas, no passado, já aconteceu não ter sido assim.
Mas é a primeira vez que acontece existindo dois candidatos à liderança, ou não?
Não sei.
É a primeira vez que é adiado quando há uma disputa de liderança. Reconhece que é diferente?
Filipe Anacoreta Correia, quando liderava o movimento Alternativa e Responsabilidade dentro do CDS, sempre afirmou que se a sua moção fosse a mais votada era candidato a presidente. Isto não é ser candidato? Essa ideia de que não havia candidatos é um absurdo. Porque os candidatos podem surgir. Aliás, todos os primeiros subscritores de moções de estratégia global podem ser candidatos e afirmar-se apenas em congresso.
Não acha que esta é uma situação diferente?
Acho diferente porque temos eleições legislativas — e é isso que desperta esta indignação feroz da parte dos meus adversários.
Nuno Melo anunciou que seria candidato antes de saber que ia haver legislativas antecipadas.
Pois. Nuno Melo já era candidato quando o Conselho Nacional decidiu antecipar o congresso — e na altura disse que não concordava com a antecipação.
Mas o ponto não é esse. Está a dizer que a candidatura de Nuno Melo existe para o impedir de fazer as listas de deputados. Mas, quando essa candidatura surgiu, não havia a perspetiva sequer de fazer listas de deputados porque não se previa eleições legislativas antecipadas.
Era sempre uma questão de listas: quem ganhasse o próximo congresso, lideraria sempre o CDS em legislativas, fossem antecipadas ou não.
Se o Conselho de Jurisdição der razão a um novo pedido de impugnação de Nuno Melo, considerando nulas as deliberações do último Conselho Nacional, admite fazer uma nova reunião para voltar a levar a votos o adiamento das eleições no CDS?
Sobre isso, não podemos ouvir Nuno Melo repetir falsidades e não ser interpelado. O Conselho Nacional de Jurisdição fez coisas ao arrepio da lei e neste momento está a deliberar de forma irregular. Tem dois membros apoiantes de Nuno Melo…
… tem três: um deles é seu apoiante.
Essa situação ainda está por confirmar, mas ainda dá mais razão ao argumento da irregularidade do órgão. Temos no Conselho Nacional de Jurisdição uma advogada de Nuno Melo, que é membro da sua distrital; temos o presidente do plenário concelhio de Oeiras; e temos, alegadamente, um membro que pode ser da regional dos Açores. Isto vai contra a Lei dos Partidos e os estatutos do CDS. É um órgão irregular.
Não seria mais um motivo para que se fizesse um congresso e se elegesse um novo Conselho de Jurisdição?
Não é preciso um congresso para resolver este problema: basta que as pessoas que lá estão renunciem ao seu lugar. Ninguém pode ser obrigado a cumprir decisões de um órgão que delibera de forma irregular. E depois há este absurdo: se seguirmos este entendimento do Conselho Nacional de Jurisdição, que diz que os Conselhos Nacionais só podem ser convocados com oito dias de antecedência, então o próprio Conselho Nacional que antecipou o Congresso é nulo porque foi convocado com seis dias de antecedência.
“Não estou desesperado por nenhuma coligação pré-eleitoral com o PSD”
Acha que o CDS deve ir às legislativas em coligação com o PSD?
Essa é outra das razões pelas quais o CDS, em vez de andar a desperdiçar o tempo a fazer fretes ao PS, deve estar preocupado em definir uma política para ganhar as legislativas. Essa política pode abrir espaço a uma coligação pré-eleitoral com o PSD. Uma vantagem é o efeito psicológico e sociológico que isso teria no eleitorado. Noto que o povo do centro-direita procura uma unidade no seu espaço político. Outra vantagem é que o método d’Hondt favorece os grandes números e conseguimos eleger mais deputados. Finalmente, temos o histórico. Nas autárquicas demonstrou-se que os nossos dois partidos juntos conseguem ganhar eleições, derrubar a esquerda e governar em muitos sítios, alguns deles implausíveis. Mas não estou desesperado por nenhuma coligação pré-eleitoral com o PSD.
André Coelho Lima, vice-presidente da direção do PSD, disse que não quer uma coligação com o CDS. Rui Rio diz que não tem uma posição fechada. Paulo Rangel já disse que não quer. Faz sentido continuar a insistir nesta ideia?
Eu não estou a insistir. O PSD vai passar por um processo eleitoral interno. E depois terei, como presidente do CDS, de falar com o presidente do PSD. O atual presidente diz que não exclui essa possibilidade, que é a minha posição. Se Rui Rio não continuar como presidente do PSD, terei de conferenciar com Paulo Rangel. Se não houver coligação, faremos o nosso caminho autónomo. O CDS não está em standby. Eu queria começar já uma volta pelo país para dialogar com os portugueses e apresentar as nossas propostas.
Mas as únicas vitórias que tem a apresentar surgiram de coligações com o PSD.
Mais ou menos. temos que olhar para as vitórias à escala de cada um dos partidos. Acredito que aquilo que aconteceu nos Açores foi uma vitória para o CDS.
Não estou a dizer que não foi uma vitória. Só estou a dizer que as vitórias surgem com coligações com o PSD.
Nos Açores tivemos 6% e fomos governar porque tivemos votos e mandatos para isso.
A nível nacional, nas autárquicas, a sua média, quando concorreu sozinho, foi de 1,5%.
Como é que se diz que o CDS só vale 1,5% quando só foi sozinho em 99 concelhos? E, nesses, 99 concelhos, elegeu mais autarcas do que o Chega, a IL, o BE e o PAN juntos em todo o país. O CDS de Assunção Cristas também só teve dois e pouco por cento nos sítios onde foi sozinho nas autárquicas. É óbvio que o CDS tem votos e rende votos nas coligações. Além disso, ganhámos seis câmaras com maioria absoluta, nunca tinha acontecido.
São as seis câmaras que já vêm de trás e que tinham sido ganhas por aqueles que agora critica.
Mas eu não critico os meus autarcas.
Essas vitórias vêm das lideranças anteriores do CDS. Falando dos Açores: admite repetir a nível nacional a solução dos Açores, em que há um apoio parlamentar da Iniciativa Liberal e do Chega?
Devo é procurar que o meu espaço político, que é o do centro-direita, consiga governar sozinho. Admitir esse cenário é, logo à partida, uma situação de enorme fragilidade.
Mas os portugueses, e os eleitores do CDS, têm de saber com o que contam.
O que quero dizer aos eleitores do CDS é: para evitar soluções como a dos Açores, votem no CDS.
Mas, se for necessário repetir a solução, sim.
Isto não pode ser visto em abstrato. Depende do que estiver no acordo de incidência parlamentar.
Mas, em teoria, não afasta a hipótese.
Em teoria, é uma solução que dependerá sempre dos arranjos parlamentares e do seu conteúdo. Não é uma situação que eu adore, como é evidente. Gostava que, à semelhança do que aconteceu no passado, que o CDS e o PSD juntos formassem uma alternativa que permitisse governar. Lutarei para que os outros cenários não aconteçam.
“Se entender que é um mau resultado para o CDS, colocarei o meu lugar à disposição”
Para acabar, uma pergunta de sim ou não. Tem dito várias vezes que nas últimas legislativas o CDS teve os piores resultados de sempre. Se não tiver mais de cinco deputados nas próximas legislativas demite-se?
Não podemos comparar situações incomparáveis. Há dois anos, nas últimas eleições, o CDS não tinha institucionalizados no Parlamento dois novos partidos a concorrer connosco. O resultado terá de ser avaliado. Não excluo essa hipótese.
Está conformado em ter um resultado ainda pior?
Claro que não.
Mas admite ficar se tiver um resultado pior.
Mas o que é um resultado pior?
É ter menos do que os cinco deputados que tem hoje.
Teremos de ver a evolução do quadro político e a nova correlação de forças do Parlamento. O meu objetivo é crescer.
António Costa já disse que se demite se não ganhar. Rui Rio disse a mesma coisa. Estávamos a tentar obter a mesma franqueza da sua parte.
A minha franqueza é esta: lutarei para que o CDS cresça nas próximas eleições. Em função do voto, farei as minhas interpretações. Se entender que é um mau resultado para o CDS, não estou agarrado ao lugar e colocarei o meu lugar à disposição. Mas não conto que isso aconteça.
[Veja aqui a entrevista a Francisco Rodrigues dos Santos na íntegra:]