Entre as vídeochamadas ao final do dia e os encontros, mais esporádicos, em diferentes locais do distrito de Aveiro, Fernando Valente só impunha uma condição a Mónica Silva: “Tem de ser em segredo.” Era a única condição, mas Fernando relembrava-a com frequência. “Ele frisava sempre que ela não podia falar do envolvimento deles. Mesmo nas chamadas que eu ouvia, ele dizia sempre que tinha de ser tudo secreto”, conta ao Observador Sara Silva, irmã gémea de Mónica Silva, que desapareceu no início de outubro, quando estava grávida de sete meses, em Murtosa, Aveiro. O corpo ainda não foi encontrado. Fernando está em prisão preventiva desde o dia 18 de novembro.
Mas se, por um lado, Fernando — detido por suspeitas dos crimes de homicídio agravado, profanação de cadáver e aborto agravado — não queria que ninguém soubesse deste relacionamento, por outro lado, diz a irmã, conhecia todos os passos dados por Mónica. “Ele queria controlar os passos dela, queria saber com quem é que falava, onde é que estava. Mesmo antes de ela lhe dizer onde estava, ele já sabia”, continua a contar Sara, acrescentando ainda que Fernando “queria saber tudo, mas sem ninguém saber”. No entanto, nega que alguma vez tenha acontecido algum episódio de violência.
À exceção de Sara, que detalha a relação dos dois, ninguém sabia que Fernando e Mónica se conheciam. Nem em Murtosa, onde Mónica vivia com os dois filhos menores, nem em Béstida, onde vivem os pais de Fernando, nem na Torreira, onde o principal suspeito do desaparecimento de Mónica tem uma casa. “Nunca os vi juntos, nem nunca a vi com ninguém depois de se ter separado do marido”, com quem teve dois filhos, vai contando Lurdes Campos, do café e mercearia onde Mónica ia praticamente todos os dias, em Murtosa, e que fica praticamente atrás da casa onde vivem os pais das gémeas.
É também ali que, agora, a família se reúne, ao final de cada dia, depois de percorrerem os terrenos da localidade, alheios à investigação da Polícia Judiciária, à procura de sinais de Mónica. Têm escavado buracos em zonas que lhes parecem ter sido recentemente remexidas, contrataram uma equipa privada para limpar terrenos, drenar poços. Tudo à margem da investigação dos inspetores da PJ — e sem qualquer sucesso até ao momento.
A dez minutos do café de Lurdes Campos, onde as tardes são passadas a jogar às cartas e a ver as últimas novidades do futebol, fica Béstida, uma povoação com pouco mais de uma dúzia de casas e a dois passos da Ria de Aveiro. É aqui que fica a casa dos pais de Fernando, e onde o homem agora detido vivia também – ou passava, pelo menos, maior parte do tempo. “Nunca os vi juntos, nem nunca a vi para estes lados”, comenta a dona do único café desta zona, e por onde param os pescadores que chegam da Ria ou que se preparam para se fazer ao mar.
Contactos no dia em que Mónica desapareceu
O que aconteceu no dia em Mónica desapareceu continua a ser uma incógnita. Para já, o único suspeito identificado pela PJ é Fernando Valente e está detido. “Foram encontrados fortes indícios” do envolvimento deste homem no desaparecimento da mulher de 33 anos, adianta fonte da PJ ao Observador, mas a história está ainda longe de ficar concluída, sobretudo porque o corpo ainda não foi encontrado. Também para já, a PJ não descarta a hipótese de existir mais um suspeito e não garante com total certeza que Fernando seja, de facto, o pai do bebé que Mónica esperava. Certo é que os dois falaram na noite em que Mónica desapareceu, a 3 de outubro, confirma fonte desta polícia de investigação. E a hipótese de que Mónica possa ter pedido dinheiro ao suspeito também não foi descartada.
Nessa noite, Mónica terá telefonado a um dos filhos para dizer que demorava dez minutos a chegar a casa. Nunca chegou. E, na tese da família, ainda que sem provas de que isso tenha mesmo acontecido, Mónica terá levado consigo, na noite em que desapareceu, as ecografias que tinha do filho que iria nascer dentro de dois meses. E este é dos motivos que dá mais força a esta família para acreditar que Fernando está envolvido na sua morte.
Segundo a TVI, a PJ conseguiu detetar os sinais dos telemóveis de Mónica Silva e de Fernando Valente — este tinha dois telemóveis. O agora suspeito terá desligado aquele que seria o seu telemóvel oficial em casa dos pais e, por volta das oito da noite, terá ligado através do segundo telemóvel para Mónica. O telemóvel dela foi desligado já na Torreira, quase às duas da manhã. Entretanto, já no dia 4 de outubro, as antenas captam um sinal do telemóvel principal de Fernando em Vila Nova de Gaia, onde tem uma casa. E o telemóvel de Mónica terá sido ligado nessa tarde, em Cuba do Alentejo, onde os pais do suspeito têm também uma casa.
As conversas entre os dois, insiste Sara Silva, eram habituais há cerca de um ano e meio. Mas, apesar dos contactos, não se encontravam muitas vezes, muito menos em casa de Mónica. “Nunca entrou lá dentro, nunca conheceu os meninos. Ela uma vez apresentou-me ao Fernando, mas não falámos e nunca falei com ele”, continua a contar Sara. Este ano e meio de contactos não trouxe, no entanto, muitos detalhes sobre a vida de Fernando: “Ele dizia-nos que era economista no Porto e que passava lá muito tempo, por isso é que faziam tantas vídeo chamadas. Era o que nos dizia e a gente nunca desconfiou. Quer dizer, eu não o conheço.”
Depois de garantir que não conhecia Fernando, Sara conta que, no dia 4 de outubro, por volta da hora de almoço, entrou logo em contacto com o agora suspeito, assim que soube que a irmã não tinha regressado a casa no dia anterior e que os sobrinhos tinham ficado sozinhos em casa durante a noite. “Perguntei: ‘Estás com a minha irmã?’. E ele disse que não e ainda disse ‘Tudo o que eu puder ajudar, eu ajudo’.”
E logo no final desse dia, com muito pouca informação sobre o caso, Sara foi até casa dos pais de Fernando. Tocou à campainha e o principal suspeito do desaparecimento da irmã apareceu à porta. “Recuou quando me viu”, descreve. E reproduz a conversa:
– Olha, eu nunca te fiz mal. Porque é que estás a ter essa atitude? Fizeste alguma coisa que não devias.
– Ai, eu não, eu não.
Mas Sara diz não ter ficado convencida: “As expressões do corpo, o olhar, estava a transpirar. Tenho o olhar até hoje.”
Anúncio da gravidez por chamada
Horas antes do desaparecimento, Mónica tinha estado, como era habitual, no café de Lurdes Campos. “Vinha cá com a mãe. A irmã não costumava vir. No dia em que desapareceu, veio cá tomar café, mas à noite já não apareceu”, contou. Estava grávida e todos sabiam que ia ser mãe pela terceira vez. “O pai não sabíamos quem era, elas não falavam sobre isso e a gente também não perguntava”, acrescenta a dona do café.
Quando desapareceu, no início de outubro, Mónica estava grávida de sete meses. Sabia que era um rapaz e descobriu que estava grávida aos dois meses de gestação. “Fomos logo à praça comprar um fatinho e umas botinhas, mesmo sem saber o sexo do bebé”, conta a irmã. Para Sara, o pai do sobrinho que não chegou a conhecer é o homem que está preso. E para Mónica também, diz a sua irmã gémea. Mas o anúncio da gravidez terá sido feito, mais uma vez, por telefone. O momento é também recordado por Sara, que diz lembrar-se da conversa que teve com a irmã, nesse dia:
-Mónica, contaste-lhe? Mostraste-lhe?
-Sim, mostrei.
– E ele aceitou?
– Aceitou.
– Então pronto, se ele aceitou e se sabe.
“Ele diz que andava muito ocupado e não se encontraram nessa altura, mas desconfio que era por causa dos pais. Todas as vezes que a Mónica esteve com ele, o pai ligava. Ele recebia sempre uma chamada do pai. Por isso é que digo que se ele lhe fez alguma coisa, o pai sabe.”
Mas Sara não acompanhou todos os meses de gravidez da irmã e também não sabe se Mónica se encontrou com Fernando nos últimos meses. As duas viviam juntas desde que Sara se separou do marido e saiu de casa, que ficava precisamente ao lado da casa de Mónica. Mas, há três meses, as duas irmãs tiveram um desentendimento e Sara deixou de viver em casa de Mónica. Ao Observador, não adianta detalhes sobre a zanga entre as duas. “A nossa personalidade é diferente, ela ficou amuada comigo, eu com ela”, diz apenas.
“Uma família rica com uma família pobre? Acho que não”
A tese de Sara, de que Fernando era constantemente controlado pelos pais, é confirmada por vários vizinhos, que conhecem a família desde que “o pai chegou à aldeia só com uma mota velha”. Os negócios foram aparecendo e os pais de Fernando têm hoje uma empresa chamada “Formato Seguro”, que vai desde negócios de construção a uma florista, passando até por um grupo de animação de bailes. Os terrenos e casas espalhadas pela zona são também mencionados por quem conhece a família. Aliás, a propósito do negócio na área da construção civil, a família de Fernando tem vários armazéns na zona, onde os inspetores da PJ estiveram a fazer buscas, já depois de Fernando Valente ter sido detido.
“São pessoas com muito dinheiro. Acha que era possível uma família rica com uma família pobre? Acho que não”, adiantou uma das vizinhas dos pais de Fernando, que não quis ser identificada e que apontou para as casas de cada uma das famílias: de um lado, uma vivenda com direito a fonte, ainda que sem água; do outro lado, uma pequena casa, num beco.
A florista, que fica mesmo no centro de Murtosa, tem estado aberta por estes dias, mas não de forma regular. “Acho que eles evitam falar com as pessoas, porque toda a gente pensa que eles estão envolvidos”, diz uma das comerciantes desta zona. E, nos últimos tempos, antes da detenção, Fernando tornou-se presença mais habitual por estes lados, um apontamento que, acrescenta a mesma comerciante, “agora parece estranho”. “Antes vinha muito de vez em quando e, às vezes, aparecia com a filha”, que terá cerca de seis anos e vive em Vila Nova de Gaia com a mãe — cidade onde Fernando também viveu, até ao divórcio.
As cartas que o correio deixou esta terça-feira nesta loja continuavam no chão ao final do dia e foi também nesta loja que estiveram alguns familiares de Mónica, quando Fernando foi preso. Partiram várias coisas, incluindo o computador. “Nós só queríamos saber onde é que ela está, para podermos fazer o luto”, insiste Sara.