A Tia Cátia recebeu a equipa do Observador em sua casa vestida de vermelho e com brincos em forma de árvore de Natal. Caso ainda restassem dúvidas sobre a época em que estamos, passámos a tarde numa cozinha decorada de acordo com a quadra onde as bolachas se misturavam com o cenário. Umas, decoradas e empacotadas para o vídeo que íamos fazer. Outras, reservadas num frasco de vidro, pronto para ser aberto, mas onde só cabia uma mão de cada vez. “Estas bolachas estão aqui para vocês, comam mais, queridos.”
Na verdade, a anfitriã chama-se Cátia Goarmon. Uma mãe de família a trabalhar em marketing que, como tantas outras pessoas, perante um desemprego inesperado aos 42 anos, mudou radicalmente de vida. A diferença, no seu caso, é que a mudança de carreira a levou para os ecrãs de televisão. Há nove anos inscreveu-se no programa Masterchef em busca de um curso da prestigiada escola Le Cordon Bleu, mas um acidente atirou-a para fora da competição já na reta final. Contudo a semente estava lançada, e quando a Fox a desafiou para um teste de imagem nasceu o programa “Os Segredos da Tia Cátia”, que pode ser visto no canal 24Kitchen. Quase uma década volvida o resumo é este, mas muito mais aconteceu pelo meio e é a própria Tia que nos vai contar. Não há problema em tratá-la assim, afinal para a família já é tia desde os nove anos, e para o resto do público, já nem a conhecemos por outro nome.
O Observador desafiou a Tia Cátia a mostrar como se faz uma casinha de biscoito. Feito um vídeo e umas quantas fotografias, a acelerada e eficiente Tia Cátia ficou, finalmente, disponível para a nossa entrevista. Encostadas ao balcão, porque explica que é assim que está acostumada a estar, e com o cheiro doce de uma cozinha natalícia, falámos sobre tradições de Natal, o menu da consoada que é sempre aprovado pela mãe (do seu bacalhau verde ao pato que está a pensar introduzir este ano), o projeto familiar que está a desenvolver, porque o filho mais velho também é cozinheiro, e as lições que a vida lhe tem ensinado.
Entrámos na cozinha da Tia Cátia para fazer uma casinha de biscoito de gengibre
Na cozinha da Tia Cátia
Estamos na cozinha da tia Cátia. O que é que se passa aqui, nesta cozinha, que agora está toda natalícia.
Esta cozinha respira Natal, não é? Natal, brilhantes e glitters e… não se aguenta. Sou pirosérrima. Então é assim, nesta cozinha, cozinha-se não só para a consoada como para o dia de Natal. Nós, por acaso, temos o costume de dividir tarefas, que é como quem diz, eu divido as tarefas. Atribuo quem é que faz o quê. Cada um tem a sua especialidade. Quando vamos no dia 24 à casa da minha cunhada, ela faz sempre um borrego. É tradição da família fazer-se o borrego. Eu levo sempre um bacalhau. É um bacalhau que os miúdos gostam, porque é um bacalhau com coentros, com broa… É “o bacalhau verde da tia Cátia”. Já faço há anos e até confesso que já estou um bocadinho enjoada do bacalhau, mas tem que ser. É um must-have. E faço também sempre puré de maçã, puré de castanhas. Faço os acompanhamentos, que fazem toda a diferença.
E quanto aos doces?
Não faço rabanadas para a casa da minha cunhada, porque a minha sogra faz umas rabanadas incríveis e eu não quero competir com ela. Mas depois, no dia 25, em minha casa, faço o peru, faço as rabanadas, faço as ervilhas que a minha mãe costumava fazer, o puré de castanhas, o puré de maçã, o arroz árabe, faço o bendito do bacalhau, outra vez, tem de ser. Somos muitos.
Quantas pessoas se sentam na sua mesa de Natal?
Bom, na realidade nós vamo-nos sentando, porque não cabemos todos. Entre 30 e 35. Às vezes vai às 40, porque depois já há sempre aqueles que trazem “apêndices”, ou que são os amigos dos amigos que vêm cá ter. Portanto, como eu costumo dizer, o estabelecimento abre às 19h00 e depois fecha quando já não houver clientela. Às vezes até temos que correr com eles.
Voltando às sobremesas…
Faço sempre as rabanadas, que adoro, faço a encharcada de ovos, que é incrível. Faço sempre um bolo de chocolate. E depois, os meus irmãos trazem outras coisas. A minha irmã Filipa faz sempre o bacalhau espiritual e um arroz doce. A minha irmã Chinha faz uma mousse de chocolate e faz uma coisa que é muito típica, que são bifinhos com natas e cogumelos. Os meus sobrinhos mais velhos, que têm agora 41 anos, quando eram pequeninos, não gostavam do bacalhau e a minha irmã fez sempre bifinhos com natas e cogumelos. Tornou-se de tal maneira típico que hoje em dia é tradição na família, como comer o bacalhau. Cada família tem a sua tradição. Não há uma tradição universal.
Dessas 30 a 40 pessoas tem que atender a pedidos especiais? Os que são intolerantes à lactose, os que não comem carne…
Normalmente, não é pelo que eles não gostam, é pelo que eles mais gostam. E graças a Deus não há assim grandes intolerâncias. A cozinha é feita de memórias e como todos eles têm as memórias de todos estes pratos, querem comer de tudo. Eles cresceram nesta família. Tudo tem que lá estar. Agora vamos tendo novas entradas.
Há um menu obrigatório todos os anos ou há novidades que vão aparecendo?
Não, as minhas irmãs têm que cumprir com o que é delas. O bacalhau espiritual e os bifinhos com natas e cogumelos. Eu sou a única que posso inventar.
Porque tem o estatuto de cozinheira oficial da família?
Não, porque sou a mais nova.
Também é a rebelde?
Sim. O meu irmão, normalmente, é o que traz os queijos e os vinhos. É a cena dos pacotes.
E à sua mãe, o que é que calha?
À minha mãe calha descansar. Durante muitos anos, a minha mãe fazia uma grande parte. Eu fazia só o bacalhau. Mas há uns anos adquiriu o estatuto, com a idade, de estar sossegada. Pergunto-lhe sempre se está tudo bem. E ela diz que está ótimo.
Há uma aprovação prévia?
Tem que haver. Submeto o menu e tem de haver uma aprovação. A mãe continua a ter que aprovar. Sou a mais nova, mas eles respeitam imenso.
As refeições de Natal são uma celebração de quem se junta à volta da mesa, mas também se recorda quem não está. Tem algum sabor na sua mesa de Natal que celebre para as pessoas que já não estão?
Sim. Nós continuamos a manter muito a mesma tradição, que é o dia 24 fazermos fora de casa. Durante toda a vida era em casa dos meus tios, da irmã da minha mãe, éramos muitos, e depois, o 25 [de dezembro] era sempre em casa dos meus pais. Agora não é em casa dos meus pais porque o meu pai morreu quando eu tinha 18 anos, portanto já foi há muitos anos, e a minha mãe está mais velhota, logo não vamos para lá. Eu adotei esse dia e continuamos a estar os irmãos todos juntos, somos quatro, com a minha mãe. Depois vêm também os meus cunhados, irmãos do Francisco, os meus sogros, os meus filhos, os meus sobrinhos, e daí sermos rapidamente trinta e cinco, quarenta. Claro que nos lembramos de todos aqueles que não estão, mas por isso mesmo estamos e estamos felizes, porque eu acho que se respeita os que partiram se estivermos bem e honrarmos esta vida, que temos aqui. Porque não faz sentido estarmos mal quando há quem não esteja, de todo.
Quais são para si os sabores que trazem memórias na bagagem? Nomeadamente no Natal.
Nós sempre abrimos os presentes só no dia 25 de manhã. Acordávamos e íamos à sala porque o Pai Natal tinha lá estado e tinha-nos deixado os presentes. Era mágico. E o que eu me lembro muito era dos pequenos almoços, uma tradição que eu continuo a ter com os meus filhos. E depois, das tais ervilhas da minha mãe, do puré de castanhas, do puré de maçã, do arroz. É incrível, porque eu continuo a reproduzir tal e qual. O bacalhau talvez tenha sido uma entrada mais tardia neste aspeto, porque em casa da minha tia fazia-se o bacalhau cozido, mas nós não achávamos piada nenhuma. Agora começo a pensar que já não vou para a nova porque começo a ter saudades disso. É mau sinal, quando se começa a gostar de bacalhau cozido com couves…
O seu trabalho é cozinhar. E quando chega o Natal vai cozinhar outra vez. Não se importa?
Chego a casa depois de ter estado um dia inteiro a cozinhar e se não tiver sopa vou fazer. Continuo a ter uma família, continuo a ter que alimentar esta gente. Porque é uma coisa que eu faço naturalmente e com prazer. Uma das coisas que eu deixei de fazer é comprar presentes. Pronto. Para mim, a troca do presente rouba tempo e cria alguma ansiedade. Depois falei com os meus irmãos e com os meus cunhados e definimos que não havia presentes de Natal. Cada um dá aos seus filhos no seu cantinho. É incrível. É tão mais leve. Normalmente faço bolachinhas e faço coisinhas e compotas, porque gosto de fazer. Mas não quero receber nada de ninguém, nem me obrigo a dar nada a ninguém. Dou durante o ano. Foi tornar o Natal aquilo que é na sua essência. A única coisa que nós partilhamos é emoções. Não há partilha de presentes, o presente é estarmos presentes.
De “agente do Noddy” a cozinheira da televisão e empreendedora
Cátia Goarmon gosta de dizer que era “agente do Noddy”. Ou seja, trabalhava em licenciamento e, se alguém quisesse alguma coisa com a imagem do boneco tinha que passar por ela para aprovação. Aos 36 anos decidiu regressar aos estudos, para aprofundar os conhecimentos em marketing, porque na altura achava que este seria o seu futuro. Em 2014, inscreveu-se no Marsterchef numa edição do concurso na TVI e a experiência já estava a ser desafiante quando, numa prova em Sevilha, partiu um braço e deixou a competição. Chorou, questionou, desesperou, e tal como aquelas receitas que parecem não sair bem e acabam por se tornar uma versão desconstruída, mas à mesma bem saborosa, acabou por ser a televisão a ir ter com ela e assim nasceu o programa “Os Segredos da Tia Cátia”, que já conta várias temporadas. Em 2022 lidou com um cancro da mama, e em 2023 o desafio está a ser um projeto familiar à volta dos tachos, claro, e, sobretudo, das experiências que a cozinha pode proporcionar.
Como é que aconteceu o “chamamento” para a cozinha?
Toda a vida cozinhei e gostei de cozinhar. Sempre. Eu não me lembro nunca na vida ter comprado um bolo para os anos dos meus filhos. Sempre cozinhei e aos 42 anos fiquei desempregada. Trabalhava em marketing e comunicação. Eu era agente do Noddy, do Nickelodeon, Star Wars, Senhor dos Anéis… E em 2014 fiquei desempregada. “E agora, o que é que eu vou fazer?” E havia uma crise incrível. Pensei, “vou ter que me fazer à vida”. Vou ter que fazer outra coisa que não seja só marketing. Eu tinha voltado a estudar aos 36 anos, marketing, a achar que seria a minha vida. É o que é.
Se acredita que a vida é uma construção, de alguma coisa terá servido, ou não?
Claro que sim. Eu comecei a trabalhar aos 20 anos como delegada de informação médica e aqueles quilómetros todos que eu fazia e aquelas esperas intermináveis para depois em três minutos ter que convencer alguém que aquele produto que estava ali a vender é o melhor. Isso é ouro. É uma escola. Já fiz muita coisa. E uma das coisas que eu dizia muitas vezes quando estava a trabalhar com pessoas menos simpáticas era: “Se me chateiam muito eu vou para casa fazer croquetes, eu não estou para aturar isto, eu sei fazer outras coisas”.
E, então, concorri ao Masterchef, porque o primeiro prémio era um curso de cozinha na Le Cordon Bleu. Se queria trabalhar na área da cozinha, eu já vinha tarde, porque os miúdos começam aos 15, 16, 17 anos. Para mim, aos 42 anos, não bastava dizer “lá em casa dizem que eu cozinho muito bem”. Não dava e também não tinha dinheiro para ir fazer um curso para a Le Cordon Bleu, para Paris, ou para Madrid. Então, concorri ao Masterchef por causa do primeiro prémio. Eram 15 semanas e eu na 13ª caí e parti um braço.
Será que foi a sua sorte? Já pensou nisso?
Eu acho que o meu caminho era na cozinha, mas não forçosamente na cozinha que eu achava que era, numa cozinha fechada. O meu lugar era na cozinha, sim, mas, se calhar, juntando toda a parte da comunicação que eu já tinha trazido de outras áreas, toda a bagagem. Quando caí, senti-me a morrer na praia, é horrível. “Então, mas eu não estou há dois meses e meio em casa…” Porque aquilo é muito violento, sais de casa, levas as tuas malinhas e vais para um sítio viver aquilo. Largas tudo, com um objetivo: é aquilo que eu quero. Achava sempre que podia sair para a semana e quando ligava para casa dizia: “meninos, olhem, a mãe vai ficar mais uma semana”. Eles estavam super contentes, a achar que a mãe vai ganhar isto.
Que idade é que eles tinham na altura?
O António tinha 10, 11 e o Manel 17. Foi nessa altura que ele chumbou por faltas. Quando eu cheguei [a casa] estava tudo um caos.
Esteve mesmo dois meses fora de casa?
Sim. Sem vir a casa mesmo. Tínhamos 10 minutos por dia para falar ao telefone. É violentíssimo.
Quando saiu do programa, o que é que pensou?
Quando saí, pensei, “pronto, estou tramada”. E então pensei, “olha, pronto, não era por aqui”. Lembro-me de estar no hospital lá em Sevilha [onde teve o acidente] e pensar: “Isto tem uma razão de ser, mas eu não consigo neste momento ver”. Só chorava. “Como é que é possível? Por que é que isto me está a acontecer?” Fui operada e, passado um mês de estar em casa, recebi um telefonema da Fox a dizer que estavam a fazer um casting e queriam fazer um teste de imagem, para ver qual era a minha desenvoltura com as câmaras. Entretanto o Masterchef já estava a passar [na televisão]. Pensei: “Isto é o que tiver que ser, porque enganas algumas pessoas durante algum tempo, não enganas toda a gente durante todo o tempo”. E assim foi, fiz o primeiro teste de imagem, assim como estou aqui convosco.
Como é que foi? Porque nós olhamos para si e parece tudo muito natural.
O meu pai dizia que era “descontração e estupidez natural”. Vou ser o que sou. Não vou construir nada. Tu não constróis em meia dúzia de dias ou de meses aquilo que uma vida inteira foste. Se correr bem, é para a vida, se não correr bem, também não é para aqui.
Sentiu-se confortável rodeada de câmaras?
Para mim é um trabalho. Não penso: “Ai que bom estou a aparecer”. É um trabalho como quando ia falar com médicos e era delegada, ou como quando ia a reuniões vender licenças do Noddy. O que eu estava a fazer era a vender receitas, a mostrar aquilo que eu sabia fazer. Ou partilhar, eu gosto mais dessa ideia de “partilhar receitas”. Depois comecei a gostar, porque sinto, porque sei e porque as pessoas que falam comigo partilham o que é que eu lhes transmito. No outro dia uma senhora veio-me dar um beijinho e disse-me: “Perdi o meu filho e o meu marido no espaço de 12 dias. Não faz ideia a companhia que me fez”. Ela disse: “Fez-me tanta companhia, transmitiu-me tanta paz” e eu pensei que não fiz esforço nenhum para fazer isto, é uma coisa que não me custa. Quando estou na cozinha, estou a pensar na minha família, não estou ali a fazer nenhum teatro, não estou a forçar nada, estou a ser eu. Portanto, se eu consigo fazer companhia a alguém, ajudar a alguém, sendo eu… Deram-te esta missão. E a equipa é fora de série.
Quantas pessoas fazem acontecer o programa da Tia Cátia?
São quase 30.
Tem o trabalho de 30 pessoas aos seus ombros, porque só a Cátia aparece.
Só eu é que apareço. E nós já gravámos 452 episódios.
É sempre a mesma equipa, desde que começou?
A primeira temporada não foi a mesma equipa, porque a ideia era ver se funcionava. A partir daí, passou a ser sempre a mesma equipa.
Todos a tratam por…
“Minha tia”.
Como é que nasceu a personagem da tia Cátia?
Apareceu de duas formas. Eu sou tia desde os 9 anos e era aquela tia porreirona que fazia as bolachas, que quando havia festas fazia os lanchinhos todos e os bolinhos e, portanto, sempre fui a tia. E depois, quando entrei no Masterchef, o Manuel Luís Goucha intitulou-me de “tia” porque eu morava em Cascais. Pronto. E quando comecei a gravar a primeira temporada, perceberam que eu, efetivamente, era tia por ser a tia. Toda a gente tem uma tia, porque uma tia é uma mãe com mais açúcar, é uma mãe mais doce. Entre a mãe e a avó. O meu filho António trata-me por “tia”. Mãe-tia e Tia-mãe.
Aos 36 anos foi estudar outra vez. Aos 42 mudou radicalmente de vida. Sabemos que também teve uma doença complicada nos últimos anos. É uma empreendedora, mas também é uma pessoa que gosta de desafios?
Gosto imenso. Venham eles. Fez ontem, dia 6 de dezembro, nove anos que eu concorri ao Masterchef. Incrível! Normalmente, nestes programas, tens alguma visibilidade durante algum tempo, depois a coisa apaga-se. E eu achei sempre que não se podia apagar, até porque uma pessoa tem contas para pagar. Portanto, fui sempre inventando e reinventando. Cada temporada que gravo, acho sempre que é a primeira e a última. Acho sempre que é a primeira porque fico nervosa e tenho aquela sensação de primeiro dia de escola, as borboletas na barriga e ver os amigos outra vez. E por outro lado, fico sempre com a sensação de que pronto, é a última. Porque isto tem que acabar um dia, não é? E não. E continuamos.
Mas eu tenho a noção de que é tudo muito efémero. Portanto, tens de construir e não podes pôr os ovos todos na mesma cesta. Quando fiquei desempregada foi isso que me aconteceu e aprendi com essa experiência, portanto hoje em dia faço muitas coisas de forma a que, se houver uma que não está a dar tanto, a outra está. Há sempre coisas para fazer. Continuo a servir jantares em casa de pessoas. Imagina que tu queres um jantar em tua casa. Eu vou à tua casa e cozinho. Tendo tempo, que às vezes não tenho. Levo tudo muito preparado porque eu gosto pouco de surpresas. Levo a coisa já mais ou menos organizada e faço logo algo de maneira a ser uma coisa que eu sei que vai correr bem.
Entretanto, tem dois filhos que já vimos consigo na televisão. O gosto pela cozinha foi uma coisa que nasceu também com eles, ou foi estimulado por si?
O Manel [que é o mais velho] foi para a cozinha porque chumbou por faltas. Estava no 11º ano e, portanto, a opção era ir trabalhar ou ir trabalhar. Não havia grandes hipóteses. Na altura, foi trabalhar para o restaurante de um amigo nosso. Era março e ele só voltava a ter aulas em setembro e tinha que fazer qualquer coisa. E ele adorou. Depois foi estudar para a escola de hotelaria. Adorou a área. O Manel, apesar de ser muito emotivo, é muito racional, portanto, tem uma parte muito comercial que eu acho que é muito boa na cozinha. Essa vertente mais racional da cozinha faz com que o negócio seja mais rentável. Nós temos um projeto de família, que estamos a começar e a desenvolver agora. Prende-se mais com a cozinha na área empresarial, como por exemplo, team building, workshops, catering. Nunca numa área de restaurante puro e duro.
Portanto, trabalham os dois juntos?
E trabalhamos os dois juntos. E super bem.
E funciona?
Sim, sim. Eu respeito muito aquilo que ele faz. E entrego muito. Eu não sei e entrego a quem sabe. E ele é ótimo na parte do marketing, embora eu tenha estudado marketing. Não sou propriamente a chefe, sou também a mãe, portanto, tenho que o deixar crescer. Às vezes percebo que a coisa não está a correr bem e penso: “Vais bater com a cabeça na parede, não vais, amor? Vais”, mas pronto. Também é importante. Não posso ser a mãezinha que está sempre lá. Bates. Pronto. É para ver como é que é. A mãe está aqui, vai-te apoiar.” E então temos este projeto em que somos os quatro. O António ainda está a estudar.
Também cozinha?
Não. O António não cozinha. Eu quando vou fazer, por exemplo, trabalhos, serviços, catering. Eu vou sempre com a família toda. O António ajuda a servir, o Manel cozinha, depois as minhas sobrinhas ou a minha irmã vão sempre quando eu preciso de ajudantes. Trabalhamos sempre, sempre em família.
O que sobra para o seu marido fazer?
O meu marido faz a parte toda de logística, que é incrível. É o meu suporte, o meu braço direito. Toda a parte logística e organização é o Francisco. Eu e o Manel cozinhamos e tratamos da organização conceptual, do projeto. O António ainda está um bocadinho a apanhar bonés, mas também é normal, tem 19 anos. É muito giro porque nos damos mesmo naturalmente muito bem e há respeito, que é muito importante. Deles para comigo e de mim para com eles. E cada um tem as suas valências. Por exemplo, se o Manel está a organizar um jantar, eu estou como ajudante só. Cada um tem o seu papel em algumas alturas diferentes. E portanto temos esse equilíbrio. É muito giro.
Sem ser na televisão e no seu projeto familiar que está construir, onde é que mais a podemos ver?
Tenho uma rubrica na TVI, no programa “Esta Manhã”, às quintas-feiras. E depois, mais coisas. Tenho um projeto para a rádio, mas não posso dizer muita coisa.
Os caterings e os outros trabalhos são através de uma empresa sua?
É. Sou eu. Eu não tenho agente, trabalho sozinha. As pessoas mandam-me um mail, que está no Instagram e pronto. E depois trabalho com muitas marcas já. Sou eu que faço tudo.
Continua a ir às compras para todos os seus trabalhos?
Sim. Eu, o Manel, o Francisco, entre nós, organizamos. Com a estrutura que nós estamos a criar, com o espaço que nós vamos criar, que em março já vai estar, vamos ter um local físico. Para já, o que nós fazemos é ir a espaços como, por exemplo, as cozinhas de Marvila, a WEAT, que é um espaço que tem também cozinhas, bancadas tipo Masterchef. É o que nós vamos fazer no nosso espaço, é precisamente ter dez estações em que, por exemplo, nós estamos aqui a fazer um prato. Ali está outra estação a fazer, por exemplo, sopa, bacalhau, peru. Cada um está na sua estação e depois, no fim, juntamos-nos todos numa mesa e comemos aquilo que estivermos a cozinhar. Dá para fazer coisas super giras, não só com pessoas que se inscrevam para fazer um workshop, como, por exemplo, team building para empresas. Há milhares de coisas para fazer. A única coisa que me preocupa é a falta de saúde. Porque se tu não tiveres saúde, não consegues fazer nada.
452 episódios, 1500 receitas e os rissóis de camarão de Júlio Isidro
O currículo de Cátia Goarmon já soma 452 episódios do seu programa. As contas são recentes e resultam em mais de 1500 receitas. A Tia Cátia regressou à sua cozinha no 24 Kitchen há poucas semanas para pôr em marcha uma nova temporada do seu programa e gravou 44 episódios, dos quais o primeiro é o especial de Natal de “Os Segredos da Tia Cátia” e pode ser visto na televisão a 21 de dezembro. Este ano vai partilhar com o público a receita do “bacalhau verde” que faz para o seu Natal e, por outro lado, experimentou um pato no forno que está seriamente a considerar acrescentar à sua consoada. Os restantes 43 só irão para o ar em março e 15 destes serão com convidados. Figuras como Joana Latino, José Figueiras, Toy, Ana Galvão e Júlio Isidro vão pôr as mãos na massa. Acabada a entrevista, a videógrafa de serviço pôs o braço no ar para uma última pergunta que, não só tinha uma história para contar como pôs a Tia Cátia a dar umas valentes gargalhadas.
Como é que a televisão mudou a sua vida? Sente que as pessoas a reconhecem na rua?
Durante a pandemia, quando tu achavas que estavas de máscara e ninguém te ia reconhecer, reconheciam-me pela voz. Eu sempre fui muito de falar com as pessoas. Os meus filhos odiavam ir ao supermercado comigo. “Mas porque é que a mãe tem de fazer conversa com a senhora da caixa?”. Agora é diferente, porque, realmente, as pessoas olham para mim e sorriem. As pessoas são muito queridas. Não me incomoda. No dia em que me incomodar, não vou à rua.
Disse que já gravou mais de 450 episódios do seu programa. Como é que se arranjam ideias para tantas receitas? Como é que é o seu processo?
Eu também não sei muito bem. A primeira temporada que gravei pensei: “pronto, está feito!”. Não vou lembrar-me nunca mais de 100 receitas, porque já era uma loucura. Porque foram 30 e não sei quantos episódios, vezes três, são quase 100 receitas. Depois veio a segunda temporada e pensei: “E agora?”. E de repente as coisas começam a surgir. Uma receita começa e depois de eu a fazer 10 vezes, ela já está noutra receita, portanto, já está outra coisa completamente diferente. É um processo super criativo. Neste momento eu já tenho uma equipa. Obviamente, que já não faço as receitas sozinha, já não as escrevo sozinha. Eu adormeço a pensar em receitas e acordo a pensar em receitas.
Por exemplo, sabes aquele pão incrível, que eu adoro, aquele pão alentejano que é escavado e que tem recheio de queijo maravilhoso? Então, no outro dia pensei: “Bora fazer a mesma receita e em vez de pormos bacon, vamos pôr bacalhau, em vez de pormos salsa, vamos pôr coentros…” e, de repente, tens outra receita. E em vez de fazermos em pão alentejano vamos fazer em pão de Rio Maior, de forma, e então já tens outra coisa completamente diferente, tens um pão de forma, escavado de Rio Maior com os bocadinhos ao lado com o bacalhau e ficou espetacular. Já tenho versão de carne, de peixe e bora fazer uma versão vegetariana. Pronto, é um bocado loucura, como dizia o meu pai. Tudo o que é tacho é muito fácil da coisa correr bem. Tudo o que é bolos, bolachas e coisas que vão ao forno e que têm aquele compromisso de tempos, é preciso testar.
O que é que acontece à comida do seu programa? Distribui pela equipa?
Sim. Nós já fizemos receitas tipo macrobióticas e vegetarianas e veganas e essas receitas, normalmente, não são tão requisitadas. Nós somos quase 30, portanto, nunca sobra.
Assim que se ouve “corta” vai toda a gente provar a comida?
Fazem os “beauty shots” e depois sim. Nunca sobra e quando sobra vai para o lanche. Também não faço imensa quantidade, normalmente faço coisas para 4 pessoas. Nós temos uma cozinha de apoio. Eu faço e há outra cozinha que faz exatamente o mesmo que eu.
Tem estado a gravar uma temporada nova com convidados e sei que um deles é o Júlio Isidro. O que cozinharam?
Tão querido! Normalmente os convidados dão as receitas deles ou então ideias de coisas de que gostam imenso. E com o Júlio Isidro foi um bocadinho difícil porque não sabia o que fazer. Fizemos um vol-au-vin de camarão. Achei que o Júlio Isidro teria idade para ser meu pai, portanto fui buscar o que é que se comia na época, o que é que os meus pais comiam na época em que tinham a minha idade. Lembro-me que lá em casa se fazia muito vol-au-vin de tudo. Ele [Júlio Isidro] gostava muito de rissóis de camarão, mas isso não temos tempo de fazer no programa. Uma coisa é estar sozinha, outra coisa é ter um convidado a quem tenho de dar toda a atenção possível, o protagonismo é dele. Então fizemos um vol-au-vin de camarão com o recheio do rissol.
Depois fizemos umas pataniscas, porque ele adora pataniscas e peixinhos da horta. Então fiz umas pataniscas de feijão verde que estavam incríveis. Para sobremesa fizemos um creme de leite aromatizado com laranja. Quando há convidados, ou realmente eles trazem receitas deles, ou então têm que ser receitas simples, porque a conversa é que faz sentido. No outro dia houve uma senhora que disse: “eu não gosto nada quando leva convidados ao seu programa” e pensei “porquê?”. “Porque não nos dá a devida atenção, só dá atenção ao convidado.” Que amor.
Como são escolhidas as pessoas que vão aos seus programas como convidados?
Às vezes é a produção que sugere, outras sou eu que sugiro. Por exemplo na temporada passada fiz um episódio com as minhas irmãs que estava amoroso. Também já gravei alguns episódios com a minha mãe. [Há convidados] em todas as áreas. É engraçado, até mesmo o público que vê o meu programa é super transversal. É engraçadíssimo. [Já me pediram] “posso tirar uma selfie consigo? Nem é para mim, é para o meu marido, que a adora”. Não tem maldade, não há ali qualquer tipo de conotação sexista. É tipo: “Olha, deixa estar, que assim ele aprende alguma coisa e ainda me vai fazer um jantarinho”.
O que é que vai ensinar as pessoas a fazer no episódio especial de Natal deste ano de “Os Segredos da Tia Cátia”?
O bacalhau verde que eu faço [para o meu próprio Natal]. Então resolvi fazer o mesmo conceito mas em bolinhas para ser uma entrada, tipo croquetes. Dá para fazer aproveitamento do bacalhau, faz-se um bacalhau com natas mas mais consistente e com muitos coentros, depois fazem-se umas bolinhas e passa-se por broa. Depois, eu acho que os fiz no forno… frito é sempre tudo muito melhor… De prato principal ou de prato de carne, fiz um pato assado no forno, que quero introduzir na minha ceia de Natal. Não rende muito e eu tenho que fazer coisas para render. Mas nem todas as famílias têm 40 pessoas, há famílias que são quatro. E então o pato fica ótimo assado no forno e é uma alternativa ao peru. De sobremesa fiz aqueles coscorões, que eu adoro. Por incrível que pareça, nunca tinha feito coscorões [no programa] e então fiz aqueles tradicionais fritos em óleo e cheios de açúcar e canela e como manda o figurino. Na realidade, eu já fiz para aí uns 15 Natais [em episódios especiais].
Fale-nos do desafio que o Observador lhe lançou: ensinar os nossos leitores a fazer uma casinha em biscoito decorada para o Natal. Tradicionalmente há a ideia de que a casinha se faz com biscoito de gengibre e o gengibre foi um ingrediente que se colou muito à sua imagem na televisão. Ainda é um ingrediente que usa muito?
Eu sou doida com gengibre. Ainda meto gengibre em tudo, na meia de leite e tudo. Eu sempre fiz bolachinhas de especiarias. Para mim ir comprar um pacote de bolachas é uma coisa um bocadinho estranha. Ou é a bolacha Maria ou a bolacha de água e sal ou então para mim não faz muito sentido, porque eu tenho sempre aquela ideia “eu também fazia isto em casa”. É terrível…
Este desafio, obviamente, foi logo aceite, porque eu gosto de desafios. Por outro lado, também gosto de partilhar com as pessoas que, às vezes, não é preciso ter muito jeito, basta querer e ter dedicação, porque as coisas podem não ficar incrivelmente perfeitas, mas ficaram feitas. Esta partilha, até o facto de estar a fazer isto com alguém, é tão engraçado. Estes momentos que eu sempre tive com os meus filhos, normalmente acabava sempre a fazer tudo sozinha, mas as memórias que isso lhes traz, faz com que eles sejam adultos mais meigos, mais empáticos, mais compreensivos e que sejam bons maridos. Porque, na realidade, a verdade é que um bom filho é um ótimo marido. Dizem, não sei. O trabalho de mãe nunca acaba.
Já tinha feito alguma casinha antes?
Talvez o ano passado ou há dois anos. Acho que mo pediram para a TVI. As bolachinhas faço sempre. Casinhas, na realidade, só quando me confrontam assim, com um desafio destes. Aquela coisa de ter de aprender a dizer que não, não sei se tenho, porque me dou melhor a dizer que sim.
Tem alguma receita que já tentou fazer imensas vezes e que nunca sai bem?
Esta temporada tive a brilhante ideia de fazer uma coisa que se chama “omelete tornado”. Por baixo tem arroz, super fácil. Metes numa forminha, viras a forminha e fica um arroz lindo pronto para receber a bendita da omelete. Primeira omelete, horrível, segunda omelete, terrível, quarta omolete, péssima. E eu pensei “vou dormir”. Durante a noite fiz dez omeletes. De amanhã acordei, coei os ovos e peguei na frigideira. Fiz e mandei para o grupo. “Consegui!” No dia em que vamos fazer isto no programa… ao fim, talvez, da quinta comecei a perceber qual era a temperatura que tinha de aquecer aquela frigideira. Então consegui, peguei, deitei em cima [do arroz] e [fez o gesto como se estivesse a olhar para a câmara] “Corre-me sempre bem.”