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Corredor do secretariado onde existem instrumentos cobertos com material protetor
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Corredor do secretariado onde existem instrumentos cobertos com material protetor

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Corredor do secretariado onde existem instrumentos cobertos com material protetor

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Uma "mudança criminosa" ou o "lugar natural": o Palácio de Mafra vai engolir o Museu da Música?

Estão pianos nos corredores há 25 anos. Os estudos continuam por fazer. Parte da equipa quer sair. Existem problemas na mudança? A ministra da Cultura responde numa palavra: "Não".

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Cada um usa uma alegoria diferente, com linguagem mais ou menos colorida, para a mudança anunciada do Museu Nacional da Música (MNM) da estação de metro do Alto dos Moinhos, em Lisboa, para o Palácio Nacional de Mafra (PNM). Mas todos os opositores da transferência com que o Observador falou retratam da mesma forma o processo: uma decisão tomada à pressa, sem considerações museológicas, sob pressão política e com falta de análises de viabilidade.

O Museu Nacional da Música sempre foi um peão político usado como pretexto para resolver os problemas dos outros”, afirmou um colaborador do MNM ao Observador: “Nunca é o Museu que está em primeiro lugar”. A historiadora e antiga funcionária do MNM Ana Paula Tudela reforça esta ideia, garantindo que a mudança — planeada para 2021 — é um “perfeito crime” e “não tem fundamentação razoável”.

“É o mesmo que foi feito com Évora”, garante Ana Paula Tudela. Em 2010 chegou a estar anunciada a ida do MNM para o Convento de São Bento de Cástris, naquela cidade alentejana. “Queriam levar o Museu Nacional da Música para Évora para financiar a renovação de um mosteiro, agora não me admiro que o estejam a mudar para Mafra para aumentar o financiamento do Palácio“, acusa. Duas fontes independentes que colaboram com o Museu avançam a mesma ideia, negada por completo pelo Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hélder Silva, que garante nunca ter sequer ouvido tal ideia.

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, chegou a dizer à Agência Lusa que quando lhe perguntavam porquê Lisboa, respondia “Porque não Mafra?”. Ana Paula Tudela responde à pergunta retórica: “O Museu não tem nada a ver, na sua identidade nem na sua constituição como acervo, com aquele espaço e com aquele local. [O PNM] é um edifico de grandes dimensões, de espaços muito difíceis de controlar”.

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Também a vice-presidente da Associação Amigos do Museu Nacional da Música, Helena Marques da Silva, revela ao Observador que o grupo não acredita que esta mudança seja o melhor caminho para o MNM: “É seguramente muito bom para o Palácio. Temos muitas dúvidas ou não acreditamos que o seja para o Museu da Música“.

"Eu olho para o Museu e faz-me lembrar aquelas baleias às quais são lançados arpões de um lado e de outro até elas já não se conseguirem mexer."
Ana Paula Tudela, historiadora

Já o presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hélder Silva, decide parafrasear a ministra da Cultura sobre a sua posição em relação a esta mudança do MNM: “Mafra é o local natural para instalação do Museu da Música”. De acordo com o presidente, o papel da CM de Mafra neste processo passa por demonstrar “publicamente, tecnicamente e politicamente que Mafra é um dos melhores locais a nível nacional para receber o Museu Nacional da Música”.

“Em toda as perspetivas, Mafra tem todas as condições para albergar o Museu da Música”, concorda Graça Fonseca, que chamou a si todas as explicações oficiais sobre a mudança: “Acima de tudo, Mafra está umbilicalmente ligada à música desde sempre. Tem um conjunto de seis órgãos que já estão restaurados e os carrilhões que até ao final do ano estarão restaurados. Tem na sua biblioteca, na Biblioteca de Mafra, que é um local absolutamente incrível, um amplo acervo de documentos e de tudo o que nos relaciona com a música”.

Mas ainda antes da entrevista com a ministra da Cultura, um colaborador do MNM, entrevistado pelo Observador, previa esta justificação: “Argumentar a ida para Mafra com órgãos e carrilhões é de quem quer fazer decoração de interiores, não museologia — parece que os instrumentos só servem para fazer pandã”. Ana Paula Tudela reforça: “É pegar numa coleção focada em instrumentos intimistas, que ainda tem de recolher espólio do século XX e XXI, e forçá-la a encaixar na grandiosidade barroca”.

O Museu (e o Palácio)

“Eu olho para o Museu e faz-me lembrar aquelas baleias às quais são lançados arpões de um lado e de outro até elas já não se conseguirem mexer”, confessa Ana Paula Tudela ao descrever a história do Museu. “O MNM é um museu e, ao ser metido dentro de um palácio, passa a ser um núcleo dentro de outro museu. É o princípio para acabarem com a existência do Museu Nacional da Música.”

Um museu que conta com “uma das mais ricas coleções da Europa de instrumentos musicais dos séculos XVI a XX, de tradição erudita e popular”, na descrição da Direção Geral do Património e Cultura (DGPC). São mais de 1000 instrumentos, pinturas, desenhos, gravuras, ourivesaria, escultura, cerâmica e fotografia, e cerca de 25 000 fonogramas, rolos de piano, rolos de cera, bobinas eletromagnéticas, cassetes de áudio e CD.

Stradivarius, o violoncelo que tem escolta policial

As joias da coroa do Museu Nacional da Música incluem tesouros nacionais, como violoncelo Stradivarius Chevillard-Rei de Portugal, de 1735, que pertenceu ao rei D. Luís, ou um cravo construído em 1782 por Pascal Taskin. Destacam-se também instrumentos como os cravo Antunes de 1758 e 1789,  um dos dois oboés de Eichentopf existentes no mundo, ou os cornes ingleses de Grenser e de Grundman & Floth.

Para Ana Paula Tudela é simples: “Se for ao Palácio Nacional, com tudo o que há lá para ver, o Museu é a primeira coisa que está na sua cabeça? Só é se já for um amante do Museu, se só for lá para isso e não quiser ver o resto.”

“O Palácio engole o Museu”, acrescenta, explicando que “quem vem a Mafra vem ver o Palácio, não vem ver o MNM, e quem vinha ao Museu da Música não vai até Mafra“. Significa uma descaracterização do Museu: “Uma das coleções instrumentais mais valiosas da Europa pode ficar diluída e ignorada por ocupar um espaço que se impõe em excesso”.

Hélder Silva discorda: “Maior descaracterização do que ele tem hoje é absolutamente impossível”. Posição sustentada pela ministra da Cultura: “O Museu tem um potencial único neste país. Há 25 anos que está enfiado numa estação de metro sem sinalética, sem pé direito, sem condições para lá estar”.

Os seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra, completos entre 1806 e 1807.

Graça Fonseca, questionada diretamente, garante que o Museu nunca será engolido pelo Palácio: “Mafra é um dos monumentos mais extraordinários que este país tem. É uma coisa extraordinária do ponto de vista dos órgãos, dos carrilhões, do espaço […] Mas o MNM não é mais uma sala no Palácio Nacional de Mafra, como é evidente. Se fosse mais uma sala, não era uma ala inteira, como é óbvio. O Palácio de Mafra tem espaço para ter um museu. Pode ser o Museu da Música, podia ser outro qualquer. Mas o que faz sentido ali é o Museu da Música”.

As dúvidas sobre a mudança, segundo afirmam os próprios, surgem também porque nem a Associação de Amigos de Amigos do Museu Nacional da Música nem a equipa do Museu foram consultadas durante o processo. Aliás, de forma independente, dois colaboradores do MNM garantem que os trabalhadores do Museu estão contra a ida para Mafra e vários ponderam pedir transferência caso se confirme a mudança do acervo: “A maioria dos funcionários não vai para Mafra. Dentro do MNM não se apoia a mudança“. Esta ideia não foi transmitida pelos trabalhadores aos responsáveis pela transferência do Museu.

"Maior descaracterização [para o Museu Nacional da Música] do que ele tem hoje, é absolutamente impossível."
Hélder Silva, presidente da Câmara Municipal de Mafra

Após as obras previstas, o Museu Nacional da Música ficará instalado na Ala Norte do Palácio Nacional de Mafra, contando com uma entrada própria, para que as identidades do Museu e do Palácio não se misturem, segundo o presidente da Câmara Municipal de Mafra. A isto junta-se a instalação de um elevador que permite o transporte de instrumentos e o acesso ao espaço expositivo — que será instalado num único piso.

O Museu (e o metro)

Independentemente do destino, deixar a estação de metro do Alto dos Moinhos é praticamente consensual. O Museu ocupa parte da estação desde 1994. O contrato original (que previa a instalação de forma provisória) foi prologando ao fim de vinte anos — e hoje os corredores do primeiro andar do MNM, que não é acessível ao público, estão repletos de instrumentos tapados para evitar a acumulação de pó. Pianos, guitarras e mobiliário histórico ocupam toda a zona de serviço, fora das reservas climatizadas destinadas ao acondicionamento da coleção.

As próprias reservas estão completamente cheias. “Não há espaço para receber doações”, garante um colaborador do Museu. Mas o problema não surgiu apenas pelo crescimento do acervo. Em 1994, “já havia pianos nos corredores”, garantem dois colaboradores do MNM ao Observador. Helena Marques da Silva não se recorda, mas sublinha: “Ninguém questiona que o Museu precisa de outras instalações.”

Na tese académica A Música em Exposição: Uma proposta de programa expositivo para o Museu da Música, de março de 2012,  Rui Pedro Nunes, atual funcionário do Museu, nota que, em teoria, a localização atual “reúne condições bastante interessantes para acolher uma instituição museológica”, mas reconhece que, na prática, o potencial “não se traduz em termos de públicos e projeção da instituição”.

Aliás, o trabalho nota as sucessivas falhas do Museu no cumprimento dos seus objetivos básicos, apesar de possuir “todas as funções museológicas inscritas na Lei-Quadro dos Museus Portugueses”:

  • “O Museu raramente consegue estudar e investigar as suas coleções, o que, em parte, se explica pela inexistência de um verdadeiro conservador das coleções”.
  • “O Museu assegura apenas as tarefas mínimas de conservação preventiva” da coleção, falha de que “podem ou estarão a resultar prejuízos para o acervo”.
  • “O Museu continua a incorporar regularmente novas peças”, mas “faz-se notar a ausência de uma atitude mais ativa e seletiva nesta matéria, devidamente fundamente numa política de incorporações oficial, que a instituição não possui”.
  • O Museu não consegue organizar “com o grau de resposta desejável” os seus processos de inventariação e documentação.

Colaboradores do MNM consultados pelo Observador notam que algumas das falhas foram corrigidas desde 2012, tendo melhorado a política de incorporações e o trabalho em torno das coleções.

Mais de vinte anos depois, aquilo que era provisório continua por mudar: “Quando algo é instalado num sítio provisório, tem de se começar a trabalhar sobre a instalação futura. Mas à português é sempre muito assim, as coisas são provisórias e depois ficam“, comenta Ana Paula Tudela.

"Tenho imensa dificuldade em perceber porque é que estamos há 25 anos a discutir a localização de um museu que devia ser um dos mais extraordinários neste país."
Graça Fonseca, ministra da Cultura

“Estávamos nós na sessão de assinatura dos protocolos [de mudança, a 27 de março] e quase tivemos que interromper a sessão porque ia a passar o metro, e o metro passa com uma frequência muito grande e ouve-se”, conta o presidente da Câmara Municipal de Mafra, reforçando que o Alto dos Moinhos “não é o local ideal para ter o Museu” e que, para um museu como este, “se espera algo mais”.

Graça Fonseca manifesta igual indignação pelo estado atual do Museu: “Tenho imensa dificuldade em perceber porque é que estamos há 25 anos a discutir a localização de um museu que devia ser um dos mais extraordinários a existir neste país, e estamos a discutir há 25 anos quando ele está numa estação de metro, que não tem sequer nenhuma sinalética na rua”.

A ministra continua: “Eu nem consigo perceber como é que os musicólogos, ou quem quer que seja, conseguem conceber que o MNM esteja ali bem. O centro do Museu da Música não tem espaço para ver os instrumentos. Há um quadro que está atrás de uma parede que só é vista da cantina que é utilizada pelos funcionários do Museu”.

O espaço

As atuais instalações no Alto dos Moinhos têm cerca de dois mil metros quadrados. Quinhentos estão dedicados a espaço expositivo. A maior parte da coleção está guardada em quatro salas de reserva no piso superior. A ala Norte do Palácio Nacional de Mafra, onde deverá ficar instalado o Museu, irá oferecer três mil metros quadrados, a que acrescem espaços comuns, como uma cafetaria, auditórios e jardins.

Planta dos dois pisos do Museu Nacional da Música na estação de metro do Alto dois Moinhos

Depois de algumas voltas matemáticas — em que começou por afirmar que o MNM teria cinco vezes mais espaço em Mafra, antes de reduzir sucessivamente o valor — Hélder Silva continua a argumentar que o PNM oferecerá espaço suficiente: “O projeto está a ser feito nesta altura, portanto será um valor ainda a definir relativamente à disponibilidade de espaço.” O que está definido é o espaço para exposição dos instrumentos, que serão alocados na Ala Norte. Quanto às reservas, ficarão “à partida na base do torreão norte, que era uma antiga ala utilizada também pelos militares e que será também uma grande área para instalação das reservas”, explica o presidente.

Ainda assim, fonte próxima do processo queixa-se de que “é uma obra de milhões que nem ao dobro da área útil chega“. O desapontamento vem de uma expetativa antiga.

De acordo com uma estimativa de espaços a que o Observador teve acesso, desenvolvida internamente e datada de 17 de fevereiro de 2010, o Museu Nacional da Música necessitaria idealmente de uma área de 8628 metros quadrados, entre espaços expositivos, de reserva e de gravação, cafés e jardins. Este plano, no entanto, prevê a reunião no espaço do MNM de “entidades (públicas e/ou privadas) relacionadas com música e som”. São indicados, a título de exemplo, “o Arquivo Fonográfico Nacional, escolas de música, escolas técnicas, centros de investigação, lojas de música e de instrumentos, editoras discográficas, associações musicais, rádios, orquestras…”.

A agregação destes serviços poderia, segundo o estudo, “facilitar a angariação de fundos”, “resultar no desenvolvimento de sinergias”, “permitir a implementação de um modelo de funcionamento e financiamento partilhado” e gerar uma “maior atenção por parte do público em geral”. Mas ignorando os espaços comuns, o trabalho pede pelo menos 5390 metros quadrados para o Museu Nacional das Músicas, dos quais 2730 metros quadrados estariam disponíveis para a exposição pública e 1560 dedicados ao acondicionamento do restante acervo.

Graça Fonseca, pressionada a sustentar a escolha de Mafra para lá da necessidade de tomar uma decisão, e da existência da referência ao PNM em governos anteriores, recusou responder: "Eu não vou continuar a justificar tudo. Não vou. Porque isto é uma conversa que não vai levar a lado nenhum".

Mas para Graça Fonseca, que não conhecia a análise, o valor é despropositado: “Eu não acho que sejam necessários 8000 metros quadrados para o MNM. Um Museu com 3000 metros quadrados é um museu relativamente grande”. Aliás, quando primeiro confrontada com o estudo, a ministra da Cultura notou que a causa para a demora da mudança remete para as exigências excessivas: “Se calhar é por isso que ele está lá [no Alto dos Moinhos] há 25 anos…”

“Eu não acho que tudo o que está ali exposto tenha que estar exposto. Nem que tenha que ter aquela narrativa. Isto foi uma escolha”, explica Ana Paula Tudela, que diz que aquilo que falta é, sobretudo, espaço de reserva para os instrumentos. “Deve-se mesmo preservar uma parte da coleção em reservas diferentes que serão expostas ocasionalmente em coisas temporárias, precisamente para, ao longo da vida do Museu, explorar diversas perspetivas.”

Neste momento, cerca de 19% da coleção está exposta, com particular foco em aerofones e cordofones.

Helena Marques da Silva, em representação da Associação de Amigos do MNM, aceita que haja uma melhoria com a mudança, mas não a considera suficiente: “É evidente que um espaço que seja maior onde o Museu está agora já é uma mais valia. Mas tem que se realmente pensar no Museu a médio e longo prazo”. Portanto, considerar expansões futuras de espólio e atividades.

A humidade

“É possível tornar Mafra estável, mas é caríssimo”, explica fonte próxima do processo de mudança. Neste momento as obras à ala Norte, incluindo a instalação de um sistema de climatização que controle as variações de humidade e temperatura, estão orçamentadas em 2,5 a 3 milhões de euros, dos quais um milhão será investido pela Câmara Municipal de Mafra.

À Agência Lusa, questionada sobre as condições de preservação da coleção em Mafra, a ministra da Cultura colocou em questão o atual estado dos instrumentos: “[No Alto dos Moinhos] também está, lá em cima, em espaço de escritórios, um acervo extraordinário de instrumentos musicais, que ninguém questiona se tem ou não tem as condições para estar armazenado; e da minha visita aqui a conclusão a que cheguei é que não está devidamente acautelado”.

Ao Observador repete: “As reservas são um corredor onde os pianos e os outros instrumentos se acumulam uns em cima dos outros, tapados por umas mantas“. Neste momento há guitarras em cima de pianos — instrumentos, em teoria, leves o suficiente para não se danificarem — sendo as “mantas” material alcalino acid free utilizado especificamente para a preservação de peças museológicas.

É necessário, para lá da instalação de sistemas de controlo de humidade e temperatura, a contratação de especialistas em restauro e preservação de instrumentos. "A manutenção de um espólio musical não é igual à de uma pintura", explica Ana Paula Tudela.

“Os instrumentos nos corredores estão mais vulneráveis”, reconhece um colaborador do Museu, mas “as condições [de preservação] são bastante boas neste momento”. A humidade e a temperatura são medidas diariamente há vários anos na zona da coleção e, de acordo com dados a que o Observador teve acesso, os níveis mantêm-se estáveis durante todo o ano. A temperatura é mantida, idealmente, entre os 18º e os 20º.

“Estar debaixo de terra é uma maldição e uma bênção “, explica fonte do MNM, já que “a temperatura é muito estável no metro, e o viaduto [que foi construído por cima da estação] nos protege da chuva”.

Graça Fonseca duvida: “A última vez que lá fui o desumidificador que estava na sala onde estão os instrumentos de pele estava desligado e não funcionava“. “O desumidificador estava desligado porque não precisa de estar ligado”, justifica um colaborador do Museu — precisamente por a humidade ser controlada e reduzida em todo o espaço, incluindo nos corredores, não é necessário ter desumidificadores a funcionar continuamente em salas de reserva. Um colaborador do Museu admite ainda assim que o sistema de AVAC tem falhas, devido à idade, e precisa de ser reparado ou substituído.

Nas mesmas declarações à Lusa, a ministra da Cultura via a mudança de instalações como uma oportunidade de melhorar as condições para os instrumentos: “No Palácio Nacional de Mafra, o que o projeto de arquitetura vai permitir fazer é trabalhar para que todas as condições existam, para que seja tudo mantido no que deve ser mantido em condições, de temperatura, de humidade, do que é necessário”.

“Eu desconheço se há estudos escritos ou se não há estudos escritos, o que eu sei é que existe no Ministério da Cultura esta referência a Mafra, que já vem sido falada há algum tempo. Não é uma decisão de agora, a diferença que existe é que nós estamos a concretizar o que nunca foi concretizado”, reconheceu também à Lusa a ministra.

Graça Fonseca é ministra da Cultura desde outubro de 2018. Antes fora Secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa.

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Já em entrevista ao Observador apresentou mais certezas sobre a preparação da mudança. Graça Fonseca começou por garantir que “estão feitos todos os estudos sobre a possibilidade do Museu estar ali [no PNM]”. Mais tarde indicaria que “o projeto vai ser feito agora e vai ser feito pela Câmara de Mafra com a DGPC. E vai ser feito, como é óbvio, com todas as condições necessárias para ter lá o Museu”. Mas conclui que o ponto chave é que se tome ação: “Podemos discutir tudo até ao limite do possível. Mas a certa altura há um momento em que se continuarmos a discutir, tudo fica na mesma. E tudo vai ficar na mesma, como ficou nos últimos 25 anos”.

“Eu estou a dar-lhe uma solução. Como ninguém deu outra, e eu considero que esta é boa por razões técnicas, por razões museológicas, e por razões de localização, eu defendo-a”, conclui Graça Fonseca, que, pressionada a sustentar a escolha de Mafra para lá da necessidade de tomar uma decisão, e da existência da referência ao PNM em governos anteriores, recusou responder: “Eu não vou continuar a justificar tudo. Não vou. Porque isto é uma conversa que não vai levar a lado nenhum”.

Também Hélder Silva admitiu que os estudos de viabilidade ainda não existem: “Existe um ante-projeto que foi feito pela DGPC e pelo ministério e agora estão a ser iniciados os projetos de forma global, primariamente pela DGPC, porque não compete à Câmara Municipal fazer esses projetos. A parte técnica decorre do lado deles. Compete-nos a nós fazer os procedimentos que são necessários para adjudicação dos projetos”.

Mas o presidente da Câmara conclui já que o projeto irá prosseguir: “Não há nada que se nos apresente desde início relativamente a algum impedimento sobre a matéria”. Graça Fonseca ecoa o mesmo sentimento: “Nós sabemos que aquilo tem condições técnicas para ter lá o Museu. O mesmo não posso dizer sobre a atual instalação do MNM“.

Apesar da concordância inicial de Graça Fonseca em entregar a documentação, a DGPC nunca forneceu ao Observador qualquer documento sobre a mudança, acabando por admitir que o pré-projeto e pré-programa museológico do MNM em Mafra, ainda estão por completar: são “documentos em aberto, ou seja, que continuam a ser trabalhados, pelo que, no momento presente, ainda não podem ser divulgados”.

É necessário, para lá da instalação de sistemas de controlo de humidade e temperatura, a contratação de especialistas em restauro e preservação de instrumentos. “A manutenção de um espólio musical não é igual à de uma pintura”, explica Ana Paula Tudela. O medo assumido é que se repitam nesta mudança as condições a que o espólio esteve sujeito nos anos que passou encaixotada no Palácio Nacional [de 1991 a 1994]. A coleção esteve em risco em Mafra, e agora querem voltar para lá”, conclui a historiadora.

Hélder Silva (à esquerda) foi eleito presidente da Câmara Municipal de Mafra em 2013. Antes fora deputado no grupo parlamentar do PSD.

LUSA

Um sinal de alarme para Ana Paula Tudela é o estado de degradação dos instrumentos do MNM que nunca deixaram Mafra por falta de espaço no momento da mudança: “Eu conheço a realidade dos trinta pianos que estão em Mafra e que não couberam no Alto dos Moinhos e como têm sido tratados lá. Quando fui parar ao Museu, ao ir a Mafra o que encontrei foi uma pilha de quase três metros de pianos a um canto, uns em cima dos outros, com pernas atiradas para cima, e uma montanha de pastas de um inventário”.

Sobre este tópico, o presidente da Câmara Municipal de Mafra diz não saber a condição dos instrumentos. Ainda assim, argumenta que “é uma questão que eventualmente e pontualmente deve ser tratada e bem tratada, e vai ser tratada”.

A cidade

“O Museu Nacional da Música está ligado ao Conservatório, à Casa Pia de Lisboa, está ligado à coleção de Alfredo Keil”, enumera Ana Paula Tudela ao explicar a ligação a Lisboa que está na base do projeto do MNM. “Nós quando mudamos de património para um sítio, ele tem de ter forte ligação também à zona para que esta o acarinhe. O Museu não tem nada a ver” com Mafra, explica.

O Museu, também para Helena Marques da Silva, tem a sua génese “na gente de Lisboa”, motivo pelo qual se deveria manter na capital: “É uma questão de respeito histórico manter o Museu em Lisboa, porque foram pessoas de Lisboa que se preocuparam e deram atenção, numa altura em que se dava atenção ao património, mas se dava muito menos a este património musical”. “Não se pode passar lixívia na História”, sublinha um colaborador do MNM.

Um problema que esta mudança coloca é, de acordo com Helena Marques da Silva, a provável falta de mecenato e apoio. Em Lisboa, já há uma “comunidade sedimentada”, que provavelmente não se mostrará disponível para ir para Mafra. “Quando foi assinado o protocolo logo no início de janeiro, tivemos alguns telefonemas na Associação a dizer que como íamos para Mafra já não valia a pena pagar quotas“, conta.

Por isso mesmo, a Associação dos Amigos do MNM lançou uma petição pela permanência na cidade: “Nós não somos contra Mafra, somos é a favor de Lisboa.” “O meu piano não ia para Mafra, de certeza”, chegou a afirmar o músico António Rosado à SIC, numa das declarações de apoio à petição da Associação.

Um colaborador do Museu Nacional da Música, entrevistado pelo Observador, reforça a importância de deixar a estação de metro do Alto dos Moinhos mas permanecer na cidade de Lisboa: “Se a decisão sobre o futuro do Museu tivesse sido tomada tendo por base um estudo técnico cuidadoso e detalhado, focado exclusivamente no Museu e respeitando a sua memória passada, creio que facilmente chegaríamos à conclusão que o melhor para esta instituição seria a sua instalação em Lisboa”.

Amigos do Museu da Música lançam petição para a instituição ficar em Lisboa

Já de quem está do lado de Mafra, a perspetiva é oposta. “Nós, Mafra, somos Lisboa. É uma falácia total querer concentrar tudo em Lisboa, a qualquer preço, por questões que se tentam ancorar e que penso que hoje em dia não fazem qualquer tipo de sentido”, argumenta Hélder Silva. A seu ver, a acessibilidade também não é um problema, ainda para mais com os novos passes sociais. “Estamos dentro da Área Metropolitana de Lisboa. Portanto, Lisboa é já aqui. O passe é 40 euros para ir e vir.”

A ministra da Cultura extrema ainda mais a posição de Hélder Silva: “Eu estou convencida de que se Mafra fosse em Lisboa toda a gente acharia que era o melhor lugar possível do mundo para ter o MNM.” De resto, sempre em respostas de uma única palavra, Graça Fonseca garante que a ida para Mafra “não” vai afetar a relação com mecenas e voluntários, “não” representa um corte com a história do Museu e “não” tem qualquer desvantagem para o MNM.

"É uma questão de respeito histórico manter o Museu em Lisboa, porque foram pessoas de Lisboa que se preocuparam e lhe deram atenção."
Helena Marques da Silva, vice-presidente da Associação dos Amigos do Museu da Música

“O facto de ter estado sempre em Lisboa significa o quê? Significa que a história do MNM está umbilicalmente ligada à cidade de Lisboa, é isso?”, questiona Graça Fonseca, que responde diretamente a quem refere a ligação do espólio a Lisboa: “O espólio não tem ligação a terra nenhuma, tem ligação a um país. O Museu da Música não é um museu de Lisboa. O Museu da Música é um museu nacional. O que é nacional tem de estar em Lisboa?”.

Apontando para a coleção, Graça Fonseca nota que “ali está a história do país, de Portugal, de várias personalidades, de vários compositores, de vários instrumentos, de várias pessoas que construíram aqueles órgãos. Não são todas de Lisboa. Estão muito longe disso”. Enquanto que o Museu em si tem uma história “feita de mudança e instabilidade”.

A história

Para conhecermos a história do Museu Nacional da Música temos de viajar no tempo até ao ano 1911. Nesta altura, o musicólogo Michel’angelo Lambertini consegue fazer-se nomear pelo Governo para iniciar a recolha de instrumentos musicais, partituras e outras peças ligadas à música e que estavam dispersos em diversos edifícios públicos e religiosos.

Michel’angelo Lambertini foi pianista, maestro, compositor, musicólogo, professor de canto, editor e comerciante de instrumentos musicais.

Em 1915, com Teófilo Braga como Presidente da República, foi instituído o Museu Instrumental do Conservatório, no edifício da Rua dos Caetanos, em Lisboa. No ano seguinte, em 1916, Lambertini recorre ao também colecionador António Carvalho Monteiro (conhecido por Monteiro dos Milhões), para que este adquirisse as coleções que estavam em perigo de sair para o estrangeiro, sem condições para estarem expostas em Portugal.

Com a morte Lambertini e Carvalho Monteiro, em 1920, e sem condições para serem devidamente expostas em Portugal, o projeto do Museu Instrumental ficou suspenso. O acervo até então reunido permaneceu onze anos nas caves de um edifício na Rua do Alecrim, até ser encontrado por Tomás Borba, conservador do Museu e Biblioteca do Conservatório Nacional. O espólio foi adquirido e transferido para o Conservatório Nacional a partir de 1931.

Monteiro dos Milhões (à direita) foi responsável pela construção da Quinta da Regaleira.

A partir de 1938, o património do Museu foi enriquecido com várias aquisições e com o restauro de alguns instrumentos. Uns anos depois, em 1946, o Museu é inaugurado oficialmente.

Já nos anos 70, com a criação de três novas escolas no Conservatório (Dança, Cinema e Educação pela Arte), foi preciso ocupar o espaço destinado ao Museu. Em 1971 a coleção foi transferida para o Palácio Pimenta, no Campo Grande, em condições precárias. O cenário muda quando, em 1975, o então secretário de Estado da Cultura, João de Freitas Branco, decide transferir novamente os instrumentos para a Biblioteca Nacional.

A partir de 1980, várias comissões procuraram um destino para acolher o acervo musical do MNM. Os Palácios Cabral e Ratton, em Lisboa; o Centro Cultural de Belém; o Palácio de Queluz ou o Convento de São Bento da Vitória no Porto, foram as hipóteses colocadas em cima da mesma. Em 1991, por decisão da Secretaria de Estado da Cultura, as coleções foram empacotadas e transferidas para o Palácio Nacional de Mafra, onde permanecem até à abertura do Museu no Alto dos Moinhos, em 1994.

A nova localização surge da assinatura de um documento, em 1993, assinado entre o Instituto Português de Museus (que atualmente corresponde à Direção Geral do Património Cultural) e o Metropolitano de Lisboa. O Museu da Música foi inaugurado a 26 de julho de 1994, na estação de metro do Alto dos Moinhos. Inicialmente, o contrato previa a estadia temporária por vinte anos.

A escolha do local é justificada em com um encontro de vontades entre a DGPC, que pretendia instalar o Museu num local de grande acessibilidade, e o Metropolitano de Lisboa, que queria integrar a cultura na vida quotidiana da cidade.

"O facto de ter estado sempre em Lisboa significa o quê? Significa que a história do Museu Nacional da Música está umbilicalmente ligada à cidade de Lisboa, é isso? O espólio não tem ligação a terra nenhuma, tem ligação a um país."
Graça Fonseca, ministra da Cultura

Em 2010, Elísio Sumavielle, então secretário de Estado da Cultura, anunciou que o MNM seria transferido para Évora, para o já referido Convento de São Bento de Cástris. No ano seguinte, o diretor do Instituto dos Museus e da Conservação anuncia que estavam a ser discutidas outras hipóteses, entre elas, Mafra.

O Museu da Música tornou-se o Museu Nacional da Música em 2014.

em 2017, o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, anunciou que o acervo do Museu Nacional da Música seria dividido entre dois locais, Lisboa e Mafra, indo ao encontro da “política de desconcentração dos museus e monumentos”. Uma decisão que se justificava com restrições financeiras, uma vez que a mudança de todo o Museu para o Palácio de Mafra ficava cara e seria dificilmente realizável até ao fim de 2018, data em que terminou o contrato com o Metro de Lisboa. O plano passaria pela transferência da coleção do período romântico para o Palácio Foz, ficando o acervo barroco no PNM.

Lisboa e Mafra vão receber Museu Nacional da Música a partir de 2019

A posição da atual ministra da Cultura em relação a este tópico é diferente, já que diz que “não faz qualquer sentido”: “O Museu da Música deve ser um museu único. Os museus têm determinado espólio e estão num determinado local.”

Em 2019, o MNM permanece na estação de metro do Alto dos Moinhos, em Lisboa. O futuro do Museu será o Palácio Nacional de Mafra, a partir de 2021.

O futuro

O que deve ser o foco do trabalho do Museu é um ponto de discussão há décadas. “Em 1994 deram-nos 20 anos para pensar, deram-nos um balão de oxigénio”, sublinha um dos colaboradores do Museu, continuando: “Mas nunca nos deram os recursos [fundos, espaço e funcionários] para fazer mais do que sobreviver. Só queríamos o mínimo para sair disto“. Foram, de acordo com o que conta o colaborador, anos desperdiçados “por falta de vontade política”.

Isto porque, “como o Museu tem estado sem casa própria e sem poder trabalhar sem ser para o dia-a-dia, falta-lhe a coleção do séc. XX até ao XXI, que não passa só pelas guitarras, pelo rock e pop, mas passa também pela parte digital que surgiu”, explica Ana Paula Tudela. É por isso que acredita que não se pode olhar para o MNM como um museu de música, mas ainda apenas como um “museu de instrumentos”. Rui Pedro Nunes concorda: “O conjunto das peças expostas é acima de tudo representativo de uma tradição musical erudita ocidental”.

"Em 1994 deram-nos 20 anos para pensar, deram-nos um balão de oxigénio, mas nunca nos deram os recursos para fazer mais do que sobreviver. Só queríamos o mínimo para sair disto."
Atual funcionário do Museu Nacional da Música

É preciso um Museu da Música do futuro, que não veja só da música erudita, que seja representativo das diferentes pessoas“, argumenta um colaborador do MNM, continuando: “O Museu Nacional da Música tem que estar de portas abertas para todos quantos fazem da música a sua vida”. Para outro colaborador, a própria escolha de Mafra é um reforço de uma noção do Museu como uma “coleção instrumental para as elites”, agora centrada na coleção de D. João V, instalada no palácio que mandou construir.

As mesmas fontes reforçam a falta de recursos do Museu, indicando a dependência de trabalho não remunerado ou não especializado: “Só se conseguiu melhorar e fazer diferente graças ao esforço de mecenas, estagiários e voluntários — que têm de fazer trabalho técnico, porque a equipa é insuficiente”.

“O MNM tem 16 mil visitantes, Mafra tem 300 mil“, afirmou a certo ponto a ministra da Cultura. É uma justificação recorrente para a mudança do Museu Nacional da Música para o PNM: o inflacionamento do número de visitantes do MNM, aproveitando a presença do público pré-existente do Palácio Nacional de Mafra. “Se eu tiver um monumento nacional onde eu tenho uma sala aberta, as pessoas vão visitar uma sala. Se eu tiver um monumento com 3 salas abertas, o mais provável é as pessoas visitarem as três salas abertas. É assim em todos os museus e monumentos do mundo”, explica Graça Fonseca, para garantir que o público de Mafra irá aderir ao Museu da Música.

Na localização atual, o Museu da Música conseguiu, ainda assim, ser um dos museus portugueses que mais aumentou o número de visitantes durante 2018. O público do MNM cresceu 11,9% em relação ao ano anterior. No todo, os monumentos, palácios e museus portugueses registaram uma quebra de 7,8% no número de visitantes. O Palácio Nacional de Mafra perdeu público a um ritmo superior à média nacional. A descida no número de visitantes foi de 9,86%.

Seja qual for o destino do Museu, dois colaboradores, entrevistados em grupo, pedem que seja definitivo: “O MNM é muito frágil e as peças sofrem com cada mudança. É uma coleção de valor incalculável, que precisa de um espaço novo que lhe dê as mínimas garantias”. Mais, a melhoria de condições do Museu Nacional da Música terá de ser feita a tempo de “não se deitar mais boa vontade ao lixo”.

Mas Graça Fonseca recusa confirmar quer um reforço à equipa, quer aos recursos financeiros do Museu. “Até 2021 se verá”, afirma, garantindo também que não está prevista a expansão do espólio para corrigir as lacunas apontadas ao longo dos últimos anos: “Para já, vamos trabalhar com o que temos”.

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