Índice
Índice
Foi a geração que primeiro sentiu os impactos da pandemia. Com contratos tendencialmente mais precários e forte presença no setor do turismo, os mais jovens foram rapidamente apanhados na teia do desemprego devido à paralisação económica da Covid-19. Segundo o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), entre dezembro de 2020 e o mesmo mês do ano anterior, o número de jovens com menos de 25 anos inscritos nos centros de emprego aumentou 48,5%, enquanto que na restante população o salto foi menor (ainda que significativo): mais 27,3%.
O desemprego jovem registado pelo INE também mostra este desfasamento, que não abona a favor dos mais novos. Se entre março e dezembro de 2020, a taxa de desemprego global aumentou o,3 pontos percentuais, no caso da taxa de desemprego dos jovens (15 a 24 anos), a subida foi de 4,2 pontos percentuais.
Não é, por isso, de estranhar que a geração dos millennials (convencionalmente definida como a que nasceu entre o início dos anos 80 e meados dos anos 90) não esteja particularmente otimista com o futuro e que não se queira comprometer com grandes mudanças nem investimentos significativos em 2021. Isso inclui não ponderar comprar casa nem ter filhos ou mesmo casar, ainda que tal pudesse estar na lista de desejos.
Num estudo feito pelo CICET-FCVC (Centro de Investigação de Ciências Empresariais e de Turismo da Fundação Consuelo Vieira da Costa) e do ISAG (European Business School), a que o Observador teve acesso, a geração millennial é a que mais diz estar “insegura ou muito insegura” para tomar decisões de vida (34%). A par da geração anterior (40 aos 60 anos), são os que mais admitem ter visto o conforto financeiro diminuir com a pandemia. O estudo teve por base 1.063 respostas, recolhidas online entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. No caso dos millennials (aqui os que têm entre 18 e 39 anos), foram inquiridas 450 pessoas.
Este ano será marcado “por um contexto de estagnação nas decisões de vida dos portugueses, tanto ao nível do emprego e família como dos investimentos em mercados financeiros, na compra de habitação ou veículo próprio”, projeta o estudo. Ana Pinto Borges, professora do ISAG e uma das responsáveis pela investigação, aponta ao Observador que as conclusões mostram que, “tendencialmente, as pessoas estão mais avessas ao risco“. A pandemia pode estar a ter um papel nesse comportamento, ainda que o estudo não permita estabelecer uma causa-efeito entre a Covid-19 e as mudanças nas decisões de vida (e, como nunca tinha sido feito, não permite comparações com outros períodos).
Mais jovens evitam decisões definitivas
Mas há, porém, pistas que podem ser extraídas da análise. Desde logo se olharmos para os níveis reportados de conforto financeiro. No total da amostra, 66,6% das pessoas – ou duas em cada três – diziam estar “confortáveis ou muito confortáveis” financeiramente antes da pandemia, valor que caiu 14,6 pontos percentuais para a atualidade. Da mesma forma, o número de insatisfeitos com a vida financeira aumentou: uma em cada cinco (19,6%) dizem agora estar “desconfortáveis ou muito desconfortáveis”, um valor que compara com os 7,3% do pré-pandemia. Esta evolução “tem impacto não só nas decisões de consumo de bens duradouros, como na decisão de ter mais filhos. Não são só consequências económicas, mas também demográficas”, refere a investigadora.
Olhando à lupa, que decisões de vida não estão os millennials prontos para tomar em 2021? Por um lado, constituir família. Entre os mais jovens, casar ou até viver em união de facto não é opção de mais de dois terços (70,9%), uma realidade que não é muito diferente nas restantes faixas etárias: é, aliás, quase igual no grupo entre os 61 e os 78 anos (69,5%).
Mas, entre todas as decisões de vida estudadas, a que mais é rejeitada pelos millennials, pelo menos em 2021, é outra: ter filhos. Dos 77,6% deste grupo que não têm filhos, a esmagadora maioria (89,4%) não ponderam fazê-lo em 2021. “É um impacto demográfico muito grande“, diz Ana Pinto Borges, acrescentando que a pandemia pode estar a atrasar decisões mais definitivas.
Entre essas decisões está a compra de bens duradouros. Não só os millennials, mas todos os outros grupos etários “não estão propensos nem a comprar casa ou carro. Mesmo aqueles que neste momento não os têm, não estão propensos a comprar”. O estudo não detalha se os millennials inquiridos vivem em casa dos pais ou, por outro lado, arrendam uma casa. Mas indica que mais de metade (56,9%) não tem casa própria — sem grandes surpresas, é a percentagem mais alta entre os vários grupos etários (à exceção dos que têm 17 ou menos anos, um grupo onde só foram recolhidas duas respostas online).
Investir numa habitação é um objetivo que também não parece estar no horizonte de curto prazo: este ano, 80,1% dos millennials que não têm habitação própria não tencionam comprá-la. Este cenário é semelhante nas outras faixas etárias. Na anterior, sobe para os 88,1% e na dos 61 aos 78 anos para 94,7% (mas neste grupo, só foram recebidas 19 participações). Os mais jovens com intenção de comprar casa são os que menos querem gastar entre todos os grupos — desejam encontrar uma habitação que custe, em média, 237.951,82 euros, metade do valor apontado pela geração anterior.
A tendência é semelhante para a compra de carro: 81,3% dos millennials que não têm carro também não contam comprá-lo em 2021. Já os que querem comprar estão, ao contrário do que os investigadores esperavam, mais inclinados para os automóveis a gasóleo e menos interessados nos híbridos plug-in e 100% elétricos.
Curiosamente, perante todos estes dados, embora estejam longe de estarem otimistas, os millennials são os menos pessimistas dos inquiridos. “Nós, economistas, falamos muito em termos de expetativas e verificamos que, a nível da evolução macroeconómica da economia portuguesa, temos um nível transversal de pessimismo em várias faixas etárias. Mas onde se verifica maior grau é na geração X (dos 40 aos 60 anos). Temos 81,5% que estavam pessimistas ou muitos pessimistas com evolução da economia portuguesa. E é uma geração que, à partida e em termos médios, tem maiores rendimentos”, frisa Ana Pinto Borges.
É certo que as pessoas podem vir a mudar o comportamento e as decisões no futuro, mas a conjuntura e os “apoios governamentais” terão um papel importante para que isso aconteça, considera a investigadora. “É normal que uma geração altere o comportamento de acordo com os fatores exógenos. O contexto influencia não só as decisões estratégicas das empresas, como as decisões individuais das famílias, desde o estilo de vida à questão do investimento, do consumo de bens duradouros e não duradouros.”
Jovens estão a trocar o risco do empreendedorismo pelo das criptomoedas
Para Ana Pinto Borges, esta é uma das conclusões mais surpreendentes da análise. É que se estudos anteriores apontam para os millennials como os que mais gostam de arriscar a nível profissional, nomeadamente com a criação do próprio negócio, os dados da investigação seguem numa direção oposta. Apenas 31,6% ponderam mudar de emprego este ano e, destes, 85,9% pensam em trabalhar por conta de outrem.
“É uma geração que, até ao momento, era muito caraterizada por um nível de fidelização baixo, mas agora eles não querem mudar. Até pelo contrário, põem em cima da mesa a possibilidade de trabalharem por conta de outrem. Aquela faceta que os caraterizava, de ser mais instáveis no mercado de trabalho, mais empreendedores, não se verifica”, explica a docente do ISAG. De acordo com o estudo, os millennials inquiridos estão a trocar “o risco associado à mobilidade permanente no mercado de trabalho (que se vinha acentuando, sobretudo, entre os mais jovens, com trocas mais frequentes de emprego, criação de negócios próprios e empreendedorismo) pelo risco associado a investimentos financeiros, nomeadamente as criptomoedas“.
Ainda que a maioria dos mais jovens (68%) diga não ter interesse em investir em mercados financeiros (como as criptomoedas, o PSI-20 ou certificados de aforro e/ou tesouro) este ano, entre os que dizem estar dispostos a fazê-lo, três em cada dez apontam as criptomoedas. “Tendencialmente, o total de respondentes não estão muito disponíveis para investir em mercados financeiros, mas os millennials são os que mais admitem fazê-lo. E vão fazê-lo em produtos com elevado risco, como as criptomoedas”, conclui Ana Pinto Borges.