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Quando foi lançada, em julho do ano passado, a Threads parecia feita para o sucesso. Em menos de cinco dias atingiu os 100 milhões de utilizadores e tornou-se na plataforma que mais rapidamente atingiu essa marca. Isto sem ter sido lançada na União Europeia, onde só chegou cinco meses depois. Neste momento, e após uma desaceleração no final do verão, tem mais de 130 milhões de utilizadores mensais ativos em todo o mundo. Mas não agrada a todos. Há quem diga que prefere “comer brócolos o dia inteiro” a utilizá-la.
Isto “num dia bom”, conta Dan Ives, da Wedbush Securities, ao Observador. Num dia mau, o analista prefere nem revelar a opção. Ives tem sido, desde julho, um crítico da Threads, rede social que utilizou apenas durante “seis ou sete horas” no dia em que foi lançada. Tempo suficiente para defender que a popularidade inicial seria “moda de curta duração” entre os que partilhavam um “sentimento anti-Musk e anti-Twitter” devido à incerteza vivida na aplicação sob a liderança do homem mais rico do mundo.
“I believe engagement over the next few months is going to go down significantly,” Wedbush’s @DivesTech says on $META Threads. “I get the hype — the anti-Twitter, [anti-Elon] Musk view — but I’d rather eat broccoli for the full day than be on Threads.” pic.twitter.com/yEUatnrbGc
— Yahoo Finance (@YahooFinance) July 10, 2023
Quase oito meses depois, e ainda que a plataforma desenvolvida pela Meta tenha novas funcionalidades, a opinião de Dan Ives não mudou. “A falta de engagement tem sido uma grande desilusão e qualquer entusiasmo inicial que tenha existido diminuiu”, diz. Por isso, a Threads é, para o analista norte-americano, o equivalente a “comer brócolos numa estação de serviço na autoestrada”.
Na minha opinião, a aplicação é um fracasso no modelo atual”, o que leva a que existam “mais hipóteses de jogar na NFL do que de utilizar a Threads”, afirma.
A Threads foi só uma “paixão de verão” ou conseguiu afirmar-se como alternativa ao X?
No primeiro dia de fevereiro, durante a apresentação das contas do quarto trimestre e quando revelou que a Threads contava com 130 milhões de utilizadores mensais ativos, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, afirmou que a plataforma assente em publicações de texto está a “crescer de forma constante”, contando “agora com mais pessoas a usá-la ativamente” do que “no pico inicial do lançamento”. “Acho que está num bom caminho para ser um grande sucesso.”
Às declarações de Zuckerberg seguiram-se os números avançados pela Appfigures, citada pelo TechCrunch, que estimou que os downloads da Threads tenham triplicado em dezembro. A rede social ocupou nesse mês o sexto lugar das aplicações mais descarregadas na App Store e na Play Store, somente atrás de Instagram, Facebook e WhatsApp (outras três plataformas da Meta) e TikTok e Capcut (ambos propriedade da chinesa ByteDance). O rival X, antigo Twitter, ficou em 36.º lugar.
Os números atuais parecem seguir o “entusiasmo” inicial de julho, mas contrastam com os que foram divulgados em agosto. A Similarweb, de acordo com dados partilhados pelo Gizmodo, estimou que, no primeiro dia desse mês, a plataforma tivesse 9,6 milhões de utilizadores diários ativos e que o tempo médio que passavam na aplicação era de 2.3 minutos, valor que contrasta com o “pico” de 14 minutos registado a 6 de julho.
Antes de ser registada uma quebra na utilização, John Wihbey, professor de Jornalismo e Inovação de Media da Northeastern University, em Boston, já avisava, em declarações ao Observador em julho, que a Threads precisava de provar que a “atenção inicial” não era apenas “uma paixão de verão” se quisesse rivalizar com o X. Agora, novamente ao Observador, admite que a “curto prazo” se tratou de uma “espécie de aventura de verão”, que deu lugar a uma “desaceleração”. Com a nova subida dos números, considera que é possível que “estejamos a ver o começo de um segundo romance”.
Utilizador “ocasional” da Threads, John Wihbey afirma que a rede social beneficia de “estar ligada ao universo Meta, especificamente ao Instagram”, e de ter “muitas ferramentas que o X tem”, mas uma “segurança e moderação de conteúdos mais robustas”. É isso que, acredita, pode, eventualmente, torná-la “mais atrativa” do que o antigo Twitter, de Elon Musk.
Se o professor norte-americano admite a possibilidade de a rede social da Meta rivalizar com o X, que em setembro contava com cerca de 225 milhões de utilizadores ativos diariamente, o analista Dan Ives discorda: “Não é uma boa alternativa. Os que não gostam de Elon Musk querem que tenha sucesso, mas foram apenas 48 horas de um entusiasmo que se perdeu ao longo do tempo”. “É uma experiência falhada que teve alguma tração inicial”, reitera.
O que mudou na Threads ao longo dos últimos meses?
A Threads foi lançada a 5 de julho na maior parte do mundo e chegou à União Europeia em dezembro. Desde o começo que a conexão com o Instagram é “chave” para a plataforma, uma vez que permite que os utilizadores importem a biografia, a fotografia de perfil e as páginas que seguem nessa rede social mais antiga. Apesar disso, o analista Dan Ives nota que existem “muitas contas dormentes”. Ao abrir a aplicação é possível verificar que, por norma, as primeiras publicações que aparecem no feed já têm mais de 15 horas.
Ao longo dos últimos meses, a Threads, liderada por Adam Mosseri, que também é CEO do Instagram, tem anunciado várias mudanças na aplicação para tentar satisfazer os pedidos dos utilizadores. Uma das críticas mais frequentes aquando do lançamento foi o facto de ser proibido apagar a conta sem perder automaticamente a do Instagram. Entretanto, a rede social passou a permitir eliminar o perfil, uma decisão que pode ser revertida durante os primeiros 30 dias, sem que seja necessário abdicar de qualquer conta noutra plataforma da Meta.
Threads, o rival do X feito pela dona do Instagram e Facebook, chega à União Europeia
O feed, que misturava publicações de contas que o utilizador seguia e outras recomendadas, dividiu-se em dois. Tal como acontece no X, uma das páginas apresenta recomendações com base num algoritmo e a outra apenas os conteúdos de páginas que o utilizador segue. A versão web da Threads, que anteriormente só deixava ver publicações, já permite fazer login, deixar gostos ou comentar posts.
Passou a ser possível editar publicações, até cinco minutos depois de serem publicadas, e partilhar pensamentos/ideias em áudio e não apenas por escrito. A pesquisa também ficou disponível, inicialmente apenas em países de língua inglesa e espanhola, mas entretanto já chegou a Portugal.
As hashtags também surgiram, mas foram nomeadas de “tags”. Podem ter mais do que uma palavra (até frases inteiras), mas só pode existir uma por post. O conhecido símbolo # não aparece junto às palavras, que ficam apenas a azul. Pelo que o Observador conseguiu perceber ao utilizar a aplicação, raras são as pessoas que usam esta funcionalidade. John Wihbey acredita que é “muito confuso” para os utilizadores que “tenham sido lançadas as hashtags sem o símbolo que as caracteriza”.
O professor de Jornalismo e Inovação de Media da Northeastern University, que durante a conversa com o Observador chegou a confundir-se e a achar que estava na app da Threads quando estava, na realidade, a navegar no X, acredita que as alterações são, na sua maioria, positivas porque “mostra que [os responsáveis da Meta] estão a prestar atenção” ao que os utilizadores pedem. “Se há uns anos alguém me mostrasse esta aplicação, eu iria pensar que era o Twitter”, mas, continua, ainda faltam funcionalidades como mensagens diretas e a possibilidade de traduzir publicações.
Mais recentemente, esta quinta-feira, o responsável pela Threads, Adam Mosseri, revelou que a plataforma começou a testar a possibilidade de os utilizadores guardarem publicações para verem mais tarde, algo que é possível fazer no Instagram. Ao anunciar a nova funcionalidade, perguntou aos que o seguem que “outros recursos” gostariam que chegassem à app. “Tendências”, como aquelas que existem no X com os tópicos mais populares do dia, foram as mais pedidas.
No final do ano passado, a Threads tinha revelado estar a trabalhar nessa ferramenta, mas até ao momento não foi avançada uma data para o lançamento oficial.
A chegada à União Europeia e o futuro no fediverso
A Threads lançou-se na União Europeia em meados de dezembro. A Lei dos Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês), que proíbe as empresas de darem preferência aos seus produtos em detrimento dos produtos das outras companhias, foi apontada como responsável pelo atraso na chegada à Europa. Para entrar no mercado europeu, teve de deixar de ser obrigatório ter uma conta de Instagram para aceder à Threads. Passou a ser possível entrar sem iniciar sessão, mas essa opção apenas permite ver conteúdos (não dá para deixar comentários ou gostos).
O número de utilizadores que a Threads tem na Europa, e especificamente em Portugal, não foi revelado pela Meta. O Observador questionou a empresa, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo. Ainda assim, o professor John Wihbey defende que o facto de “os europeus agora terem acesso à plataforma” ajudou a “aumentar o número de utilizadores mensais ativos”.
A Lei dos Mercados Digitais estabelece também a obrigatoriedade de as plataformas interoperarem com a concorrência. O WhatsApp, por exemplo, deverá receber um novo separador que será dedicado a conversas de outras aplicações, como o Telegram, para as quais será possível enviar mensagens diretamente. Para a Threads, a Meta já está a testar a integração do fediverso, ou seja, a possibilidade de os utilizadores interagirem uns com os outros em diferentes plataformas da mesma forma que fariam numa só.
“O nosso plano é tornar a Threads parte do fediverso, uma rede social aberta de diferentes servidores operados por terceiros que estão associados e podem comunicar entre si. Cada servidor opera de forma independente, mas é capaz de comunicar com outros que executem o mesmo protocolo. O nosso plano é que a Threads utilize um protocolo chamado ActivityPub para comunicar com outros servidores que suportem este protocolo”, detalhou a Meta numa publicação partilhada no “centro de ajuda” do Instagram.
Entre “toots” e “boosts”, pode o Mastodon ser mesmo uma alternativa europeia ao Twitter?
Há cerca de dois meses, Adam Mosseri, responsável pela Threads, revelou que tinha sido dado “um pequeno, mas importante, passo ao permitir que pessoas (…) que não usam a Threads ou tenham uma conta no Instagram”, conseguissem seguir o seu perfil e “outros” em diferentes plataformas. Afirmou ainda que o objetivo, no futuro, passa por “disponibilizar essa opção a todas as contas públicas” na rede social.
Estamos a começar aos poucos para garantir que teremos tempo para superar todos os desafios, já que historicamente os nossos sistemas não foram desenhados com este uso em mente”, continuou o CEO do Instagram.
Tal como destacou Adam Mosseri, o teste feito com a sua conta de Threads foi histórico, uma vez que a Meta, até ao momento, não tinha permitido a interoperabilidade com plataformas fora do seu universo, como é o caso do Mastodon. A nova ferramenta vai ser implementada “em etapas” e deverá demorar mais “de um ano” até que fique totalmente disponível.
Em declarações ao Observador, John Wihbey defende que “a entrada no mercado europeu, conseguir aceder sem uma conta de Instagram e a integração com o ActivityPub” são o reflexo de “tempos muito promissores” para a Threads. Ainda assim, recorda que o primeiro teste da Meta no fediverso decorreu com “contratempos” e problemas técnicos. Isto porque, detalha a Wired, quando as pessoas tentavam ver os posts de Adam Mosseri no Mastodon, nada aparecia.
Bluesky deixa de ser só para quem tem convite. É uma nova concorrente para a Threads?
Nos meses que se seguiram à compra de Elon Musk do Twitter, que entretanto foi renomeado de X, várias apps alternativas foram criadas com o intuito de rivalizar e receber utilizadores que estavam descontentes com a incerteza sentida face à liderança do empresário, que despediu mais de metade dos trabalhadores, incluindo parte da equipa de moderação de conteúdos, e viu um êxodo de anunciantes. A Bluesky, lançada em fevereiro de 2023, foi uma dessas plataformas.
Para entrar na Bluesky era preciso um convite, o que levou a que chegassem a ser leiloados no eBay por valores que rondavam os 200 e os 400 dólares. No início desta semana, a empresa anunciou que abandonou esse sistema e ficou disponível, pela primeira vez e no mês em que faz um ano, a um público mais amplo.
Na rede social X, uma das concorrentes, a Bluesky partilhou que após abrir a plataforma a um público mais amplo passou a contar com mais de 4 milhões de utilizadores. Só no dia em que fez o anúncio ganhou mais de 850 mil novos utilizadores. Nas 24 horas seguintes, foram feitas mais de dois milhões de publicações.
After opening access yesterday, Bluesky has crossed 4M users! ????
• 850k+ new users have signed up
• Averaged 8.5 new accounts/second
• 2M posts were created in the last 24 hoursSign up for Bluesky here, no invite code required: https://t.co/xjTBYE9oOJ pic.twitter.com/vDB4pdnERy
— bluesky (@bluesky) February 7, 2024
Um dia após o anúncio do fim dos convites, John Wihbey, da Northeastern University, em Boston, viu a CEO da Bluesky, Jay Graber, numa conferência. “Não falei com ela, mas ouvi tudo o que disse no palco. Sabia que ela era impressionante e pensei que teve uma boa abordagem porque estava a admitir que tinha cometido erros ao longo do tempo”, afirma, sem dar mais detalhes.
No entender do professor, “a grande vantagem que a Threads tem é o facto de ter todo o poder de marketing da Meta e uma integração com o Instagram”. A Bluesky “pode ser uma alternativa muito interessante”, mas “será muito difícil competir com a Threads porque não tem os recursos necessários” para enfrentar a empresa liderada por Zuckerberg.