Quando Paulo Rangel chegou ao centro Jean Monnet, em Lisboa, já o antigo assessor do Bloco de Esquerda e auto-proclamado “Daniel Oliveira que não faz chorar” o esperava para uma entrevista para o podcast Portugal Não Ofende. Daniel Oliveira não demorou a mostrar as garras: “Isto não costuma correr bem a quem gosta de sound bites.” Rangel tinha sido acusado de ser um candidato de sound bites por António Costa, respondeu no mesmo nível de acidez: “Nunca ouvi o podcast, mas falei com quem ouviu”. Era meio-dia, meio do dia que o Observador passou com o cabeça-de-lista do PSD, Paulo Rangel.
Ainda antes de chegarem ao elevador, Daniel Oliveira vai lembrando: “Fiz várias campanhas com o Miguel Portas”. Rangel venceu as Europeias no ano (2009) em que o Bloco, com Portas como cabeça-de-lista, conseguiu o melhor resultado de sempre. Antecipando alguma desconfiança de Rangel, o entrevistador vai explicando que a entrevista mais dura que fez “foi à Marisa”. Não é ao acaso que o diz: Daniel Oliveira é irmão de José Gusmão, número dois da lista de Marisa Matias e, por isso, quis deixar clara a sua imparcialidade.
Numa das salas do edifício, Rangel fica com o Castelo de S. Jorge como fundo. Rodam-se cadeiras e sofás. “Ficamos assim, para não ficar igual à Ana Gomes”, diz Daniel Oliveira, explicando que a entrevista à eurodeputada socialista foi naquele mesmo local. O ambiente é descontraído e, enquanto se prepara a logística, um dos assessores de Rangel, Pedro Esteves, pergunta em tom de brincadeira: “O Daniel por acaso não quer a bandeira da União Europeia atrás de si?”. O entrevistador rejeita e justifica no mesmo tom: “Só quando for vermelha e com estrelas amarelas, a representar as Repúblicas Socialistas da Europa“.
A entrevista dura mais de uma hora. O eurodeputado não sai propriamente bem disposto e chega atrasado a um almoço. A conversa azedou no final quando Daniel Oliveira fez questões a Paulo Rangel sobre o tempo em que acumulou a profissão de advogado com o cargo de eurodeputado e sobre a ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs.
O bad bunny, os livros de história e o encontro ministerial
Antes da conversa com Daniel Oliveira, Rangel tinha enfrentado uma espécie de banho de multidão pré-campanha. Milhares de alunos brotavam pelos pavilhões da FIL, em Lisboa, em visita à Futurália. Pequeno problema: a maior parte não tem idade para votar. Mas também os há, os eleitores, e estão logo ali à entrada do pavilhão. O candidato do PSD é desafiado a dar uma entrevista no stand do Instituto Politécnico de Lisboa. Académico, advogado e atualmente só eurodeputado, Paulo Rangel coloca o tom professoral durante a entrevista aos alunos universitários aos microfones da ESCS FM, a rádio da Escola Superior de Comunicação Social: “Antes havia a ideia de que a carreira é para vida. Mas a vida mostra que já não é assim, que há uma porta de entrada e, mesmo que não haja uma porta de saída da carreira, há uns postigos para sair.”
Rangel quer demonstrar que a sua vida não é só política e desafia-os a abrir horizontes. “Eu escolhi uma vida profissional, mas não leio livros de política. Nos meus tempos livres, praticamente só leio livros de história.” É precisamente um livro desses, do historiador romano Tácito, que, horas mais tarde — na sessão de final de tarde no Luso — aconselharia a António Costa a propósito do familygate. Mas já lá vamos.
Passa pouco das dez e meia da manhã e Rangel é, por alguns minutos, o único político na Futurália. Chegariam mais três naquele dia, mas, enquanto não chegam, o eurodeputado é o mais desejado. Sai de uma entrevista na rádio e logo lhe aparece uma câmara de televisão. Desta vez, da E2, a televisão da ESCS. Rangel mantém a paciência. Afinal podem ser mais uns votos. A entrevista acaba por ser perturbada pelo som em volume de discoteca de uma espécie de Reggaeton: a música Mía que é uma parceria entre o rapper Drake e o porto-riquenho Bad Bunny. Paulo Ribeiro — que apoiou Rangel em 2010 contra o ‘good bunny’ do PSD, Passos Coelho — mantém-se ao lado do candidato.
Paulo Rangel avançou pela feira, a distribuir flyers. É abordado por um jovem, que lhe pede uma selfie. Paulo Ribeiro faz de comentador do momento: “Estas selfies são melhores que as do Marcelo”. Mais à frente é o eurodeputado a tentar uma piada. Embalado por uma paródia de Ricardo Araújo Pereira a Marcelo no programa Gente que não sabe estar, Paulo Rangel aproveita estar ao lado da líder da JSD, Margarida Balseiro Lopes (que é de Leiria), para se abeirar do spot do Instituto Politécnico de Leiria e declarar: “É o melhor Instituto Politécnico do Mundo”. Os jovens da ESCS, uns bons metros atrás, não ouviram.
Depois da confusão inicial, pequena paragem para uma bebida. Paulo Rangel pára na Escola Profissional de Hotelaria de Lisboa para um cocktail sem álcool com “aroma de alecrim”, como ia explicando o professor da escola Gabino Evaristo. Paulo Ribeiro insistia nas piadas: “Falta a laranja“. Rangel, já não: “É bom para recuperar energias.”
À falta de bons momentos de picardia política, típicos do período de campanha, o cocktail teria de servir dar reforçar o ânimo. Ainda houve um homem de meia-idade, de chapéu de cowboy, que se chegou perto e lhe disse quase ao ouvido: “Alguém que ponha isto no bom caminho, a ver se o senhor consegue“. Mas a manhã estava a ser morna e estava quase a chegar ao fim. E eis que, com o candidato a preparar-se para o fim da visita, alguém lhe diz que o ministro da Educação anda por ali. Entrou enquanto Rangel escrevia num painel na “barraquinha da JSD”. Tiago Brandão Rodrigues está perto do stand do POCH — o programa operacional do governo. “Está ali o ministro“, diz Margarida Balseiro Lopes. “Onde é que ele está? Não o estou a ver”. Alguém da comitiva aponta com o dedo e Rangel vai na direção de Brandão Rodrigues que o recebe de forma amistosa, com um grande sorriso. Ficaram alguns minutos à conversa e o ministro do governo PS despediu-se com um “boa campanha“.
“Eu não acredito em youtubers, mas eles existem”
Ligeiramente atrasado para o almoço, o candidato vai a pé para o restaurante Gina, no Parque Mayer, mesmo ali ao lado, onde vai participar num evento organizado pelo Conselho Estratégico Nacional de Lisboa sobre o chamado artigo 13: “Agenda Europeia para a Cultura e a diretiva de Direitos de autor em Ambiente Digital.” Havia vice-presidentes do partido (David Justino) e da bancada (Margarida Mano), ex-governantes (o ex-secretário de Estado da Cultura, Barreto Xavier) e também homens fortes do aparelho de Lisboa (como o ex-líder concelhio Rodrigo Gonçalves). Aos presentes, Rangel explica o motivo do atraso, a entrevista com Daniel Oliveira, que define como “experiência cultural interessante”.
Um dos oradores, ainda só havia ovos mexidos com farinheira na mesa, é Miguel Carretas. O diretor-geral da Audiogest é militante do PCP, mas elogiou a forma como Paulo Rangel e todos os eurodeputados do PSD abordaram a questão do artigo 13 no Parlamento Europeu.
Paulo Rangel fala depois em dois momentos, um durante a chegada do bacalhau à brás, outro já depois do prato de lombo assado chegar às mesas. Também neste particular — na introdução ao lombo como refeição de todos os dias — o candidato do PSD já está em estágio para a campanha. Rangel admitiu as dificuldades que os deputados têm, muitas vezes, a nível técnico para lidar com este assunto e a forma como muitas vezes não têm as mesmas armas do que os que atacam o trabalho no Parlamento Europeu. Falava das cruzadas de youtubers, como Wuant (Paulo Borges), que atacaram violentamente os eurodeputados sobre o assunto. “Os youtubers, não sei quem são. Mas sei que existem. São como as bruxas, que las hay, las hay. Eu não acredito nelas, mas elas existem”, afirma Paulo Rangel.
O candidato disse depois que até da Argentina o contactaram para saber o que o Parlamento Europeu estava a fazer nesta matéria, o que “demonstra o interesse do resto do mundo no que a Europa está a legislar”. E há uma razão para isso: “Outros espaços vão imitar a Europa nas decisões que tomar sobre o assunto”.
E se de manhã se sentiu falta disso, Rangel não resistiu agora a um pouco de combate político em jeito de campanha. Começou por refutar que o PSD não tenha propostas para a Europa, mas explicou que estrategicamente o partido optou por revelá-las mais tarde para que não caíssem em esquecimento até às Europeias. Diz ele, para tentar fazer o contrário das propostas dos socialistas: “O manifesto do PS existe, mas ninguém sabe o que diz“.
Outra vez tu Medina. Uma boleia-entrevista de 15 minutos que foram quase 40
Rangel ainda não tinha escrito o discurso que faria ao final da tarde na apresentação dos candidatos do PSD às eleições europeias, marcado para o Hotel do Luso. Ficou então combinado que o Observador seguiria no carro com o candidato desde o Parque Mayer até às bombas da gasolina da Galp à saída da segunda circular. “Até ali àquelas bombas da Galp que têm o Burger King”. A previsão era que, por isso, a conversa não ultrapassasse os 15 minutos. Problema: o trânsito na cidade de Lisboa fez com que uma viagem de 10 quilómetros demorasse praticamente 40 minutos. E Rangel não deixou escapar a oportunidade para lançar umas farpas ao autarca da capital, Fernando Medina, com quem partilhou um espaço de comentário na Rádio Renascença e onde, segundo conta, também ficou várias vezes à espera.
Como está a correr esta pré-campanha? Sente que o partido está mais motivado?
À medida que nos aproximamos do ato eleitoral a motivação vai, naturalmente, aumentando. É um processo natural. Sinceramente, nunca senti o partido menos empenhado. Pelo contrário. A começar pela direção que está absolutamente empenhada, as estruturas todas que eu estou a visitar desde o dia 7 de fevereiro, nomeadamente ao fim-de-semana. Tenho visitado estruturas no país inteiro. De norte a sul, do Algarve até Vinhais, passando por Monção. E a verdade é que sinto sempre toda a gente muito motivada. A campanha está a correr relativamente bem, mas não diria que é atípica.
Os casos como o familygate em que o Governo saiu prejudicado, ajudam?
Isso não é um caso, é uma questão muito séria e que não foi trazida por nós. Foi a remodelação do Governo que a provocou, em várias frentes. Trouxe um ou dois ministros para candidatos europeus, o que significa que governamentalizou um pouco as Europeias. Deu esse mote. E depois nas substituições que fez, teve ocorrência de episódios que encaixam nesse fenómeno que eu acho que é preocupante pela sua dimensão e pela sua recorrência de proximidade familiar dentro do núcleo do executivo, governo e gabinetes ministeriais em particular, com um ou outro posto da administração pública.
Portanto, ajuda.
Não ajuda nem deixa de ajudar. Evidentemente que há também uma dimensão de apreciação em todas as eleições, mesmo as que não são legislativas, da atuação do governo. O governo acha que tem feito coisas extraordinárias e que, por isso, devia ser já apoiado nas eleições europeias, mesmo que isso não tenha nada a ver com Europa. Nós entendemos também que há dimensões políticas relativamente ao Governo que são muito negativas e devem ser postas em realce também durante a campanha. Algumas delas têm impacto europeu, o caso dos fundos europeus, outras terão menos impacto europeu, é o caso da saúde. Mas, enfim, são críticas que eu acho que fazem sentido numa pré-campanha e até na campanha eleitoral.
Já o ouvi pedir, precisamente, um cartão laranja ao Governo. Está confortável com uma leitura nacional destas eleições?
Totalmente confortável. A minha campanha em 2009, a primeira declaração foi contra a mordaça, porque a dada altura o PS na altura, o cabeça-de-lista Vital Moreira, queria proibir que se discutisse qualquer assunto nacional na campanha. A interpenetração entre os assuntos europeus e os assuntos nacionais é muito grande. Há talvez uma área em que isso é absolutamente evidente, os fundos europeus. Mas, se olharmos para a questão das cativações da saúde, elas têm uma dimensão europeia. E qual é? É que o governo, para cumprir o défice, que é positivo que o cumpra, fez opções. Uma das opções foi desinvestir fortemente no setor da saúde.
E aí Pedro Marques pode trazer a debate Manfred Weber e a carta que enviou sobre as sanções.
Em primeiro lugar, o PSD e eu em particular estivemos sempre contra a aplicação de sanções a Portugal. O que aliás faz sentido porque elas respeitavam ao período de governação PSD/CDS. Não tinham nada a ver com o Governo da “geringonça”. E, portanto, nós não queríamos nenhuma censura ao Governo cujo balanço de atuação nós achamos que é positivo. Um segundo ponto que interessa é conhecer bem a história: se ler a carta de Manfred Weber, ela não se aplica a Portugal e a Espanha, ao contrário do que se diz. Ela visava essencialmente França e Itália. Porque o comissário Moscovici na altura, que era socialista, queria que a comissão aplicasse sanções a Portugal e a Espanha, mas não queria aplicá-las a França e Itália. Portanto, o que se estava a dizer era que o tratamento fosse igual para todos.
Pois, costuma dizer que Timmermans, o candidato apoiado pelo PS, foi pior para Portugal que Weber.
Sim. O Timmermans é do partido de Dijsselbloem. Era ministro dos Negócios Estrangeiros, quando Djessembloem era ministro das Finanças, e quebrou por completo a política que a Holanda tinha em relação a Portugal. Era partidário da ideia de que no sul era só copos e as mulheres, esse tipo de discurso. Portanto, sinceramente nem compreendo como vêm com essa.
Como tem visto a campanha de Pedro Marques?
Seria da minha parte deselegante estar a comentar. Há uma coisa que faço é criticar, comentar e analisar as posições que se tomam. Não faço comentário nem análise política das campanhas, se são boas se são más.
Não tem o hábito do professor Marcelo?
Mas o professor Marcelo era comentador, não era candidato.
Mesmo como candidato à Presidência comentava a campanha dos outros.
Sim, talvez. Mas aí ainda estava em transição do perfil de comentador para Presidente, que talvez lhe custasse um pouco vestir a nova camisola. A segunda coisa que é muito importante é que nunca fiz nem faço ataques pessoais. Ao contrário do que já foi dito pelo outro lado.
Não faz?
Não. Aquilo que eu critico é, por exemplo, a posição quanto aos fundos. Visão que considero que é errada e que não corresponde à realidade, mas não faço nenhum ataque pessoal e, por isso, é inaceitável, e diria infantil, a queixa de que a campanha do PSD são calúnias e ataques pessoais. Quem diz isso tem que especificar qual é a calúnia e qual é o ataque. A honorabilidade e a personalidade [de Pedro Marques] não nos cria reserva nem nenhum comentário.
Sobre os fundos, Pedro Marques diz, precisamente, que o governo conseguiu mais 8% em fundos da Política de Coesão do que o acordo do PSD.
A primeira coisa é que ele foi totalmente desmentido pelo Tribunal de Contas europeu. Relatório do Tribunal de Contas Europeu, de 27 de março sobre Política de Coesão diz taxativamente que Portugal perde 7% e perde 1600 milhões de euros. Portanto, é a palavra de Pedro Marques contra o Tribunal de Contas. Depois há outra questão que é esta: quando se fala nos preços correntes, que é um argumento que Pedro Marques procura agora lançar para lançar confusão, basta ler o acordo [entre Governo e PSD] para se perceber que se está a referir à política de coesão no seu todo. Não se está a referir a Portugal. O que lá está é a política de coesão no seu todo. Há aí uma manipulação de uma frase que basta ler. Se algum jornalista quiser ler a página anterior e a página posterior.
Nós já lemos. E ouvimos o lado do staff de Pedro Marques, que diz que o facto da frase ser relativa ao envelope global vai dar ao mesmo, uma vez que está escrito que o critério preferencial deve ser o PIB per capita. Como não estão previstas variações populacionais vai dar o mesmo. Além de que os valores são bons tendo em conta o Brexit.
Então como é que ele explica, por esse critério, que a Espanha tenha mais 5%? E a Itália mais 6%? E a Finlândia mais 5%? Países mais ricos que Portugal e todos eles conseguiram.
O próprio Pedro Marques, quando era ministro disse que Portugal recebia menos fundos, porque estava melhor.
Esse é o argumento que alguém na comissão também defendia. Mas como estamos tão bem se o nosso PIB é francamente inferior ao da Espanha? É bastante inferior ao da Itália e é muitíssimo inferior ao da Finlândia, como se pode dizer que estamos bem e que por isso é que não precisamos? Na retórica de Pedro Marques existe sempre a questão, está sempre a tentar esconder os outros. Na questão da execução dos fundos, diz sempre: somos os primeiros (tirando os primeiros seis). Nunca quer comparar-se com os outros.
Mas alegam que nesses seis estão países sem expressão como o Luxemburgo?
Não interessa nada. O que acontece é que Portugal em 2015 era mesmo o 1º. De todos. O PS pode alegar o que quiser, não pode é dizer que somos os primeiros se nós somos os sétimos.
Está um fã do fact-checking, portanto.
Não. Aqui não estou no fact-checking, porque aqui nem sequer é um fact checker que está a fazer, são as instituições europeias. Não estou a recorrer a nenhum fact-check. Se há uma pessoa que apresenta uma versão e há outra que apresenta outra, citamos entidades oficiais, não estamos a utilizar uma entidade clandestina como fez o ministro Nelson Souza para vir em socorro de Pedro Marques. Utilizou uma instituição que ninguém sabe o que é, que é a Agência para o Desenvolvimento e Coesão. Não vale a pena, nós temos 3 relatórios de março que dizem tudo sobre isto: um 11 de março, que diz que Portugal está em sétimo; um relatório do Tribunal de Contas Europeu, que diz que Portugal vai perder 7% e 1600 milhões de euros… Depois finalmente, também há um documento do Banco de Portugal…
… estamos neste preciso momento a passar pelo edifício do Banco de Portugal.
… que aliás foi o que criou maior erisipela no ministério dos Fundos, quando diz que este é o Governo pior executor de fundos da história dos quadros comunitários de apoio. E, portanto, está em último lugar. Temos 65% por executar a um ano de terminar o quadro comunitário de apoio.
São quase dois anos: 2019 e 2020.
Sim. Um ano e oito meses. Mas já devíamos estar com as estatísticas contrárias.
Voltando à campanha, por esta altura há 5 anos já andava com o Nuno Melo.
Penso que sim.
Sente a falta dele ou nem por isso?
Não sinto porque o vou encontrando em debates e em várias ocasiões.
É melhor assim, correr sozinho?
Sinceramente, cada momento tem a sua oportunidade e o seu contexto. Eu já tinha sido cabeça de lista contra o Nuno Melo em 2009. Depois em 2014 os dois partidos concorreram conjuntamente e trabalhámos os dois. E agora concorremos separados. É uma coisa salutar, mas também não me senti nada mal quando tivemos de concorrer em conjunto. Hoje o momento é outro. A afirmação dos dois partidos tem de se fazer individualmente e isso não me causa nenhum constrangimento nem nenhum mal estar. Encaro com naturalidade.
Sentia-se bem com o CDS, portanto. Os seus opositores internos, no tempo em que foi líder da bancada do PSD, chegaram a lembrar que tinha vindo do CDS.
Realmente houve um momento em que fui militante do CDS. [Usavam isso contra] mais dentro do partido. Mas, por comparação com alguns, uns que estiveram no MRPP, outros na JCP. Fui sempre do PSD. Já antes [da militância no CDS] era. Desde pequeno que sou do PSD.
E sente-se bem com o atual rumo ideológico do PSD? Ferreira Leite diz que antes perder votos que ser de direita, Rui Rio foge para o centro-esquerda. Incomoda-o a ideia de ser o candidato da direita?
A mim não me incomoda nada o termo, mas o que digo é o seguinte: o PSD não é um partido de direita. Eu já expliquei isto 500 vezes, mas nunca há ninguém que reproduza isto bem: Se me disserem assim, olhando para o espectro partidário português, o PSD está à direita do PS e, portanto, nesse sentido, por comodidade, dizem que PSD e CDS são os partidos da direita, isso não é uma coisa que me agrade muito, mas eu não vejo nisso nenhum problema. Se disserem que a substância ideológica do PSD é de direita, eu aí direi que não. É um partido que vai do centro-direita ao centro-esquerda e que só foi vitorioso quando teve precisamente essa abordagem de abrangência. Nunca ganhou quando se fechou numa lógica ou de centro-esquerda ou de centro-direita.
Se fosse nos EUA, não enquadraria o PSD mais no Partido Republicano?
Não. Há muitos partidos, por exemplo no PPE, que estão em plena consonância, o caso dos nórdicos e os do BENELUX, com o nosso partido, mas há outros que são partidos claramente à direita: são centro-direita, ou direita muito moderada, caso do CDS por exemplo. Mesmo esses não alinham com o Partido Republicano. São os representantes moderados e senadores e congressistas moderados seja do Partido Republicano seja do Partido Democrata. Estamos um bocadinho ali no meio.
O PSD tem uma ala mais conservadora.
Aí tem afinidades com o PPE, que tem várias sensibilidades. Não tem uma única sensibilidade, por isso é que acho que se deve manter com essa abrangência.
Pedro Passos Coelho era mais conservador do que Rio.
Utilizar a palavra conservador para definir a presidência de Passos Coelho é errado. O que se pode dizer é o seguinte: durante a sua presidência houve espaço para uma corrente mais liberal que no PSD não é muito habitual. Porque o PSD não é um partido liberal, é um partido liberalizado. O PSD, quando se afirma liberal, quando há algum aspeto liberal é apenas porque considera que a economia portuguesa é demasiado estatizada.
Passos era mais liberal na economia e conservador nos costumes?
Não me parece. A única questão que podia alegar isso é a eutanásia. Que é uma questão, apesar de tudo, diferente. Há, sim, claramente uma propaganda muito grande. Uma narrativa muito grande que quer criar a ideia de que vem aí uma direita terrível, que acho que é basicamente uma inventona. Conveniente à “geringonça”, por um lado, para assegurar um certo medo nas pessoas. Mas eu acho que até é muito para acertar contas internas. Ver quem é mais ortodoxo, quem segue mais a cartilha respetiva.
Há 5 anos, o PS teve algumas dissonâncias na campanha entre Assis e Seguro. Com Rio, está tudo coordenado?
Em primeiro lugar somos pessoas do mesmo partido e, tendo conversado várias vezes sobre os mesmos assuntos, existe uma convergência e uma comodidade de pontos de vista. Mas não é só isso. Acho que é preciso ter aqui em conta que temos também um acerto de vez em quando. Procuro manter uma troca de impressões.
Fala com Rui Rio ao telefone, então.
Sim. Regularmente. Não lhe sei dizer se é todos os dias, de dois em dois dias ou duas vezes por semana. Depende das necessidades e das oportunidades.
Não o estou a ver a pedir autorização ao líder para falar.
Não estou a ver ninguém a fazer isso. Pedir autorizações. É preciso desdramatizar essa pergunta. Todos os dias acontecem coisas diferentes, por isso, é evidente que é preciso sincronizar como se vai articular uma posição, se deve ser uma pessoa a falar primeiro o assunto ou outra, essas coisas são, digamos, conversadas. Até agora, não vi nada que não fosse absolutamente natural. Já trabalhei com outros líderes, mesmo antes deste, mesmo antes daqueles que me convidaram para cabeça de lista, que foram três diferentes, já tinha trabalhado com outros três antes. Não vejo em nenhum caso alguma dificuldade em, sempre que foi necessário, fazer um contacto. É o normal, falar sobre os assuntos, ouvir opinião, sensibilidade, isso é o normal.
Desde Durão, em 2002, só Paulo Rangel e Passos Coelho é que ganharam eleições nacionais no PSD. Faz disso uma bandeira?
Não tem importância. Não retiro dessa leitura ilação nenhuma. Uma pessoa há eleições que ganha, outras que perde. Também se perderam as 2014. Apesar de ser um resultado que eu acho que, mesmo assim, foi positivo.
Foi valorizado por Mário Soares, ao destacar a “vitória de Pirro” de Assis.
E pelo António Costa, como “poucochinho”. Cada ato eleitoral é um ato eleitoral e eu não faço essas leituras sistémicas.
O objetivo agora é mais um voto que o PS?
O que para nós é importante é ganhar as eleições. O PSD é um partido vencedor. Não pode pôr-se como objetivo uma coisa menos que essa.
[Entretanto, o carro passa por um outdoor de Paulo Rangel.]
Já tinha visto este?
[Rangel espreita pela janela]. Este ainda não.
Já está um pouco estragado.
Não. Está íntegro, ligeiramente desbotado, mas intacto.
Mas dizia, sobre as eleições que o objetivo era ganhar.
Sim o objetivo é ganhar as eleições, melhorar o resultado anterior.
É vice da bancada do PPE e do próprio PPE. Se o PSD tiver mais eurodeputados, reforça esse estatuto?
Primeiro é preciso ganhar as eleições e depois é que temos de pensar na influência que o PSD tem na Europa. O PSD tem uma influência, e é preciso reforçá-la. Se há partido que marca a sua influência na Europa é o PSD.
Estamos a chegar ao destino combinado. Está há muitos anos no centro das decisões europeias. Quais são os encontros que guarda para um livro de memórias? Já teve oportunidade de privar com a chanceler Merkel, por exemplo?
Há sem dúvida uma conversa que tive com a chanceler Merkel, em 2012, pessoal e só a dois, por um lado, e outra em janeiro de 2015, aí já com mais portugueses. Mas converso, por exemplo, todas as semanas com Michel Barnier, sobre o Brexit.
Enquanto Rio bebe café com Moedas, Rangel ultima o discurso
A partir de agora Paulo Rangel segue no carro já sem a equipa do Observador. Pela frente, vários quilómetros na ligação de Lisboa ao Luso. É lá que vai decorrer o evento maior do dia: a apresentação da lista de candidtos do PSD às Europeias. Paulo Rangel foi a preparar o discurso pelo caminho. No bar do Hotel do Luso, minutos antes de começar a falar, o cabeça de lista do PSD estava empenhado com o portátil e uma pasta de documentos a organizar o que iria dizer. No mesmo local, o bar do hotel, o presidente do partido, Rui Rio, e o comissário Carlos Moedas, bebiam um café e trocavam impressões. As peripécias desse evento foram então contadas pelo Observador. Resumindo pelo menos importante: o evento começou com um speaker e terminou com uma sinfonia de Beethoven, o hino da Alegria. Depois desse fim de tarde, e com uma paragem em Coimbra entretanto desmarcada, Rangel seguiu para o Porto. Seguia-se um sábado preenchido em termos de agenda. É a reta final da pré-campanha onde se vai tentando que o pré se note cada vez menos.
Rio diz que voto no PS legitima ‘familygate’ e Rangel atira: “Só a sogra é que não nomeiam”