“- Eu tenho o E10
– Eu sou no D8
– Deve ser mais para aquele lado…”
Uma espécie de batalha naval, mas com bandeiras comunistas e pouca margem para meter água. Depois das críticas sobre o 1.º de maio e a constante insistência das autoridades de saúde, através das mensagens à população, para que o distanciamento social seja mantido (em conjuno com a utilização da máscara), o regresso aos comícios na rua do PCP era uma oportunidade para demonstrar o que o partido tinha aprendido com algumas falhas na organização em maio e para tentar conquistar um voto de confiança que poderá ser usado como trunfo em setembro, com a Festa do Avante!. Pelo que foi possível ver no Parque Eduardo VII, em Lisboa, o desafio parece ter sido superado com sucesso.
Os números e letras que traziam já pré-organizados de casa indicavam onde cada militante se devia colocar (ou no E10 ou no D8, como os comunistas do início do texto que trocavam impressões à chegada). Para reforçar essa “obrigatoriedade”, as bandeiras do PCP, que habitualmente são distribuídas à chegada junto às carrinhas do partido, já estavam espalhadas pelo chão. Havia fita vermelha e branca a marcar as áreas e, caso ainda houvesse alguém distraído no alto do Parque Eduardo VII, uma voz repetia nas colunas de som a necessidade de manter o distanciamento social antes, durante e depois do comício.
“Há camaradas preparados para ajudar a enquadrar os lugares de cada um, no final devemos ficar no lugar para que a saída seja realizada de forma a cumprir o distanciamento que se exige”, pedia um dos comunistas envolvido na organização do primeiro comício pós-confinamento do PCP.
Jerónimo de Sousa chegou de máscara e rapidamente se posicionou atrás do palco preparado, também respeitando o distanciamento social entre os restantes apoiantes que já estavam atrás do palco. Nas primeiras filas de militantes, além de deputados à Assembleia da República estava também o eurodeputado eleito pelo partido nas eleições de maio de 2019, João Ferreira. E foi para a União Europeia que foram grande parte das críticas durante o discurso, de meia hora, do secretário-geral do PCP.
Jerónimo de Sousa diz que a “apregoada” bazuca é um passo para “União Fiscal”, num “novo aprofundamento do processo de integração” e que irão “sugar competências nacionais” aos vários países.
O que têm em vista é aproveitar a oportunidade para impor um novo aprofundamento do processo de integração, não só para sugar competências nacionais, mas os próprios recursos financeiros de cada país numa “União Fiscal”, centralizados e sob o seu controlo e para servir os seus interesses e projetos”, disse o secretário-geral do PCP.
Segundo Jerónimo, “os problemas com que o país está confrontado exigem medidas de grande fôlego e respostas de longo prazo para enfrentar uma situação absolutamente extraordinária é inquestionável”, repetindo as críticas já feitas pelo partido sobre a “grande insuficiência” que o PEES apresentado pelo Governo representa.
PCP diz que PEES é “de uma grande insuficiência face à realidade” que o país enfrenta
E o PCP aponta o caminho para “um verdadeiro programa de desenvolvimento do país”: “precisamos de produzir cá o que nos impuseram comprar lá fora, modernizando e diversificando as atividades económicas; precisamos de recuperar para o país o que nunca devia ter sido privatizado; precisamos de acelerar o investimento; de adquirir os equipamentos que o país carece, construir infraestruturas, assegurar serviços púbicos essenciais”, mas não é só. Também a “renegociação da dívida pública, a justiça fiscal e combate aos privilégios do grande capital” são prioridades do PCP para uma recuperação do país no pós-Covid.
Mas nesta primeira oportunidade de discursar para um maior número de militantes, Jerónimo não abdicou de lhes deixar alguns pedidos. “A situação atual impõe a afirmação dos objetivos e do papel do PCP, a concretização do seu compromisso de sempre com os trabalhadores e com o povo que é necessário continuar a traduzir em ação e intervenção concreta na firme defesa dos seus interesses e que são a razão de ser do nosso partido”, disse o secretário-geral.
E sobre o futuro, onde se inclui a realização da Festa do Avante! — que começou ontem a ser montada — também há justificação para que não seja cancelada ou reagendada: “este é o momento de emergência para a ação do Partido inerente à sua identidade comunista”. O PCP quer também “criar novas células” e irá promover uma campanha nacional de fundos, conforme tinha sido anunciado no último comício do partido em março.
E o que podem os comunistas ensinar agora sobre a organização de comícios em tempos de pós-confinamento (e ainda durante a pandemia)? Em primeiro lugar que é possível organizar os militantes de forma a manter o distanciamento social; na chegada ao local também é possível que não haja ajuntamentos, se for feita atempadamente; depois de terminado o comício pedir a todos que se mantenham nas posições até que seja possível sair garantindo que não param pelo caminho criando ajuntamentos. E durante o comício? De máscaras na face, bandeiras nas mãos e as vozes afinadas para acompanhar os gritos e palavras de ordem, que parecem mais difíceis de coordenar com a distância recomendada e a máscara a tapar parte das expressões faciais. No final? A garantia do PCP que a Festa do Avante! é possível, consciente que terá grandes diferenças em relação às outras edições.