Imagine que alguém cobre a cidade de Lisboa com plástico de polietileno, aquele que é usado para fabricar os sacos pretos de lixo que usa em casa. Não com uma camada, mas com três. Essa é a quantidade de plástico que os agricultores usam anualmente quando preparam os campos para uma nova plantação. São entre 25 mil e 30 mil hectares de terreno cobertos por cinco mil toneladas de um plástico preto que, aos agricultores, ajuda a garantir a fertilidade e a controlar a humidade do solo. Mas que traz um problema para o ambiente. Quando são retirados, os plásticos costumam ser enterrados numa zona improdutiva dos campos. Ou amontoados ao ar livre.
E mesmo que os agricultores sigam os procedimentos aconselhados para o fim do ciclo de cada cultura, pelo menos 10% desse plástico fica enterrado nos solos. São 500 toneladas de um material de origem fóssil, isto é, feito através de petróleo, que ficam inevitavelmente sepultados nos terrenos de cultivo. E que podem não só contaminar os alimentos que ali se cultivem, mas também a água que circula por baixo deles.
Esta é uma das ideias inovadoras premiadas em Portugal, viradas para a nova agricultura, que estão a dar cartas a nível internacional. Com a ajuda da COTEC Portugal, organismo dedicado a estimular a inovação em Portugal (e que recentemente promoveu as sessões Open Shop Floor, com o IAPMEI), o Observador escolheu três casos de produtos e técnicas inovadoras que vale a pena conhecer.
O “plástico” que evita 500 toneladas de poluição
A Silvex — uma fabricante portuguesa de sacos de plástico e papel, películas e alumínio — criou uma solução premiada para o problema dos plásticos que cobrem as culturas. A empresa inventou um filme biodegradável chamado “Agrobiofilm” que pode substituir o polietileno nos campos agrícolas. Visualmente é parecido com os plásticos pretos onde se coloca o lixo, mas é mais fino, mais resistente e mais macio ao toque — quase semelhante à seda.
A Silvex não foi a primeira a criar um filme biodegradável, mas há duas coisas que o diferenciam das invenções das outras empresas. Em primeiro lugar, pode ser instalado nos campos agrícolas com as mesmas máquinas com que se coloca o plástico de polietileno. Além disso, “nós adaptamos o filme biodegradável a cada tipo de cultura”: “Há opções para culturas que durem até seis meses, até 12 meses e mais de 12 meses. Fizemos ensaios em melão, pimento, morango e vinha, que têm diferentes portes e duração de ciclo”.
As explicações vêm de Carlos Rodrigues, engenheiro agrónomo que trabalha com a Silvex. Segundo ele, em vez de se usar polietileno na produção deste mulch — o nome técnico para os plásticos de cobertura de solos — o filme biodegradável é feito de amido de milho e óleos vegetais. É por isso que, ao contrário do plástico tradicional, este pode “e deve” ser enterrado com os restos da cultura para ser transformado em matéria orgânica, água e dióxido de carbono.
A ideia para inventar este produtos, que é “tão bom ou melhor que o polietileno”, veio do diretor-geral da Silvex, Paulo Azevedo: “Ele também é agricultor. E uma vez, em passeio com uma professora do ISA [Instituto Superior de Agronomia] pelo Alentejo, reparou que havia muito plástico na terra. Aquilo chamou a atenção deles e ficaram a matutar no assunto até terem decidido fazer alguma coisa em biodegradável com os mesmos propósitos”, recorda Carlos Rodrigues
Quando encontrou uma solução, a empresa candidatou-se a um programa da União Europeia que ajuda pequenas e médias empresas sem departamento de investigação a levar avante ideias como esta. A Silvex passou com uma pontuação a roçar a máxima. O projeto arrancou em 2010, estabeleceu-se em 2013 e agora já é usado em 500 hectares de cultivo em Portugal.
É assim porque “os agricultores não ficaram indiferentes às preocupações com o plástico”: “Há uma diabolização do plástico. Julgo que o problema não é do plástico, é nosso, que não o sabemos gerir, nem colocar no sítio certo. Mas isso resultou numa maior abertura do mercado a estas soluções, sobretudo este ano”, analisa o engenheiro agrónomo. A ajudar está uma subvenção prometida aos agricultores que utilizem produtos amigos do ambiente, como este.
Para Carlos Rodrigues, o mulch biodegradável pode ser mais revolucionária — ou pelo menos mais impactante na saúde do ambiente — do que a Reforma da Fiscalidade Verde, a lei que taxou os 80 milhões de sacos de plástico usados nos supermercados para transportar as compras.
“Esses sacos ainda eram facilmente reutilizados para outros fins nas casas das pessoas. Mas este não pode ser reutilizado porque já está contaminado com pesticidas, com restos de plantas e terra. Até pode ser reciclado, mas é caro. E alguns países que o compravam, como a China, já nem sequer aceitam plásticos de má qualidade como esse, por isso ele fica para trás”, descreve o engenheiro da Silvex. O Agrobiofilm, por outro lado, não precisa de passar por esse processo por ser destruído pelo solo.
O fungo que carrega as plantas com nutrientes
Glomus iranicum var. tenuihypharum é um fungo que coloca em esteroides as plantas onde assenta. E a Hubel Verde, uma empresa portuguesa especializada em produtos que diminuem o risco e potenciam o resultado das culturas, comercializa esse fungo através de um produto chamado MycoUp. Em testes laboratoriais, foi capaz de aumentar em 45% a produção total dos campos agrícolas onde foi usada. Durante pelo menos três anos consecutivos.
Em entrevista ao Observador, o engenheiro João Caço explicou que o MycoUp é “um bioestimulante do sistema radicular, composto por um fungo micorrizico”, isto é, um microorganismo que, quando presente no solo, estabelece “uma simbiose com a planta, estimulando as raízes a absorver nutrientes e água de uma forma mais eficiente”.
Como? O fungo Glomus iranicum var. tenuihypharum é muito resistente porque não depende do ambiente em que está inserido. Aliás, consegue até sobreviver em ambientes muito ricos em fertilizantes ou altamente alcaninos — com p.H. de 9,5, dizem os testes. Tudo porque depende mais das plantas do que do ambiente para viver.
Ora, quando os esporos destes fungos entram dentro das raízes das plantas e se começam a reproduzir, elas sugam açúcares das plantas para sobreviverem. Mas, em troca, fazem duas coisas por elas: obrigam as raízes a expandirem e a absorverem mais nutrientes e minerais do solo; e potenciam a fotossíntese das plantas, sem que tenham de gastar mais energia.
Segundo as instruções na embalagem de MycoUp, este produto pode ser usado em quase todas as culturas — exceto nas de couves, couves-flor, repolhos, brócolos, trigo-mourisco e ruibarbo. Primeiro, tem de ser dissolvido em água. Depois, tem de ser introduzido no sistema de irrigação do campo agrícola.
De acordo com João Caço, esta solução é uma das que a Hubel Verde utiliza para “tornar as culturas agrícolas mais produtivas”, mas “com menor impacto ambiental”. “Todos estes produtos foram devidamente testados in loco e revelaram ser muito interessantes. O que distingue a Hubel Verde das outras empresas dentro da mesma área de serviços é o acompanhamento contínuo que é prestado aos agricultores, com visitas regulares aos campos de cultivo”, conclui o engenheiro.
O casaco impermeável para os cereais
A história da Frulact começa com Arménio Miranda, pai do atual diretor-geral e acionista maioritário da empresa, João Miranda: “O meu pai teve um percurso brilhante ligado à investigação numa das maiores empresas de referência na área dos lácteos em Portugal. Foi pioneiro a lanç̧ar iogurtes com fruta no mercado português na década de 80”, recorda, em conversa com o Observador.
A seguir, foi a vez do irmão de João, Francisco Miranda, ter dado um novo empurrão à Frulact: “Talvez inspirado pelo meu pai, foi também especializar-se em lácteos em Poligny”. “Esta matriz técnica, no seio familiar, e todo o conhecimento de um mercado e categoria que o meu pai estava a ajudar a criar, aliado à minha vontade e ambiç̧ão em empreender, fizeram com que se reunissem as condições para o início da Frulact”, resume João Miranda.
De acordo com o diretor-geral da empresa, o grande fator de inovação da Frulact — e aquilo que a diferencia da concorrência — é “a capacidade de gerar conhecimento”: “A Frulact desde sempre pautou a sua atividade pela vigilância ativa dos mercados. Antecipamos as necessidades dos clientes e do mercado. É daí que vem mais de 60% dos nossos novos produtos”, analisa João Miranda.
Mas a Frulact vai mais longe do que isso. Atualmente, a empresa tem em andamento seis projetos de inovação — alguns deles financiados por programas como o Portugal 2020 e pela União Europeia. Há um que se destaca, até porque já está totalmente concluído desde o ano passado: o Enrobee, que está a ser desenvolvido em parceria com Escola de Engenharia da Universidade do Minho.
De acordo com a Frulact, o projeto “Enrobee” tem como principal objetivo o desenvolvimento de um revestimento que proteja os cereais — e outros elementos com baixa quantidade de água, como as bolachas — da humidade. “Trata-se de um revestimento edível que funcionará como uma barreira à passagem de água”, descreve a empresa.
O Enrobee funciona como uma espécie de casaco impermeável para os alimentos e garante que “não perdem propriedades texturais por hidratação indesejada, garantindo assim uma melhor conservação dos produtos durante o transporte, armazenamento e comercialização”, concretiza a marca.
Do projeto resultou uma “matriz hidrolífica”, isto é, uma cobertura que repele a água e que é capaz de protege os alimentos da humidade e da água. Essa cobertura pode ser feita de óleo de coco, cera de abelha, cera de carnaúba e etilcelulose, descobriu o projeto da Frulact com a Universidade de Minho. Um projeto que, afirma a empresa, é “uma clara inovação para o mercado português, europeu e mundial”.